Por Fernando Sagatiba
Quando eu era criança, era comparado a Michael Jackson menino e Cirillo, de Carrossel (versão original).
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Quando eu raspava a cabeça, era chamado de Cesar Sampaio e Juan, entre outros.
Quando estive com meu poderoso black, fui chamado de Thalles Roberto e Dante.
Agora, estou de nagô e sou Snoopy Dog, Xande de Pilares e Stevie Wonder (sem contar o clichê sem imaginação “predador”).
Já fui comparado a muitos outros artistas, esportistas e personagens. A ironia é que um colega, com quem conversei sobre o assunto, também já ouviu algumas dessas mesmas associações, sendo que não somos parecidos entre nós, muito menos todas as personalidades entre si. Aí, teve o lance da nova mulata dançarina negra Globeleza, Nayara Justino, associada ao personagem Zé Pequeno (Leandro Firmino da Hora) e estou respondendo até hoje nos comentários de lá a pessoas que acham natural a comparação.
Não é, é racismo naturalizado, é o que faz com que o descaso pelo ser humano preto permita a um entrevistador a “mera falta de atenção” de confundir Samuel L. Jackson com Laurence Fishburne, já sendo prevenido, pelo próprio Jackson, de que nem adianta comparar também a Morgan Freeman, pois são negros e famosos atores, mas não são iguais. Não foi distração, é o racismo que escorre nojento por essas brechas morais. Eles poderiam ter resolvido tudo com um monte de gargalhadas, mas pra nós, isso não é tão simples.
Não que vejamos racismo em tudo, como o mais sonso pode tentar meter (UIA!) na conversa pra desestabilizar a pauta, é porque não somos personagens, não somos estereótipos exóticos. Não é porque somos negros que somos parecidos, não é porque uma pessoa é branca que se vai chegar e comparar a todos daquele tipo. Quantas vezes você já viu uma pessoa branca de cabelos longos e lisos loiros ou pretos ser comparada a outra que não tem nada a ver, mas também possui esses traços? Nunca, não é? Quem diz que Xuxa e Adriane Galisteu são a cara de Carolina Dieckmann e quase gêmeas de Fernanda Lima e Eliana? Repare bem as comparações acima, são apenas um ou dois traços semelhantes, geralmente, cabelos e a cor da pele, mas você não vê isso fora dos grupos estigmatizados.
O negro precisa aturar isso e ficar quieto? Cabelos crespos, pele preta e – ZAZ! – todos iguais? Vai rolar aquela piada batida de ‘caminhão de japonês’, como se fossem também todos iguais por características próprias da etnia? Não, caras, não que não seja possível um negro se parecer com outro, lógico, mas é preciso analisar também esse lado, de que essas comparações quase sempre são baseadas apenas na cor da pele, formato de narizes e textura de cabelos. Não somos bonecos.
Recentemente, um rapaz, trabalhador, negro e de cabelo black foi preso sem chance de defesa, sem flagrante ou mandado. Apenas porque a vítima dizia ter sido assaltada por um homem negro, de cabelo black, bermuda e camiseta. Ele é filho de um militar reformado, o que já mata aquela lenda mentirosa de que o racismo acaba quando a condição socioeconômica é alta, está sem visitas ou defesa e nem estava vestido como a vítima descreveu. É isso que faz Nayara Justino ser a ‘feia’ que se parece com Zé Pequeno, é isso que faz qualquer babaca cantarolar o tema do carnaval global ao se deparar com uma mulher negra, é o que faz todo homem negro ser um bandido sujo e a mulher uma iguaria sexual da sociedade.
Vinícius Romão, ator que esteve em Lado a Lado e está sendo vítima de uma prisão ilegal, apenas porque os policiais que o abordaram acharam que ele era suspeito, por ser negro e usar cabelo black, como a tal vítima descrevera. Agora, me diga, quantos brancos vão presos no lugar dos verdadeiros criminosos assim? |
Somos tratados como estrangeiros e só somos lembrados enquanto brasileiros quando denunciamos isso, pois, vem aquela outra lenda de que ninguém pode se dizer negro se não nasceu na África (é, tem gente que acha mesmo que negro não é uma situação ideológica também, além da genética não precisar ser pura, como dificilmente tem no mundo todo).
Todo camburão tem um pouco de navio negreiro.
De geração em geração, todos no bairro já conhecem essa lição.
Fernando Sagatiba é músico e jornalista. Este texto foi publicado originalmente em seu blog: http://garciarama.blogspot.com.br/
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