
Texto: Luciano Ramos
Constantemente somos convidados a seguir em frente depois de um episódio de racismo. “Bola pra frente!”, “Você é mais forte do que isso!”, “Isso vai te fazer uma pessoa, ainda, mais forte!”, “Não liga pra isso!”. Estas são algumas das muitas frases que nós (e este texto eu vou me permitir escrever na primeira pessoa do plural) ouvimos cotidianamente. Ouvimos quando nos tratam como indivíduos suspeitos nas lojas, quando nos oferecem os elevadores ou entradas de serviços, quando nos confundem (afinal, pretos são todos iguais, para a branquitude, quando hipersexualizam nossos corpos, quando nos agridem, quando nos insultam, quando nos chamam de macacos e fazem gestos fazendo alusão ao mesmo animal).
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Quando ao final do fatídico jogo de futebol entre Palmeiras e Cerro Porteño, pela Copa Libertadores da América, ocorrido ontem no Paraguai, o repórter esportivo pergunta ao jogador do Palmeiras Luighi acerca do que ele sentiu sobre o jogo, há ali um flagrante de algo denunciado por mim aqui há meses: a desumanização do homem negro. Esse mesmo jovem que chorou copiosamente após sofrer inúmeras violências durante aquela partida tem toda a sua dor anulada e é convidado a falar sobre o jogo de futebol.
Quantas vezes, caro leitor e cara leitora, depois de passar por uma situação de racismo, você teve que secar as suas lágrimas e performar estar bem? Se você é um homem ou uma mulher preta, eu sei que a resposta é “várias vezes”. Luighi desmascara a crueldade do racista, imediatamente. Luighi não é herói. E não podemos colocá-lo neste lugar. Ele é um jovem negro que foi violentado em inúmeros momentos naquele campo de futebol e desamparado por todos. Não havia ali outra alternativa para ele que não fosse gritar após tantas violências seguidas. O pacto da branquitude que faz com que todos se calem, naquele espaço faria a violência passar batida se não fosse o grito de Luighi. Não dava para ser violentado em mais um momento, naquele “show de horrores”.
O script ali estava posto “ainda que violentado, nos ofereça o espetáculo!”. É isso que a branquitude faz conosco desde sempre. Os homens negros que violentados fisicamente tinham que trabalhar, as mulheres negras que estupradas e violentadas de todas as formas tinham que trabalhar para a casa grande. Atualmente, mesmo que vivenciemos todas as dores e violências, precisamos chegar nos nossos trabalhos e “oferecer o show” esperado. O grito de Luighi é a solicitação para ser visto como gente. Como alguém que sofreu uma violência e, por isso, está destroçado. Até quando?
Se depender da nota do clube Cerro Porteño, não tem prazo para acabar. O time de futebol em nota pública disse que os jogadores não podem se importar com o que ocorre nas arquibancadas. Tratando o fato como algo simples e natural. O que não é! É racismo! E racismo é crime! Há tempos tenho dito que sempre que houver uma situação de racismo no futebol, a partida precisa ser interrompida na hora. É inaceitável!
Os impactos psicológicos do racismo nos acompanham por toda a vida. O que Luighi passou e o que nós vivenciamos no cotidiano precisa ser interrompido. A gente não aguenta mais! Esse era o grito de Luighi!
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