Não é de hoje essa pauta. Não é de hoje essa dor. Não é de hoje esses comentários maldosos que ferem nossa alma, nossa autoestima, nosso sentir e nosso ser. Isso começa lá na barriga da nossa mãe com os comentários: “tomara que venha com cabelo bom”; “será que vai ter cabelo “pixaim”?…
Crescemos, vamos pra escola e adivinha.. mais piadas, um racismo recreativo, associando a:
– Marcas como sem Assolan, Bombril
– Músicas: Nega do cabelo duro que não gosta de pentear, Pavão misterioso
– Apelidos: Beakman (programa O Mundo de Beakman), Beiçolina, entre outros
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Aquelas listas das paquerinhas da sala, os “crush” tudo… nunca entramos. Motivo: cabelo “zuado”, “ruim”, “armado”.
A vida passa e chegamos na fase adulta, muitas sessões de terapia. Mas essa gaveta da infância continua fechada, não queremos voltar nela. Até que comentários desnecessários, maldosos, preconceituosos, racistas e cruéis nos resgatam a memória.
Vou compartilhar um pouco da minha história com vocês:
Bom, me chamo Camilla Prado, sou Comunicóloga e atravessei alguns caminhos pra assumir esse cabelo black que vocês estão vendo.
Lembro como se fosse hoje, no ensino fundamental, eu estava com o meu cabelo preso e a diversão dos coleguinhas era alguém chegar despercebido e soltar o meu cabelo e ele se armar todo pra cima. Fui crescendo, minha mãe, cansada de me buscar e eu chorando, não sabia como cuidar do meu cabelo, porque o o dela e da minha irmã não eram crespos. As prateleiras do mercado quase não ofertava essa diversidade de produtos. Ela então, alisou meu cabelo. Não a julgo, fez o que achou que seria menos sofrido. A frente do meu cabelo caiu, porque a amônia tinha disso, outro trauma. Foram anos de cabelos alisados, sem conhecer a textura do meu crespo.
Um dia, com quase 30 anos, decidi deixar o meu cabelo crescer, fui sentindo as ondulações na raiz, a curvatura se formando em 3cm, 5cm. Era o meu cabelo, aquele que eu não conhecia.
O processo de transição foi acompanhado por baby liss e turbantes. E adivinha? Mais frases preconceituosas com meus turbantes. Trabalhava em agência de publicidade em SP, pensamos que nesses ambientes mais “cool” as pessoas são menos preconceituosas (doce engano!). Quando colocava meu turbante, as frases trazendo comentários bizarros sobre as religiões de matriz africana eram muitas. E o que mais poderia acontecer? Um comentário completamente racista de uma chefe direta, que questionava “Por que pretos alisam o cabelo? Por que não aceitam o seu cabelo como é?.. Defendo.. “..Mas você não é preta, você é morena!”. Esses comentários abriram uma gaveta da minha infância, passei dias chorando sem conseguir me olhar no espelho, odiando o meu processo de transição e questionando por que tinha nascido com um cabelo crespo. Me reneguei. Reneguei minha ancestralidade. Reneguei minha árvore. Me afastei do trabalho, tirei férias. Fui pro berço da minha ancestralidade me curar, Salvador. Não só fui me curar como me mudei pra lá, consciente que eu estava me resgatando dentro da minha ancestralidade e do meu axé.
Foi ali, observando as pessoas subindo e descendo as ladeiras do Pelourinho e indo ver os ensaios do Bloco Afro Ilê Aiyê, no Curuzu, que me reconheci orgulhosamente como mulher negra e linda (pasme! eu sou linda e demorei pra aceitar isso). Olhava todas aquelas mulheres e homens lindos no Curuzu e pensava o quão deuses eles eram e são. E somos. Todos os cabelos muito exuberantes e marcantes, era mega, black power, trança, turbante e penteado. Cada um contando uma história.
Resolvi escrever esse texto, compartilhando um pouco da minha história, pra lembrá-los que somos potência, somos fortalezas, somos lindos com nossos cabelos, nossas bocas, nossos narizes e nossas peles. Somos história e estamos aqui para continuar trilhando o caminho que nossos ancestrais prepararam e não deixar nada e ninguém nos machucar mais.
Coloque sua coroa no alto e reine!
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