No mês passado, o presidente Lula demonstrou surpresa ao ver o contingente de pessoas negras que moram no Sul do país. “Eu não tinha noção de que no Rio Grande do Sul tinha tanta gente negra”. A observação foi motivada após assistir aos noticiários que cobriam a tragédia na região.
Li comentários de pessoas que viram com certa estranheza a declaração. Para elas, um presidente que está no terceiro mandato deveria ter esse conhecimento. Ainda mais em se tratando de um político comprometido com as causas sociais. Os negros em qualquer lugar do país sofrem os efeitos do racismo e sempre estão precisando de políticas de combate aos efeitos perversos da injustiça racial
Notícias Relacionadas
A falha da Mascavo: Um espelho das lacunas no compromisso empresarial com a diversidade
Tema do ENEM: a chave poderia ser a Constituição Federal
Outras pessoas consideraram normal, pois também desconheciam. De qualquer maneira, uma coisa é inegável: o racismo fez com que a maioria da população não moradora daquele território geográfico acreditasse que o Sul era como uma extensão branca da Europa. A tentativa de apagamento de nossa história e da nossa existência não é novidade. E é deplorável imaginar que não são poucas pessoas que nem devem saber que João Cândido – líder da Revolta da Chibata – era gaúcho.
João Felisberto Cândido, conhecido como Almirante Negro, nasceu em 24 de junho de 1880, Encruzilhada do Sul–RS. Não foi escravizado como os seus pais devido à Lei do Ventre Livre. Essa lei garantia liberdade a todos os filhos de escravizadas nascidos após 28 de setembro de 1871. Aos 13 anos, João Cândido participou na Revolução Federalista do Rio Grande do Sul. Foi para o Arsenal de Guerra do Exército e na Marinha do Brasil. Permaneceu na instituição por 15 anos. Durante esse período: viajou para vários países, desenvolveu habilidades e conhecimentos, participou de batalhas, ascendeu na hierarquia da instituição, mas também foi rebaixado.
O ambiente naquele contexto se caracterizava pela violência contra os corpos negros; a abolição da escravidão (1888) era recente. Os brancos não tinham engolido muito bem a Lei Áurea. Os marinheiros que cometiam algum tipo de falta sofriam punições desumanas: prisão a ferro na solitária, pão e água como alimento, e recebiam dezenas de chibatadas. Num determinado momento, os marinheiros decidiram dar um basta naquelas situações.
Liderados por João Cândido, no dia 22 de novembro de 1910, um pouco mais de 2.000 marinheiros (a maioria negros e pardos) tomaram os navios de guerra da Marinha. Eles exigiram o fim das chibatadas e melhorias nas condições de trabalho. Ameaçaram bombardear a capital do país – Rio de Janeiro – caso a reivindicação não fosse atendida.
“A revolta nasceu dos próprios marinheiros para combater os maus-tratos e a má alimentação e acabar definitivamente com a chibata na Marinha (…) não podíamos ainda admitir que na Marinha Brasileira o homem tirasse a camisa para ser chibateado por outro homem”, disse João Cândido ao Museu da Imagem e do Som, em 1968.
Percebendo a gravidade que estava prestes a acontecer e que os marinheiros não estavam blefando, o governo costurou um acordo com os rebelados, prometendo até anistia. No entanto, nos bastidores, articulou forças para reverter a situação. Foram quatro dias de negociação. Houve o descumprimento da promessa e os marinheiros foram presos. As chibatadas foram abolidas muito depois.
O episódio entrou para a história como a Revolta da Chibata. João Cândido foi expulso da instituição, mas antes passou por muitos sofrimentos, sendo até internado como se tivesse problemas psiquiátricos. Passou o restante da vida na pobreza e sob os olhares de um sistema racista que nunca aceitou a sua “ousadia”. Faleceu no dia 6 de dezembro de 1969.
Notícias Recentes
Sobrinho negro do rapper Eduardo Taddeo é morto a 8 tiros por PM no OXXO e família crítica violência
Monroe Nichols se torna o primeiro prefeito negro eleito de Tulsa e celebra na "Wall Street Negra"