Em 2022 o encontro de mulheres negras que criou o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha completa 30 anos. Durante este período, muitas iniciativas de mulheres negras têm se multiplicado para popularizar a data no Brasil e, principalmente, viabilizar e articular conquistas políticas para as mulhers negras do Brasil e da América Latina.
Há 15 anos, o Festival Latinidades se constituiu como um grande marco que tem levado a data ao conhecimento de mais e mais pessoas no Brasil e fortalecido as articulações com a América Latina por meio de convidadas que, ano a ano, trazem visões e ideias sobre o que tem sido feito e o que ainda pode ser feito por e para as mulheres negras da região.
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Às vésperas da realização da 15ª edição do Festival, o MUNDO NEGRO conversou com Jaqueline Fernandes, idealizadora do Festival e CEO do Instituto Afrolatinas. Para ela,ainda falta muito para que a data seja, de fato, popular no Brasil. Para o futuro, ela enxerga um crescimento do movimento de mulheres negras e mais aproximação com a luta das mulheres indígenas. “Acredito que esse movimento de mulheres negras nos próximos anos vai crescer grandemente e que ele vai se juntar com movimentos de mulheres indígenas, que a gente vai poder falar daquilo que Lélia Gonzalez já ensinava pra gente, que é a nossa “Améfrica Ladina”, considerando as nossas especificidades, considerando tudo aquilo que pessoas negras e indígenas puderam construir juntas, acredito que isso se dê de forma cada vez mais unida”, vislumbra.
Confira a íntegra da entrevista:
Como se deu o processo de “popularização” da data do Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha no Brasil?
Em primeiro lugar, eu acho que é importante dizer que essa data ainda não é popular no Brasil, a gente tem uma dimensão da popularização da data a partir da agenda dos movimentos sociais, dos movimentos negros, especialmente da agenda dos movimentos de mulheres negras. As mulheres negras têm articulado com muita potência as pautas e os ativismos de forma que parece que essa pauta é bem mais popular do que de fato ela é.
A gente tem presenciado na prática um crescimento dessa data, mas eu vejo que ela tem um caminho muito longo pra realmente a gente poder falar em popularização, ou seja, uma data que consiga reverberar da mesma forma que o orgulho LGBT ou que a própria consciência negra.
Na prática, quando a gente procura as marcas, quando a gente procura as pessoas e a população em geral ainda não tem conhecimento, tanto da data quanto dos motivos pelos quais ela foi articulada, a história que está por trás da criação desta data. Então, antes de tudo acho que é bem importante dizer que eu não dou essa data por popularizada no Brasil, eu acho que isso é um processo e que existe um caminho longo ainda para que essa data alcance o nível de reconhecimento e visibilidade que ela merece.
Como você teve contato com as informações sobre essa movimentação de mulheres negras e decidiu criar o Festival?
O meu primeiro contato com a existência de um dia da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha foi no início de 2007, quando eu fazia parte do Fórum de Mulheres Negras do Distrito Federal. Chegou até mim a informação de que mulheres negras se reuniram na República Dominicana e que esse encontro originou a criação da rede de mulheres Afro latino americanas e Afro caribenhas e também do dia 25 de julho. Como produtora cultural eu fiquei encantada com a ideia de um evento propor um marco tão significativo quanto a criação do dia da mulher negra.
Eu sempre ouvi as pessoas dizendo que evento é “vento”, de uma forma pejorativa, como se fosse algo que não deixasse nada, que não deixasse legado. As pessoas dizem “por que envolver tantos recursos e gastos para algo que é tão passageiro como um evento?”. Eu acho que evento é “vento” sim porque ele espalha, porque ele comunica, porque ele tira as coisas do lugar e transforma. Nessa perspectiva eu fiquei muito provocada pelo fato de ser justamente num evento a elaboração de uma data como essa.
Em 2007, era uma pauta ainda quase que completamente desconhecida para a maior parte das pessoas, claro que eu diga a maior parte porque existia uma rede que inclusive participou da construção desse evento em 1992. A gente teve uma Delegação do Brasil, tiveram mulheres de organizações importantes como Geledés, Instituto Odara, Crioula, que fizeram parte disso, então essas organizações já vinham pautando a data. Assim, eu fiquei com muito desejo de criar algo em torno do 25 de julho para reverberar as denúncias relacionadas a situação da mulher negra na América Latina mas, também ao mesmo tempo celebrar as potências e as nossas capacidades artísticas, intelectuais e os nossos fazeres.
