Com um histórico de trabalhos para a Netflix, Amazon, Globoplay e Comedy Central, neste domingo, 29, Dia da Visibilidade Trans, o MUNDO NEGRO entrevistou a diretora e roteirista Gautier Lee, 29, para falar sobre a carreira, a vivência de pessoas trans e negras nas telas e nas produções. “Mesmo com o sucesso arrebatador de obras como “Corra!” do Jordan Peele ou “Heartstopper” de Alice Oseman, o mercado audiovisual brasileiro segue relutante em produzir obras similares, pois isso significaria deixar o controle criativo na mão de pessoas negras e/ou LGBT”, afirma cineasta não-binária.

A cineasta estreia na direção de um longa, com o filme “Pajubá“, que traz a narrativa de corpos e multiplicidade de vivências de pessoas trans, com roteiro de Hela Santana, escritora negra, trans e baiana, radicada em São Paulo. A obra constrói um panorama histórico, artístico e educacional sobre a cultura e vida trans brasileiras, mesclando o documentário à ficção, ao ativismo, à performance e à música.

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“Poder fazer um filme sobre vivência trans que não foca em sofrimento e violência com liberdade artística é algo que parecia distante para não dizer impossível. É a possibilidade de poder celebrar quem somos ao mesmo tempo em que assumimos o controle da narrativa sobre a nossa história e nossa cultura”, afirma Gautier Lee sobre o longa que ainda não tem data de exibição.

Dirigido por Gautier Lee, o curta “Desvirtude” venceu como melhor filme no Festival de Gramado (Foto: Rafael Bëde)

Leia a entrevista completa abaixo:

Gautier, compreendo que você já deve ter falado algumas vezes como é ser uma pessoa negra e não-binária no mercado audiovisual, mas a sua percepção mudou em algum momento da sua carreira ou continua sendo a mesma? Como é ser essa pessoa no audiovisual? 

Ser uma pessoa negra e não binária que trabalha com audiovisual é cansativo. O mercado é majoritariamente dominado por pessoas cishetero brancas, o que me coloca em um lugar de eterna explicação acerca de questões raciais e de gênero. Eu não sou estudiosa desses temas e não estou capacitada a ensinar ou instruir qualquer pessoa a respeito desses assuntos, mas isso ainda me é cobrado. 

Ser roteirista na Netflix deve ser o sonho de muitos profissionais do audiovisual. Como você avalia a experiência na série De Volta Aos 15? 

Foi muito divertido escrever o “De Volta Aos 15”. Eu sou consumidora ávida de conteúdo teen e escrever para o público jovem sempre foi um grande desejo meu. E poder saciar esse desejo com essa série em especial me deixou muito feliz, pois pude escrever para atrizes que eu já conhecia, admirava e que, não vou mentir, estavam na minha lista pessoal de profissionais com quem eu sonhava em trabalhar. E isso ajudou a tornar a experiência ainda mais marcante e especial pra mim. 

Gautier conseguiu retificar o gênero como não-binário em documentos oficiais em 2022 (Foto: Rafael Bëde)

Você sente que esse é um novo momento dos cinemas e produtoras de streamings, em se preocupar com inclusão das pessoas LGBTQIAP+ e negras? E quanto a percepção de pessoas negras que são LGBTQIAP+? 

Eu, particularmente, não acho que exista uma preocupação genuína em incluir profissionais LGBT+ e/ou negros no mercado audiovisual. O que existe é a vontade de capitalizar em cima do discurso de diversidade e inclusão que tem estado em alta nos últimos anos. Porém, as produtoras e streamings, mesmo sendo empresas que, naturalmente, priorizam o lucro e audiência, perceberam que fica feio vender nossas narrativas sem a nossa participação no processo criativo e técnico. E essa participação, mesmo que tenha aumentado ultimamente, ainda se concentra majoritariamente nos cargos com menor poder de decisão da hierarquia audiovisual. Basta olhar a ficha técnica dos últimos lançamentos nacionais e questionar, por exemplo, quantas obras com protagonismo negro são dirigidas por pessoas brancas. Ou quantas obras com protagonismo trans são dirigidas por pessoas cis. E a resposta, infelizmente, é: a grande maioria. No fim das contas, profissionais negros e/ou LGBT+ mesmo com currículos impecáveis, formações acadêmicas no exterior e prêmios a perder de vista são tidos como ótimos candidatos para os programas de formação feitos por essas empresas, que obviamente também tem o seu valor e importância. Mas, esses mesmos profissionais raramente são vistos como possibilidades reais para liderarem projetos audiovisuais que custam dezenas de milhões de reais. Essa posição de confiança segue reservada quase que exclusivamente para pessoas brancas. 

Em setembro, Gauiter lançou o filme “Samba às Avessas”, inspirado no disco de mesmo nome da sambista Pâmela Amaro (Foto: Rafael Bëde)

Como você avalia os filmes e séries que incluem as pessoas que são minorizadas no audiovisual? Você acha que falta conteúdos fora dos estigmas com negros e LGBTQIAP+, que sejam retratadas em uma comédia romântica ou de terror, por exemplo? 

Pensando no cenário audiovisual nacional, eu sinto que finalmente estamos conseguindo construir, ainda que em passos lentos, obras que não apenas incluem, mas também celebrem grupos historicamente marginalizados. Quando eu estava na faculdade de Cinema haviam pouquíssimos filmes e séries disponíveis que retratassem pessoas negras e/ou LGBT de uma forma humanizada. E a grande maioria deles eram produções estrangeiras. Quanto aos gêneros cinematográficos nos quais essas representações são feitas, ainda é um desafio para criadores conseguirem vender projetos que saiam do escopo drama, comédia ou infanto-juvenil. Mesmo com o sucesso arrebatador de obras como “Corra!” do Jordan Peele ou “Heartstopper” de Alice Oseman, o mercado audiovisual brasileiro segue relutante em produzir obras similares, pois isso significaria deixar o controle criativo na mão de pessoas negras e/ou LGBT. O que falta na verdade é a presença de pessoas negras e/ou LGBT+ em cargos de liderança e com poder de decisão. 

Recentemente, a cineasta ganhou o 6º Prêmio Abra na categoria de Excelência em Roteiro (Foto: Rafael Bëde)

Tem algum projeto em vista que poderia nos dar uma spoiler? 

Alguns! Esse ano estreiam as segundas temporadas das séries “De Volta aos 15” (Netflix) e “Auto Posto” (Comedy Central Brasil). Além delas, também tem a estreia do “Depois Que Tudo Mudou”, um podcast de ficção com protagonismo negro e LGBT+ que será lançado no Globoplay. E também vou dirigir meu primeiro longa, “Pajubá”, que foi escrito pela Hela Santana, e que se propõe a fazer um panorama da cultura e da história trans brasileira.  

Quais são seus filmes e séries com representatividade negra, trans e não binário favoritos?

Filmes: “Não! Não Olhe!” do Jordan Peele; “Infiltrado na Klan” do Spike Lee; “Queen & Slim” da Melina Matsoukas; “Homem Aranha no Aranhaverso” do Peter Ramsey; “Amarelo – É Tudo Para Ontem” do Emicida. Séries: Abbott Elementary, Pose, Steven Universe, Encantado’s, Sense8, Good Trouble

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