“O Sexo e as negas e Tropa de Elite”: Intelectuais negros protestam contra as escolhas da Globo em série sobre Marielle

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“O Sexo e as negas e Tropa de Elite”: Intelectuais negros protestam contra as escolhas da Globo em série sobre Marielle

A Rede Globo divulgou nessa sexta-feira (6), dois projetos que envolvem a morte da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, ambos assassinados a tiros em 14 de março de 2018.  Um é o primeiro documentário da plataforma Globoplay sobre a vida da vereadora até a sua morte “Marielle: O Documentário” que vai ao ar no dia 13 de março.

Porém o segundo projeto, um seriado ficcional sobre o assassinato da vereadora causou revolta entre ativistas e profissionais negros da área audiovisual que escreveram coletivamente uma Nota de Repúdio em relação ao projeto da série.

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Um dos motivos é a ausência de pessoas negras, sobretudo mulheres negras na parte executiva do projeto. Marielle era mulher negra e feminista.

É revoltante. No entanto, numa sociedade capitalista, não surpreende que a história de uma mulher negra seja contada a partir do ponto de vista de três pessoas brancas. A única surpresa é o fato de terem demorado tanto pra anunciar o projeto, visto a sanha que têm de se apropriar dessa história há tanto tempo.”

Outra fonte de repulsa pelo seriado é o envolvimento de Antonia Pellegrino, uma das roteiristas da série “O Sexo e as Negas” José Padilha, diretor de Tropa de Elite como diretor do seriado. Sobre isso a nota diz:

 “O diretor escolhido para comandar a série é o homem que deu e dá ferramentas simbólicas para a construção do fascismo e genocídio da juventude negra no País.  É uma violência extrema envolver numa série sobre Marielle o autor de filmes que retrataram de forma heróica a polícia mais violenta do País. Para se ter uma ideia, após “Tropa de Elite”, as inscrições no Bope aumentaram vertiginosamente. O retrato ali inspirou e inspira ações violentas em todo o país. Não à toa que a música tema da Tropa no filme apareceu em dezenas de vídeos de apoio ao presidente em exercício”. 

A Nota diz destaca que fazer um seriado sobre uma morte cuja investigação nem foi concluída também é um erro:

“Além disso, ficcionalizar em torno de um crime que ainda está sendo investigado também é uma violência e uma naturalização do crime violento e dos 13 tiros disparados contra o carro de Marielle, que vitimaram ela e o motorista Anderson Gomes”.

Confira a Nota na íntegra ( se quiser assinar clique aqui) :

Nota de repúdio 

Na sexta-feira, 6 de março de 2020, a Rede Globo e a Globoplay anunciaram uma série ficcional baseada na Vida de Marielle Franco, cujo assassinato em 2018 continua ainda sem respostas. Acontece que o projeto anunciado é encabeçado por três pessoas brancas. A roteirista Antonia Pellegrino (“Sexo e as Negas”, “Bruna Surfistinhas” e “Tim Maia”), George Moura (“Onde Nascem os Fortes”, “Amores Roubados” e “O Canto da Sereia”) e José Padilha. 

 

É revoltante. No entanto, numa sociedade capitalista, não surpreende que a história de uma mulher negra seja contada a partir do ponto de vista de três pessoas brancas. A única surpresa é o fato de terem demorado tanto pra anunciar o projeto, visto a sanha que têm de se apropriar dessa história há tanto tempo. 

 

Mas o desastre fica maior a cada detalhe. O diretor escolhido para comandar a série é o homem que deu e dá ferramentas simbólicas para a construção do fascismo e genocídio da juventude negra no País.  É uma violência extrema envolver numa série sobre Marielle o autor de filmes que retrataram de forma heróica a polícia mais violenta do País. Para se ter uma ideia, após “Tropa de Elite”, as inscrições no Bope aumentaram vertiginosamente. O retrato ali inspirou e inspira ações violentas em todo o país. Não à toa que a música tema da Tropa no filme apareceu em dezenas de vídeos de apoio ao presidente em exercício. É o filme que mais exaltou o tema “bandido bom, é bandido morto”, simplificando a discussão da violência urbana a uma questão de polícia.

 

Além disso, ficcionalizar em torno de um crime que ainda está sendo investigado também é uma violência e uma naturalização do crime violento e dos 13 tiros disparados contra o carro de Marielle, que vitimaram ela e o motorista Anderson Gomes.

