Sankofa. Neste Novembro Negro, convém lembrar o conceito originário dos povos Akan, da África Ocidental, que significa: “Nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou para trás”. Em uma variação da tradução, diz-se que “não é tabu voltar atrás e buscar o que esqueceu”. O símbolo de Sankofa é um pássaro que voa para a frente com a cabeça voltada para trás ou também pela forma de duas voltas justapostas, espelhadas, lembrando um coração. Os povos Akan ocupam os territórios conhecidos hoje como Costa do Marfim, Togo e Gana, e protagonizaram uma das mais longevas rebeliões de escravizados – de novembro de 1733 a agosto de 1734.

É preciso acessar à ancestralidade dos povos africanos, da palavra Sankofa ao Mês da Consciência Negra, lembrando que não, não é tarde para voltar e buscar o que ficou para trás, o que foi esquecido; que não deixamos os nossos para trás, e que, sim, podemos promover uma recomposição de nossa pirâmide social, trabalhando por um país onde pessoas negras falam em primeira pessoa e constroem juntos – negros e brancos, pretos e indígenas, ricos e pobres – uma nova sociedade. Nada disso seria possível sem os que vieram antes. Evoco aqui ao menos dois nomes da história brasileira: Zumbi dos Palmares, grande líder do Quilombo dos Palmares no século XVII e símbolo de luta do protagonismo negro na resistência contra a escravidão; e Dandara dos Palmares, guerreira e estrategista negra, esposa de Zumbi, e também um importante símbolo de resistência.

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Em memória à morte de Zumbi dos Palmares, emboscado por tropas coloniais brasileiras em 1695, o Dia Nacional da Consciência Negra, (celebrado em 20 de novembro), tornou-se há algumas décadas referência para atividades e reflexões que inspiram a luta e a resistência do povo negro. Neste Novembro Negro – e felizmente cada vez mais para além de um dia ou de um mês específico do ano – assistimos a uma crescente exposição dos desafios relacionados e a reflexão de como enfrentá-los: o racismo estrutural e institucional, a discriminação, a equidade étnico-racial, a inclusão social e as oportunidades oferecidas efetivamente para todas as pessoas.

A experiência brasileira mostrou que a ampliação do acesso de negros, quilomblas e indígenas ao sistema educacional foi insuficiente para garantir a equidade étnico-racial desejada. Se é verdade que o Brasil tem mais crianças e jovens concluindo os ensinos Fundamental e Médio do que décadas atrás, também é verdade que, ao observarmos os dados de evasão e de aprendizagem, vemos que pessoas negras, quilombolas e indígenas ainda estão bem atrás. Se é verdade que adotamos a Educação como política pública universal, também é verdade que ainda estamos distantes de promover a reparação histórica. Exemplo concreto disso é a dificuldade no cumprimento da Lei Federal 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de “história e cultura afro-brasileira” dentro das disciplinas. Se é verdade que mudamos o currículo escolar em direção a uma maior visibilidade negra, também é verdade que em grande medida ainda desconsideramos os séculos de extermínio, apagamento dos povos originários e iniciativas recentes de equidade e inclusão.

A memória dos povos africanos, um dos alicerces sobre os quais se assentou a identidade brasileira, quanto de Zumbi, Dandara, Maria Quitéria, Luiz Gama e tantos outros que lutaram por respeito, dignidade e igualdade, inspiram e reforçam as evidências do muito que há por fazer. Como mostrou o estudo do Todos Pela Educação, o número de brasileiros pretos e pardos matriculados no Ensino Médio está uma década atrasado em relação ao número de alunos brancos. Ou, como revelou outra pesquisa do Todos, apenas metade das escolas públicas brasileiras têm projetos para combater o racismo – o menor percentual em dez anos. Isso, num país onde mais da metade da população é negra, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No documento que publicamos sobre equidade étnico-racial na Educação, dentro da iniciativa “Educação Já”, destacamos três alavancas que identificam áreas estratégicas nas quais o potencial de transformação do atual cenário se mostraria mais acentuado: acesso e representação com proporcionalidade, respeito e dignidade; pessoas indígenas, negras e quilombolas conscientes e pessoas brancas críticas; políticas educacionais para a Educação das relações étnico-raciais e fortalecimento da identidade.

Essas alavancas permitirão elevar as vozes negras, indígenas e quilombolas por meio de maior representação em posições de liderança; elevação do nível de entendimento sobre questões étnico-raciais para que as pessoas vítimas do racismo sejam conscientes de sua identidade, ancestralidade e postura combativa ao racismo estrutural – ainda existente em nosso país – e também que pessoas brancas possam exercer seu papel na transformação dessa realidade; e, por fim, promover a implementação efetiva de políticas educacionais que valorizam as identidades negras, indígenas e quilombolas, aumentando a legitimidade desses grupos sub representados dentro do sistema educacional.

Que este Novembro Negro seja um chamado à reflexão e também à ação. Voltar e apanhar aquilo que ficou para trás, esta reparação histórica, é o norte. A Educação é o meio.

Colaboração do Jackson Almeida, Analista de Diversidade, Equidade e Inclusão do Todos Pela Educação. Formado em Administração, tem especialização em Planejamento e Gestão Organizacional.

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