Mais da metade dos 200 milhões brasileiros se identificam como negro ou negra. Todos os dias, 82 jovens brasileiros são mortos, 77% desses jovens são negros. Na selva de pedra de São Paulo, os jovens negros são três vezes mais sujeitos a serem mortos por violência policial do que os jovens brancos.
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Por Katherine Jinyi Li *
Nos últimos anos, o movimento americano #BlackLivesMatter colocou a questão de violência racista da policia na primeira pauta dos meios de comunicação social e política. Ao outro lado do Hemisfério, as vozes negras do Brasil estão plantando as suas próprias sementes de um apelo crescente à justiça.
“A questão não é de copiar [os americanos] mas de ver o que fazem, o que dá certo, ficar observando e tentar adaptar isso a nossa realidade brasileira,” diz Silvia Nascimento, fundadora da primeira mídia negra no Brasil, Site Mundo Negro, que proclama uma visão pro-africana de negritude universal.
“Eles têm uma história de luta que precede a nossa – no Brasil a escravidão acabou muito tempo depois,” Nascimento nos lembra. “Estamos em um grau de desenvolvimento agora que reflete muitas coisas que já aconteceram nos EUA nos anos 60, 70.”
Quando considera o movimento #BlackLivesMatter, Nascimento ressalta uma força altamente qualificada de professores, advogados, políticos, jornalistas, e atores negros que apoia o movimento construído de protestos de rua e as redes sociais de massa. No Brasil, ainda um pais em desenvolvimento, essa mobilidade socioeconômica ainda está no processo de ser fortalecida para os negros, que só constituem 6.3% de todos os alunos no ensino superior.
Mais do que um movimento de protesto de rua, os negros brasileiros levantam a dignidade negra através de mídias independentes e marchas pacíficas. Negros brasileiros saem às ruas todo ano na Marcha contra o Genocídio da Juventude Negra e a Marcha das Mulheres Negras. Estas marchas estão rigorosamente vigiadas pela policia mas ficam relativamente pacíficas, não como os confrontos violentos entre os manifestantes negros e os policiais americanos nos protestos #BlackLivesMatter.
O primeiro censo racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) esse ano revelou que 85% dos juízes e 78% dos advogados no Brasil são brancos, que condenam uma população carceraria que é 67% negra.
“Essa proposta de ter políticas de ação afirmativa no sistema de justiça vai deixar a carreira mais representativa da sociedade… e trazer pessoas que entendam os problemas que a sociedade tem,” diz de Carvalho. “Esses juízos [das políticas de ação afirmativa] acabam trazendo uma diversidade de vivências que juízos que tiveram mais privilégios não tenham visto.”
De Carvalho lembra de ser a única aluna negra em uma sala de mais de 100 na Faculdade de Direito na Mackenzie. “Aqui no Brasil você entra em um espaço de ‘elite’ e você não vê a figura de uma pessoa negra – uma ausência de negros que já foi normalizada na nossa sociedade,” ela explica.
Brasileiros negros muitas vezes mostram saber pouco sobre sua própria história no ensino fundamental. Sem falar das batalhas dos heróis ex-escravos que lutaram para as comunidades negras, as escolas veneram os colonizadores e imigrantes brancos (igual à narrativa histórica ensinada nas escolas americanas). Como resultado, muitas referências do empoderamento negro no Brasil vêm dos EUA ou da África.
Comparado ao Brasil, os negros americanos já conseguiram construir uma fortaleza na conversa da nossa geração. Referencias desde Obama a Oprah, Malcolm X a Muhammed Ali, Angela Davis a Beyoncé, Black Panthers e #BlackTwitter e tudo demais, os negros lideram os americanos em uma diversificação das vozes na mídia de massas e no espaço político.
Para os negros na America Latina, uma identidade negra solidária ainda está obscura pela lenda colonial de miscegenação. Ex-presidente FHC que disse a famosa frase “Também tenho um pé na cozinha,” se declarando descendente de escravos apesar da sua óbvia brancura e pertencimento à classe elite. Depois negando ter falado a frase, Cardoso ainda assim deu o exemplo perfeito da ficção latina que o racismo não existe porque todos nós somos “um pouco negro”.
Na realidade, o racismo segue sendo a guia das normas sociais entre os negros e os brancos no Brasil. Tula Pilar, poetisa autodidata e ex-trabalhadora doméstica, escreve frequentemente sobre o abuso das suas empregadoras brancas. “Tiravam os cadernos das minhas mãos, rasgavam e falavam que estudar não era para as pessoas como eu,” ela recorda.
Ainda hoje, uma poeta reconhecida com aparências frequentes na mídia, Pilar enfrenta discriminação no mundo artístico. “Quando vou nos saraus no centro, eles me param na porta e me perguntam o que eu estou fazendo lá enquanto os brancos entram sem problema. Mas depois eu entro no palco e essas mesmas pessoas conseguem até chorar com as minhas poesias.”
A mãe da Pilar, também uma trabalhadora doméstica, também não apoiou os sonhos de perseguir os seus estudos: “Minha filha, somos negros, pobres – não fica sonhando que o nosso mundo é outro!”
Hoje, Pilar organiza saraus “eróticos” para as mulheres na periferia. Ela ensina os seus filhos de usar os seus turbantes com orgulho e de dialogar com a policia sabendo dos seus direitos.
“Se amar, se aceitar é um ato político em si,” diz Nascimento sobre a ênfase cultural no Site Mundo Negro. “A geração da minha mãe, da minha avó abaixaram as cabeças, mais as minha filhas não irão.”
*Katherine Jinyi Li é uma jornalista americana morando no Brasil, cobrindo temas de luta comunitária, empreendedorismo local e justiça racial.
Essa reportagem foi publicada pela primeira vez no site americano The Seatle Globalist
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