 

Depois disso, Padilha ainda cometeu a série “O Mecanismo”, cujas falsificações históricas só fizeram recrudescer o discurso fascista que resultou no governo mais autoritário e violento das últimas décadas no Brasil. 

 

É revoltante mais uma vez ver a branquitude disfarçar de boas intenções a apropriação da imagem de uma mulher negra lésbica, favelada, mãe, filha, irmã e esposa. Para defender sua propriedade de contar a história de Marielle, Antonia Pellegrino usou como argumento: “eu a conhecia muito bem”, “eu ajudei na sua primeira campanha”, “eu segurei o seu caixão”. 

 

Mas a mesma pessoa que diz ter se inspirado em Marielle e diz ter respeito pelo feminismo negro, se lança como arauto para contar essa história aliada aos seus pares, masculinos e brancos. Tudo isso é extremamente violento. É um desrespeito a tudo que Marielle defendia. 

 

Se qualquer uma dessas pessoas tivessem entendido de fato a luta de Marielle, saberiam o quão violento é fazer esse projeto encabeçado apenas por pessoas que não refletem sua imagem e semelhança. Existe um valor simbólico e financeiro em contar essa história. Um valor que vai ficar na mão daqueles que sempre dominaram o audiovisual no Brasil. 

 

Ter em algum momento convivido ou lutado ao lado de Marielle não tira o peso da decisão de se apropriar da história dela dessa forma. 

 

Padilha disse em entrevista ao “O Globo” que “se dedicou por muito tempo a histórias de violência urbana do Rio. Essa é uma que precisa ser contada”. A história de Marielle cabe muito mais do que apenas a violência institucional. Ela é muito mais do que uma vítima da violência urbana que tentam fazer parecer. Seu assassinato é o reflexo da necropolítica que ela denunciava.


A história de Marielle é também a história das tecnologias afetivas, pois Marielle sempre falou sobre afeto, empatia, mulheres lutando juntas, jovens negras movendo estruturas. A branquitude quer se apropriar e narrar essa história sem ao menos entender sobre o que ela é. Tudo isso é desesperador demais. 

 

Às mulheres e homens pretos e lésbicas foi negado o direito de contar essa história. Pois ainda que o racismo estrutural e institucional tente nos paralisar, homens e mulheres negros e negras se tornaram grandes realizadores, comandando produções e recebendo reconhecimento aqui e fora o Brasil. Por isso, é ainda mais perverso saber que essa história só será contata se for produzida por essas pessoas, pois o racismo produziu mecanismo para distanciar pessoas negras do direito de con ju tar a própria história. 

 

Quem trabalha no audiovisual conhece bem as estratégias perversas da branquitude que domina esse meio e entende o código por trás de cada afirmações “bem intencionadas” sobre transformar a série numa “escola”. Isso significa que as decisões finais serão todas tomadas por brancos e que os profissionais não-brancos da equipe terão no máximo o direito de brigar e adoecer tentando deixar a narrativa menos racista, sendo subjugados pelo tokenismo.  

 

Marielle, em sua última fala pública, contou a respeito da prefeitura do Rio: “primeiro eles saem chutando a porta, depois eles pedem desculpas e por último oferecem um microcrédito, que não repara nada”. Esse é o modus operandi da branquitude. Se apropriar como se tudo a ela pertencesse: nosso corpos, nossa subjetividade, nossa história.  É um desastre, é violento e racista.

 

Assinam essa nota: 

 

