“Não quero ser escrava de uma imagem que não é minha”, influenciadoras negras falam sobre o uso de filtro nas redes

0
“Não quero ser escrava de uma imagem que não é minha”, influenciadoras negras falam sobre o uso de filtro nas redes

Por: Gabrielly Ferraz, Tais Codeco e Marcella Chagas

É indiscutível o quanto as novas tecnologias têm permeado a vida das pessoas e o quanto esse feito traz mudanças na sociedade. Difícil imaginar uma vida sem um um celular, tablet, notebook e por aí vai. Mais difícil ainda é imaginar a vida sem o Instagram, Tik Tok ou Facebook.

Notícias Relacionadas


Hoje, às redes sociais têm aproximado quem está longe, aberto novos caminhos para os mais diversos trabalhos, o olho no olho se tornou uma boa chamada de vídeo com a galera, e não menos importante, uma boa selfie. E quem não quer parecer o mais belo possível, não é mesmo?

Se antes a referência de beleza eram as mulheres das capas de revistas, hoje esse parâmetro se reconfigurou. Não é mais preciso ir à banca de jornal para saber as últimas tendências sobre beleza. O acesso ao mundo com uma imensa variedade de conteúdos está a apenas um clique e através dele é possível acompanhar passo a passo a vida de diversas pessoas. Em um ambiente virtual que influenciadores dividem suas vidas, rostos e rotinas perfeitas, é preciso questionar os efeitos também na vida offline dos usuários em geral, principalmente, na população negra.

“Não quero ser escrava de uma imagem que não é minha”

Bea Lopes – Influenciadora Digital 

Foto: reprodução/ redes sociais (@bealopesoficial)

Com mais de 70 mil seguidores no Instagram, a influencer Bea Lopes diz o quanto se atenta às questões sobre autoestima e aceitação, em uma sociedade que nega os traços de mulheres negras e sua aparência, ter referências que lutam contra os padrões e se entregam ao natural é de muita importância.

Em conversa com o Mundo Negro influencer lembra que por muito tempo também foi refém dos filtros, embora ache que em alguns momentos a ferramenta pode facilitar o trabalho de influenciadores e incentiva que pessoas com baixa autoestima possam se sentir mais confortáveis, Bea lembrou que é bom saber a hora de usar.

“Até com maquiagem eu colocava filtro (…) Até que chegou o momento que eu disse ‘não quero mais’ (…) tem alguma coisa errada, isso estava me fazendo mal! Se tornando uma doença. Eu perdia o meu tempo, podendo passar uma informação, podendo dar um bom dia, caçando filtro. Eu esqueci como era o meu rosto!”, relembra a influencer.

A criadora de conteúdo Carol Figueiredo já sentiu o impacto negativo que essas ferramentas podem causar, com  mais de 36 mil seguidores em seu perfil no Instagram, ela se preocupa em passar uma vida real e possível para seu público.

Foto: reprodução/rede sociais (@carolfigueiredd)

“Quando a gente trabalha com imagem mesmo que a gente não queira ligar para essas coisas, existe uma indústria que se importa e muito com isso. (…) Antes eu tinha muita paranóia de usar filtros nas minhas estrias. Hoje em dia não é uma questão para mim, mas eu confesso que às vezes é difícil para mim aparecer sem filtro, de gravar stories, sem colocar um efeito na pele.”

Carol contou que após refletir sobre os efeitos que o uso constante da ferramenta causava, decidiu abolir os filtros que modificam muito seus traços.

“Eu acredito que os filtros que modificam, que afinam o rosto, que afinam o nariz, que aumenta a boca ou diminui boca e, principalmente, os que clareiam a pele deveriam ser extintos do Instagram e de qualquer outra plataforma porque é muito agressivo e cria nas pessoas uma insegurança desnecessária e maneira muito rápida.” diz influenciadora Carol Figueiredo

Seguindo a mesma lógica do que as entrevistadas acima disseram, precisamos pensar do porquê desse comportamento nas redes e os motivos pelos quais mulheres negras ainda sentem o peso do padrão estético dito como ideal.

Embora possa soar incomum para as pessoas que não tem contato tão próximo com a tecnologia, o termo racismo algorítmico vem sendo assunto de frequente debate nos últimos meses e seu impacto na vida de pessoas não brancas vai muito além das telas. 

 Em poucas palavras, o racismo algoritmo é o reflexo do racismo estrutural tão conhecido em nossa sociedade. Se no offline as consequências do racismo impactam diretamente na vida pessoal e profissional, nas redes sociais, enquanto criadores de conteúdos, pessoas negras têm encontrado dificuldades em ganhar espaço nas plataformas. Em 2020 o tema tomou as redes, após serem apontadas diferenças na forma de distribuição e entrega de conteúdo, priorizando pessoas brancas. Para entender o funcionamento dos algoritmos é preciso considerar quem está por trás da criação deles. 

A estudante de Transformação Digital, Fabricia de Souza, explica que a baixa representatividade de pessoas pretas no setor de tecnologia e inovação interfere diretamente no funcionamento dos algoritmos. Segundo ela, durante o processo de desenvolvimento de um software muitos fatores são ignorados.  Nesse sentido, é preciso considerar que a máquina não faz nada por si, ela segue um padrão definido baseado em dados pré-existentes. Em outras palavras, o comportamento da sociedade influencia as ações do algoritmo.

“Porque nas redes sociais os influencers pretos e pretas têm menos ranqueamento dentro da rede? Isto não é porque o algoritmo fala: ‘eu não gosto de pessoas pretas.’ O algoritmo não tem essa habilidade de decidir por si mesmo. O que acontece é justamente o fato de que a falta de diversidade dentro desse ecossistema de tecnologia.” concluiu Fabricia de Souza

Quando esse algoritmo se depara com o perfil de pessoa não branca nas redes sociais, fora do padrão ao qual ele foi condicionado a reconhecer, ele entende que a pessoa preta não tem muito o que contribuir naquele espaço. Quando falamos em aplicativos de edição, ou até mesmo os filtros do Instagram, os algoritmos tendem a clarear a pele, buscando se aproximar do que foi programado.

Kananda Eller, a @deusacientista no instagram, é mestranda e influenciadora, e sente na pele a questão da distribuição de conteúdos, influenciadores negros produzem mais nas redes e são os menos vistos.  “O racismo está interceptado na tecnologia e na inovação, então a gente já parte do pressuposto que isso é óbvio e que acontece é que a gente tem que identificar onde está acontecendo para remover isso” @deusacientista.

 

Com mais de 3 posts informativos semanais a influencer acumula mais de  30 mil pessoas em seu perfil, trazendo conteúdos sobre ciência, propagando o conhecimento dos feitos históricos de pessoas negras. (@deusacientista)

“A gente produz muito mais para crescer e parece que tem que seguir aquela lógica de postar de domingo a domingo para ter algum crescimento nas plataformas”, contou a influencer ao falar sobre calendários de produção.

Para romper essa lógica é preciso conscientizar os usuários sobre os conteúdos que acessam e incentivá-los a refletir sobre o padrão que escolhem consumir diariamente. Reavaliar padrão de beleza e estética imposto na sociedade e se questionar o porquê ainda estamos presos ao padrão branco. Isso também só é possível a partir de ações dos grandes donos dessas plataformas, que precisam de análises mais profundas do padrão de seus algoritmos e o impacto negativo que podem causar nos usuários.

Notícias Recentes

Participe de nosso grupo no Telegram

Receba notícias quentinhas do site pelo nosso Telegram, clique no
botão abaixo para acessar as novidades.

Comments

No posts to display