Qual a importância de fazer uma leitura social voltada para raça no nosso cotidiano? Para a cientista social, Vânia Rosa, essa é uma tarefa fundamental. Ela fez uma publicação em seu Linkedin para expor uma loja que usou manequins que representavam crianças brancas segurando bonecos negros em sua vitrine no Dia das Crianças. De acordo com Rosa, ela caminhava com o filho de nove anos por um shopping no Rio de Janeiro, quando passou pela loja Alphabeto, de classe média alta, que vende roupas infantis e se deparou com a cena que a fez refletir sobre “o pensamento social Brasileiro e o racismo”.
No texto publicado pela pesquisadora, ela descreve a cena que viu. “Nessa imagem é possível compreender que os “manequins” brancos representam as crianças ou melhor, os indivíduos que tem direito à infância no Brasil e são considerados crianças. Os “manequins” que podem ser lidos como crianças negras, estão em tamanho menor e representam objetos- bonecos, “brinquedos” das então crianças brancas. Há um manequim negro sem roupa e descalço, a menina estilizada com um óculos bem grande e colorido, tipo exótica pois a lente não permitirá que ela enxergue, o outro está se equilibrando, sendo segurado pelo branco, meio que nas mãos da “criança” branca”.
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Ela explica que a imagem foi uma espécie de “gatilho” para ela, que ficou paralisada por alguns instantes ao se deparar com a cena montada na loja. “Meu filho, uma criança negra de 9 anos olhou rapidamente pra mim, sem entender ainda a perversidade do pensamento social brasileiro. As hierarquias impostas e que estão consolidadas na nossa sociedade”.
Ao falar sobre como o racismo se apresenta de muitas maneiras em nossa sociedade, ela lembrou: “O racismo estrutural e institucional está dado… se você se diz antirracista e não entendeu que não é apenas no ato de ser xingado, agredido fisicamente ou verbalmente que sofremos o racismo. Os silêncios, ausências e negação existência é racismo”.
“Não aceitamos mais ficar fixados no lugar de objeto, Lélia González em 1983 já falava sobre corpos negros objetivados. Respeitem a nossa história e memória. Respeitem as nossas crianças e seus direitos à vida e à sua existência”, reforçou.
Para o Mundo Negro, Vânia pontuou que ainda que a loja tenha feito uma tentativa de ser inclusiva, é importante fazer leituras como a que ela nos trouxe: “Ao olhar para aquela vitrine do shopping, minha cabeça traz a memória do passado, das leituras de Grada Kilomba, de Lélia Gonzalez, Frantz Fanon, em que podemos conhecer como na história do mundo, o corpo negro foi violado, posto no campo da ciência por séculos como objeto de estudo, sem direito a identificação, mulheres negras como objeto de desejo sexual, pessoas negras descalças e sem roupas no mercado de escravizados. Isso foi um gatilho pra mim pois, apesar de ver que houve uma tentativa de uma comunicação inclusiva, se os “manequins” ali postos, representam crianças brancas eles tem um brinquedo na mão que na minha leitura eram crianças pretas, pois o tamanho era muito próximo ao tamanho de uma criança. O objeto, ou brinquedo que representa uma menina preta, está sem roupa e descalça…. isso foi pra mim, a desumanização de corpos negros. Uma construção do pensamento social brasileiro que perpassa o racismo estrutural e institucional”, destacou.
“A loja quis fazer uma comunicação inclusiva, mas quem adesivou as lojas, foi péssimo. Não basta ter uma boa intenção. Precisa ter letramento racial para compreender o lugar do negro na nossa sociedade e o lugar que não queremos ficar, de objetos, seja de desejos sexuais (a hipersexualização do negro) seja de uso, descarte desalmado, desumanizado.
O que diz a loja
Na tarde da última segunda-feira, 16, o Mundo Negro entrou em contato com a loja Alphabeto, que ainda não enviou uma resposta oficial. No Instagram, eles excluíram as publicação que mostra a vitrine apontada por Vânia.
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