Nenhum a menos: O Covid-19 e o impacto na população negra

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Nenhum a menos: O Covid-19 e o impacto na população negra

Prof. Dr. Alexandre da Silva*

Sabemos que a morte pela Covid-19 já tem seus grupos preferidos: velhos, negros e pobres. E o que dizer dos idosos e idosas negras pobres? Nos Estados Unidos, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) já apontou para uma letalidade proporcionalmente maior entre negros se comparados aos brancos. Isso quer dizer que, quando um negro adoece pela Covid-19, a chance de morrer é maior. E esse fato repete também na Inglaterra. E esse cenário é pior em muitos países do continente africano onde se nota até a “invisibilidade do problema” pela falta de informações pelos meios de comunicação. O Brasil já aponta para a mesma tendência quando diversos estudos, profissionais de saúde e pesquisadores falam da subnotificação de casos, principalmente nas regiões mais pobres do país ou onde há mais moradores negros, aqui incluindo Manaus, Salvador e São Luís do Maranhão.

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Um dos últimos relatórios divulgados pela Vigilância de Saúde do município de São Paulo mostrou onde há mais óbitos pela Covid-19 (ver figura Figura acima: Óbitos confirmados e suspeitos por Covid-19 segundo Distrito Administrativo (DA) de residência. Município de São Paulo, 2020. Fonte: Boletim Semanal – 2 Covid – Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, disponível aqui.)

Pelo mapa se observa que os casos aumentaram nas regiões mais periféricas de uma das maiores capitais do mundo. Isso é muito significativo, já que nesses locais onde o Coronavírus tem causado mais mortes é onde a população negra mais reside, circula e se desloca a caminho do seu trabalho que fica em outras regiões do município. Cabe listar as consequências dessa situação de contaminação, adoecimento e morte pela Covid-19:

  • Nos territórios onde residem muitas pessoas negras é frequente a insuficiência dos serviços de saúde. Isso se constata quando o percentual de pessoas negras com Diabetes e Hipertensão superam o percentual de brancos com essas mesmas doenças. Não se discute aqui a falta de comprovação dos tratamentos. Aqui se verifica que o diagnóstico e a conclusão do tratamento para essas doenças são tardios ou inconclusos para as pessoas negras. E agora, com a Covid-19, não há profissionais de saúde em quantidade necessária e isso obriga muitos a fazerem horas extras e, consequentemente, aumentando o risco de um erro e diminuindo a imunidade desse profissional. Os materiais de proteção também estão em falta. Matéria publicada em 08 de abril relata as péssimas condições que muitos profissionais de saúde possuem para trabalhar em um dos principais hospitais da zona leste de São Paulo. “Todos estão com medo de trabalhar por falta de material, por falta de EPI”, afirmou outra funcionária. Ela disse que gastou R$ 300 do próprio bolso para comprar máscaras. “é um dinheiro que faz falta, mas é pra salvar a própria vida”. Confira em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/08/funcionarios-do-hospital-tide-setubal-reclamam-de-mas-condicoes-de-trabalho-e-falta-de-equipamentos-de-protecao-para-o-coronavirus.ghtml
  • As pessoas negras com Diabetes, Hipertensão ou Obesidade podem possuir um risco igual ou maior de morrer se comparado a idosos. Idosos sem essas doenças podem ter mais chances de saírem vivos uma vez contaminados pelo Coronavírus se comparados a pessoas negras já com essas doenças (comorbidades). Mas, se antes as pessoas negras, por questões de trabalho, de deslocamento, de baixa escolaridade, de dificuldade de um bom atendimento já não conseguiam se cuidar, agora pode ser ainda pior, pois muitos serviços estão totalmente voltados para o enfrentamento da pandemia (que é esse aumento muito rápido de uma doença em  diversos locais simultaneamente e em um determinado tempo);
  • Os idosos negros possuem diversos fatores para também serem considerados um grupo de risco. Tanto pelo fato do racismo presente na nossa sociedade que dificulta o bom atendimento, fato esse comprovado no último dia 18 de abril quando um casal de idosos foram violentados das mais diversas formas e culminando no falecimento da esposa (https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/04/27/idoso-negro-e-acusado-de-roubo-em-hospital-e-esposa-morre-apos-confusao.htm). Ainda há as comorbidades presentes, a dificuldade em manter o isolamento adequado, pois muitas das pessoas idosas negras moram com outros familiares que trabalham na informalidade e não podem fazer o seu ofício de casa, há casas com poucos cômodos e isso faz com a exposição aumente, como crianças de famílias diferentes brincando juntas regularmente,  um quintal compartilhado com outras famílias e a falta de cuidados públicos de higiene nas áreas comuns para os residentes do mesmo bairro;
  • Baixa Renda. Sim, sem dinheiro fica muito difícil seguir as recomendações. Nas regiões onde residem as pessoas negras e de baixa renda falta saneamento básico, falta água, falta sabão para lavar as mãos, falta a informação adequada, falta o acesso à internet para a continuidade dos estudos, para a tentativa do trabalho realizado de casa (home office), máscara, álcool gel e humanização por parte de alguns profissionais;
  • Repouso para os trabalhadores negros e isolamento social, quando possível. A escritora moçambicana Paulina Chiziane, na sua coluna do dia 21 de abril escreveu: Que perguntem também como é que os africanos sobreviveram no cativeiro, no exílio e no minúsculo fundo do porão! Como puderam superar tantos séculos de privação de liberdade? A quarentena mundial dura alguns meses e toda a gente já sente saudades de ir à rua, respirar o cheiro do mundo. A privação da liberdade dos africanos durou séculos, e era exploração. A quarentena mundial não é prisão, mas sim proteção”. (https://www.revistapessoa.com/artigo/2990/carta-a-nataniel-ngomane). Em tempos atuais de pandemia não há as mesmas condições e oportunidades de isolamento e descanso para boa parte dos trabalhadores negros, principalmente aqueles que trabalham na informalidade e em trabalhos de muita demanda física e baixa remuneração.

Por esses e outros motivos peço que tente ficar em casa na medida do possível, procure se proteger da melhor maneira possível com os equipamentos que estiverem à sua disposição. Precisando ir a um serviço de saúde, que seja tratado com dignidade, como um cidadão que está doente e quer sair mais saudável. Exija isso! Há muitas pessoas nesse mundo que querem te ver depois dessa pandemia. Faça isso por você e por todas essas pessoas.

 Bibliografia:

 

Alexandre da Silva é doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) onde investigou os fatores determinantes da incapacidade funcional na perspectiva étnico-racial em idosos residentes no município de São Paulo e participantes do estudo SABE (Saúde e Bem Estar e Envelhecimento). Contato: alexandre.geronto@gmail.com

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