1 Adriana Silva, produtora e roteirista
2 Ana Beatriz Luta, estudante aic
3 Ana Julia Travia, roteirista e diretora
4 Ana Pacheco, roteirista
5 Atilon Lima, aAudiovisualista e Fotógrafo. 
6 Beatriz Silva Moura, estudante – AIC
7 Betânia Dutra , fotógrafa
8 Bianca Joy Porte, Atriz e roteirista
9 Bruna Fortes, montadora
10 Bruno dos Anjos Soeiro de Souza, diretor de fotografia
11 Carmen Faustino, escritora e produtora cultural
12 Carol Rodrigues, roteirista e diretora
13 Caroline Moreira empreendedora
14 Cecília Carlos Boechat, apresentadora, jornalista, produtora de conteúdo e modelo. 
15 Cibele Amaral, roteirista e diretora.
16 Claudia Alves, Roteirista e diretora 
17 Dalila Ferreira, jornalista e Roteirista 
18 Daniel Ramos, antropólogo
19 Daniela Israel, produtora e diretora
20 Denise Souza, maquiadora.
21 Ébano Gama, publicitário
22 Eliana Alves Cruz, Escritora e jornalista
23 Eric Paiva, roteirista
24 Erica Malunguinho, Deputada Estadual do PSOL 
25 Érica Sarmet , roteirista, diretora e pesquisadora
26 Erick Diana Gomes, eEstudante AIC
27 Estevão Ribeiro, Roteirista e escritor, criador da tirinha Rê Tinta
28 Éthel Oliveira , cineasta e cineclubista
29 Frederico Rosa da Paz, produtor
30 Gabriel Nascimento, Professor, Pesquisador  e escritor
31 Gabriela Ramos, advogada e pesquisadora.
32 Gabriella Padilha Scott, realizadora audiovisual
33 Gautier Lee, roteirista e diretora
34 Jeferson da Silva Brum, produtor e distribuidor
35 Jessica Queiroz , Diretora e montadora
36 Jonathan Raymundo, produtor do Wakanda in Madureira
37 Jorane Castro, roteirista e diretora
38 Jorge Washington, ator fundador e membro do Colegiado gestor do Bando de Teatro Olodum
39 Julia Tolentino, realizadora audiovisual
40 Juliana Balhego, realizadora audiovisual
41 Karoline Maia, diretora
42 Kelly Adriano de Oliveira, Antropóloga, educadora e gestora cultural
43 Laís Werneck Oliveira, Produtora
44 Léa Maria Melo Chaib, Artista
45 Leonardo Miguel Braga Sampaio, realizadora audiovisual
46 Lorena Montenegro, roteirista e crítica de cinema
47 Luciana Damasceno, atriz e roteirista
48 Luiz Santana, roteirista
49 Luiza Romão , Atriz e slammer
50 Maíra Azevedo, Jornalista, humorista e apresentadora
51 Maíra Oliveira, roteirista e dramaturga
52 Maitê Freitas, jornalista
53 Manuela da Fonseca Miranda, atriz
54 Marcela Lisboa,  jornalista e diretora
55 Maria Clara Pessoa, roteirista e publicitária.
56 Maria Clara, roteirista e publicitária.
57 Mariana Costa, pesquisadora 
58 Mariana Luiza, roteirista e diretora 
59 Mariani Ferreira, roteirista
60 Marília Nogueira, roteirista e diretora
61 Marina Luísa Silva, pesquisadora e roteirista 
62 Mario Victor Bergo Crosta, Estudante. Unesp.
63 Maurício Batista Zumerle,  Estudante , Academia Internacional do Cinema
64 Monique Rocco, diretora de Produção 
65 Myrza Muniz, roteirista
66 Nêga Lucas, atriz, diretora, escritora
67 Pâmela Hauber , roteirista e produtora executiva
68 Paulo Souza, atriz
69 Pedro Borges, Jornalista e co-fundador do Alma Preta
70 Phelipe Caetano, roteirista
71 Rafael Mike, Roteirista, compositor, cantor e diretor musical (Dream Team do Passinho)
72 Rafaela Carmelo, diretora e roteirista
73 Renata Martins, roteirista e diretora
76 Roberta Rangel , atriz e realizadora
75 Rodolfo De Castilhos Franco, diretor e roteirista
76 Rogér Cipó
77 Sabrina Fidalgo, roteirista e diretora
78 Sílvia Godinho, diretora, roteirista e produtora
79 Silvia Nascimento, jornalista Fundadora do Mundo Negro 
80 Tabatha Sanches , cantora e Professora 
81 Tatiana Nequete Machado, roteirista e diretora
82 Thaise de Oliveira Machado, diretora de arte
83 Thales Ramos, jornalista
84 Thamyra Thamara de Araújo, jornalista e roteirista. 
85 Thiago Bernardes , músico e Educador 
86 Ton Apolinário, roteirista
87 Ulisses da Motta Costa, diretor 
88 Viviane Pistache, roteirista, doutoranda, crítica 
  1.   Cynthia Rachel Esperança, Professora, Dramaturga, Diretora.

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