O instrutor de surfe Matheus Ribeiro ficou conhecido nas redes sociais no último final de semana, após denunciar um caso de racismo que sofreu ao ser acusado de roubar sua própria bicicleta por casal de brancos no Leblon, Rio de Janeiro. Matheus concedeu uma entrevista exclusiva para o Mundo Negro, onde falou sobre sua capacidade de reação imediata no caso, a denúncia formalizada na delegacia e seus planos para o futuro.
Questionado sobre a demissão dos dois que o acusaram injustamente, Matheus foi categórico. “É muito bom ver que as empresas estão percebendo que isso afeta a imagem delas, e que elas não podem compactuar com esses comportamentos”. Sobre as notícias de que o rapaz demitido é, na verdade, filho da dona da loja ele cravou: “Não é sempre que o racista vai dar a sorte de ser filho da dona”. Confira a íntegra da entrevista.
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MUNDO NEGRO – Como você está se sentindo, quase uma semana depois do caso de racismo que você denunciou nas redes sociais e repercutiram tanto?
MATHEUS RIBEIRO – Eu pude sentir um resultado bem positivo, com a repercussão do caso. Milhares de pessoas me mandando mensagem, pessoas me parando na rua. Então, deu pra sentir que as pessoas ficaram comovidas e pelo menos aparentou que a sociedade está querendo uma mudança. As pessoas já não aguentam mais que essas coisas aconteçam.
MN – Você formalizou uma denúncia sobre o caso? Como foi esse processo?
MR – Eu formalizei a denúncia sobre o caso, fui na delegacia do Leblon dois dias depois do caso, quando o caso já estava repercutindo mais nas redes, para minha segurança. Não achei tão satisfatório. Não pela forma como fui tratado, porque fui tratado super bem, mas pela forma como as leis desse país ainda funcionam. Chegando lá eu tive algumas orientações e eles me disseram que apesar de a sociedade saber que foi um caso de racismo, na lei, dificilmente a gente conseguiria enquadrar isso como racismo ou como injúria racial.
MN – Como você se conscientizou da existência do racismo na sociedade?
MR – Nós negros sofremos com o racismo desde cedo. Desde a infância a gente já consegue perceber certos olhares diferentes, a forma que policias e seguranças tratam a gente. Então, desde cedo a gente já começa a se perguntar o porquê, e entende o racismo. A questão social, para nós negros, é uma questão forte desde a nossa infância. A gente lembra das nossas mães dando alertas de que não podemos andar com o capuz pra cima, não pode correr atrás de ônibus porque as pessoas vão pensar que você assaltou alguma coisa. Nas lojas, não pode ficar com as mãos no bolso, para o segurança não pensar que você roubou alguma coisa. Então, desde a nossa infância tem certos cuidados que a gente tem que tomar.
MN – Como foi pra você reagir àquela situação de forma tão objetiva, que normalmente muitos de nós não conseguimos?
MR – Eu acredito que nessa situação, o jeito que eu reagi foi muito de querer provar minha inocência, provar que eles estavam enganados, que eu era uma pessoa inocente. Não foi nada de querer mostrar força, ou querer bater ou fazer qualquer coisa. O desespero do negro é só não ser acusado.
MN – Quais são seus planos para o futuro, o que você deseja realizar?
MR – O meu plano de vida é conseguir continuar trabalhando com surfe, me especializar para me tornar um profissional melhor para conseguir resultados melhores tanto financeiramente quanto profissionalmente. Ter uma vida legal com a minha namorada, conseguir surfar em vários lugares diferentes, conhecer picos diferentes. Dar uma vida melhor para minha mãe, e fazer que tudo isso seja veiculado pelo esporte.
MN – Tem receio de que sua história fique marcada por essa situação de racismo?
MR – Eu não tenho receio de que a minha vida fique marcada por essa situação. Eu quero que essa situação seja sempre lembrada, quero que meu exemplo seja sempre lembrado. Eu acho que as pessoas conseguem perceber que eu sou um professor de surfe, eu acredito que eu vá conseguir deixar esse legado para as pessoas de que eu fui uma pessoa que sofreu racismo e que lutou por isso, porém eu quero muito ser lembrado também pela minha profissão e por quem eu sou, para não ser reduzido a apenas isso.
A nossa sociedade tem que entender que o racismo existe, que o racismo é presente. Que as orientações que os meninos negros recebem são diferentes das orientações dos meninos brancos, e nós temos que entender que a polícia nos trata diferente, os seguranças nos tratam diferente, muita gente nos trata diferente quando nos vê na rua e até trocam de calçada. Então, esse é um assunto que a gente não tem que tratar como “bobeirinha”, tem que discutir, perguntar o que outro pensa, o que o outro sente, principalmente a vítima da história.
Como você se sentiu ao saber que os dois que te atacaram perderam seus trabalhos (apesar notícias informarem que o rapaz é, na verdade, filho da dona da loja?)
MR – Mesmo que isso seja verdade, é muito bom ver que as empresas estão percebendo que isso afeta a imagem delas, e que elas não podem compactuar com esses comportamentos. É claro que se o rapaz for filho da dona da empresa não tem o mesmo impacto que a gente espera, mas se as empresas continuarem abraçando a causa, não é sempre que o racista vai dar a sorte de ser filho da dona.
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