
O maior espetáculo para o pobre da atualidade é ter o que comer em casa. – Carolina Maria de Jesus
De uma conversa animada e descontraída, com o meu sobrinho, acabei passando para um estado de tristeza e perplexidade. Mas antes de comentar do que se trata, vou te situar um pouco sobre a vida dele.
O Gabriel é um jovem negro. Está com dezesseis anos. Mora com os pais na Zona Sul de São Paulo. Adora ouvir samba, e até entrou numa escola de música para aprender cavaquinho. É entusiasta de diversas modalidades de esportes e estuda em escola pública.
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Ele está sempre ligado nas notícias e debates sobre o racismo; quando vê notícias, imediatamente compartilha comigo pelo WhatsApp “o que acha disso, tio?”. A minha irmã às vezes comenta “esse aí parece você!”. Eu dou risada, claramente com orgulho do sobrinho.
Falando da minha irmã, ela é professora do ensino básico na rede municipal. Sai para trabalhar no período da manhã e retorna somente à noite; o marido trabalha de vigilante em duas empresas. Encontrá-lo em casa é como acertar na loteria; a propósito, a residência foi financiada a perder de vista. Até o início do ano, eles eram caseiros de uma chácara.
No mês passado, o Gabriel foi passar um fim de semana comigo. Em meio às nossas conversas, comentou que na escola os amigos chamam ele de “nego boy”. Isso está causando certo incômodo no moleque, porque não é verdade. Ele sabe que o pouco de conforto desfrutado decorre da própria ausência dos pais que passam mais tempo trabalhando do que no convívio familiar.
A provocação começou após ele levar os amigos para fazerem trabalho escolar em casa. Os jovens se surpreenderam com os detalhes da moradia. O quarto dele, por exemplo, é uma pequena suíte. Nela tem uma TV bacana, notebook, ar condicionado, pintura nova. Nada luxuoso. A sala é aconchegante. O quintal é espaçoso. Se abrirmos a geladeira e o armário de mantimentos, constataremos o suficiente para o consumo do mês. Nem sempre dá. Mas, no geral, a moradia contém o básico para a sobrevivência.
Obviamente, a visão manifesta dos jovens é reflexo do estabelecido no imaginário brasileiro, nos suscitando algumas perguntas: afinal, qual o valor do que é básico em uma sociedade racista? Até quando o rompimento de estereótipos causará espanto nas pessoas?
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