Quando o Latinidades chega, ele chega ao mesmo tempo querendo popularizar esta data e querendo também marcar o Distrito Federal com uma rota de eventos de cultura negra e mostrar que aqui a gente tem uma população negra de 58% majoritária que é invisibilizada dentro e fora da capital.
Qual você entende que é o grande desafio enfrentado pelas Mulheres Negras na atualidade?
Os desafios que as mulheres enfrentam na atualidade, infelizmente de forma estrutural, não mudaram, são os mesmos. Infelizmente continuamos na base da pirâmide, continuamos em grande maioria nos subempregos, na baixa remuneração, na jornada tripla e com os nossos saberes não reconhecidos. A contribuição da mulher negra para a sociedade ela não é reconhecida em nenhum nível, é uma uma grande luta, e ao mesmo tempo as mulheres negras como maioria da população, como arrimos de família, como responsáveis por várias famílias, elas tem a solução para os problemas emergenciais da sociedade, só que a combinação perversa entre o racismo e o machismo estrutural fazem com que as nossas soluções não sejam consideradas em nenhum nível.
O desafio que está posto é a superação de fato das desigualdades estruturais baseadas em gênero e raça e que se refletem em todo tipo de violência, em todo tipo de gente, falta de acesso à direitos e políticas públicas e a condições básicas de dignidade de existência e sobrevivência. Acredito que os desafios não mudaram, porque são estruturais, e eles só vão mudar quando a gente realmente conseguir mexer na estrutura. É um desafio enorme sobreviver ao racismo, ser atingida diariamente enquanto ao mesmo tempo a gente constrói essas soluções para a sociedade, porque de uma forma ou de outra, mesmo não estando nos espaços de poder, nós estamos na base provocando impacto. Às vezes sendo as únicas responsáveis por provar esses impactos sociais econômicos na base, e ao mesmo tempo sendo alvos.
Passamos por um longo processo que envolveu a maior entrada de pessoas negras nas universidades, disputas para maior presença de pessoas pretas na mídia, nas propagandas e a discussão da temática racial nos grandes meios. No entanto, essa visibilidade não necessariamente garantiu a diminuição do racismo na sociedade. Como você enxerga essa dicotomia?
Na verdade eu não diria dicotomia, eu acredito que as ações afirmativas nas universidades, nos meios de comunicação, no mercado de trabalho, em todos os espaços em que nós conseguimos implementá-las, elas são ações reparatórias que fazem parte de um conjunto de políticas afirmativas, elas não são a única solução viável para que a gente consiga de fato resolver esse prejuízo histórico que foi colocado em cima das pessoas negras, brasileiras, sobretudo das mulheres negras. Então de fato quando a gente fala que o racismo e o machismo são sistêmicos e quando a gente fala dessa interseccionalidade, o que estamos dizendo é que tudo isso está presente em todas as esferas da sociedade de uma forma extremamente profunda e arraigada. Então, 10 anos de políticas afirmativas é só o começo do que pode ser feito para esse prejuízo histórico que começou a ser modelado desde o dia “um” do Brasil.
Assim, a implementação de 10 anos de algumas políticas afirmativas e os avanços que a gente teve, não dicotomiza exatamente com o fato de hoje o racismo ser ainda tão presente na sociedade, é algo que a gente deve cuidar porque é cultural, porque é cotidiano. Precisamos de fato ampliar essas ações afirmativas e que elas sejam um conjunto de ações. As cotas foram uma delas importantíssimas, que precisam continuar porque 10 anos não dão conta de mais de 500 desse sistema escravocrata que ainda vem sendo perpetuado no Brasil.
O que você enxerga para os próximos 30 anos das mulheres negras latinoamericanas e caribenhas no que diz respeito a novas conquistas e avanços?
Eu tenho citado muito Vilma Reis, quando ela fala que “o movimento de mulheres negras é um movimento social mais bem-sucedido no Brasil”, no sentido de que ele “empurra a esquerda mais para a esquerda”, e ele pauta tudo aquilo que é importante olhar, incidir e transformar na sociedade. Acredito que esse movimento de mulheres negras nos próximos anos vai crescer grandemente e que ele vai se juntar com movimentos de mulheres indígenas, que a gente vai poder falar daquilo que Lélia Gonzalez já ensinava pra gente, que é a nossa “Améfrica Ladina”, considerando as nossas especificidades, considerando tudo aquilo que pessoas negras e indígenas puderam construir juntas, acredito que isso se dê de forma cada vez mais unida. A potência das mulheres negras, dos movimentos de mulheres negras na América Latina vai se tornar algo impossível de não considerar cada vez mais e vai vir junto com alianças fortíssimas com as parentas indígen
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