
O título deste texto é uma frase do político e ativista Oliver Tambo, na época da luta contra a segregação racial na África do Sul. Mas, apesar do contexto distinto do Brasil, acredito que sirva como reflexão para nós.
Todos que acompanham as redes sociais já perceberam que o ambiente é dinâmico e complexo. Vemos assuntos viralizando de uma hora para a outra. Às vezes nos dão a impressão de que nunca sairão de cena. No que se refere às questões raciais, algumas coisas são comumente requentadas por influenciadores. Eles conhecem bem os temas que causam polêmica, e na primeira oportunidade lançam a isca para ganharem engajamento. Com essa prática, os debates importantes não avançam, criam discórdia entre os membros da comunidade e, por fim, dão a impressão de que estagnamos no processo de conscientização racial coletiva. Daí, as pessoas negras que sonham com um movimento negro forte e coeso, desanimam.
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Eu sei que o movimento deve ser feito nas ruas, organizações, comunidades, espaços de construção do conhecimento, etc. Mas não podemos ignorar o potencial de mobilização e tomada das consciências que o mundo virtual permite aos hábeis em utilizá-las. O pensamento retrógrado e a resistência a esse formato de comunicação só contribuem para o fracasso.
Os cursos de letramento racial, pelo menos os que atendem o público branco, não causam transformação. As pessoas brancas não esboçam vontade de construir uma sociedade menos desigual e humana. Podemos contar nos dedos os brancos que têm disposição de lutarem contra os privilégios (será que existe mesmo?). Outro problema constatado é que as pessoas negras nesse universo virtual têm se debruçado apenas na dimensão do racismo individual, ignorando a existência das máquinas institucionais que colaboram para a opressão.
Acredito que você tenha visto, no mês passado, a comoção em torno da injustiça envolvendo dois rapazes acusados de furto de celular no Rio de Janeiro. Só para refrescar a memória, farei um breve resumo. Igor Melo é estudante de jornalismo. Thiago Marques, motociclista por aplicativo. Na saída do trabalho, o motociclista aceitou uma chamada do Igor para uma corrida. Durante o trajeto, os rapazes foram perseguidos por um policial militar da reserva, que atirou e acertou o estudante. Dentro do hospital, descobriu-se que a perseguição tinha como justificativa a acusação de furto, mas conforme as investigações, os rapazes eram inocentes.
As pessoas, consumidas pela indignação, apontaram o racismo por parte do policial, mas receberam como contra-argumento que não tinha como o policial ter sido racista, pois era igualmente negro como o Igor: “os negros não podem ser racistas”, diziam. As múltiplas teses surgiram nesse momento. Os influenciadores entraram na onda com vídeos e textos explicando a questão. Eu pergunto: o que isso mudaria com relação ao trajeto da bala, que fez mais um homem negro o alvo preferencial e suspeito?
Lembro de uma frase que li em algum lugar que dizia “o negro ataca seu semelhante porque foi treinado para isso”. Não há o que discutirmos. O negro cooptado pela branquitude sempre reproduzirá a ideologia racista; o policial provou ser um “bom” aluno.
No meio disso tudo, a minha indignação é que não focamos naquilo que importa. Naquele momento, o racismo institucional foi pouco discutido, sendo que essa dimensão do racismo é uma das características enraizadas na instituição militar. A cor do sujeito presente nas suas fileiras é um detalhe, o racismo orientará o exercício de suas funções. Essa filosofia propulsora da violência deve ser abolida. O debate sobre a desmilitarização da polícia é urgente. Chega de abraçarmos as polêmicas infrutíferas. O sistema é o nosso inimigo.
Em tempo: Igor está se recuperando e aos poucos retornando às atividades profissionais.
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