Masculinidades negras: a armadilha da hipersexualização

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Masculinidades negras: a armadilha da hipersexualização
Foto: Reprodução/Freepik

Texto: Luciano Ramos – Especialista em Masculinidades 

Alguns mitos giram no imaginário social ao falar e pensar no homem negro. Um deles é a hiperssexualização desse indivíduo. A ideia de que homens negros são aqueles conhecidos como os que possuem uma performance sexual invejável, os ditos “bons de cama” ou são aqueles que têm o “pênis grande”, também chamados vulgarmente de “pauzudos”, circula constantemente pela cabeça das pessoas no cotidiano. Isso, inclusive, é um fetiche para muitas pessoas. Essa ideia, que a primeira vista pode parecer elogiosa, tem as suas bases no racismo, ao mesmo passo que é uma cilada para esses homens. Vamos aprofundar o diálogo sobre isso!

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Historicamente, os homens negros chegaram, sequestrados, advindos do continente africano, nos países onde foram escravizados para serem forças brutas de trabalho e para reproduzirem. A reprodução nunca esteve ligada à ideia de paternidade, mas à animalização do homem negro. No período da escravização, a valorização mercadológica dos homens escravizados estava relacionada à beleza, na perspectiva do “exótico”, à força física, à capacidade de reprodução e a pujança sexual. 

Ainda no período da escravização, os homens negros ocupavam o imaginário das mulheres e dos homens brancos como aqueles que poderiam corresponder aos seus fetiches e eram vistos como sujeitos altamente viris. No período da abolição, o homem negro perde o seu papel social. O antropólogo Henrique Restier, no livro “Masculinidades Negras contemporâneas”, ao relatar sobre a perda dos papéis de “reprodutor” e “força bruta de trabalho” vai nos dizer que esse homem se transformou no “eunuco social”. Ele ainda vai dizer neste livro que esse homem não podia mais relacionar-se sexualmente com a mulher negra e, menos ainda, com a mulher branca (nos próximos artigos abordaremos com mais profundidade essa problemática). Logo, a leitura é que esse homem é o “problema social”. 

Ainda com o passar do tempo, o homem negro segue visto sob a ótica da hiperssexualização. Do lugar do homem “pauzudo”, com performance sexual acima da média e animalizados. Da mesma forma que esses elementos podem soar como elogiosos e vantajosos para os negros em relação aos homens brancos é primordialmente uma grande armadilha, já que ele nunca será visto a partir da humanização. Espera-se sempre dele performances sexuais invejáveis, assim como ele se percebe no dever social de apresentar um pênis que corresponda às expectativas do senso comum. 

Desde muito cedo, os meninos negros acreditam na ideia de que eles são mais viris, assim como as meninas possuem a mesma crença sobre eles. Vale ressaltar que as mulheres negras são hiperssexualizadas também. Porém, por meio do recorte de gênero, aqui seguiremos falando dos homens negros. O racismo aliado com o machismo forma uma mistura violenta que leva o homem negro à degradação social. 

Os filmes pornográficos, por exemplo, retratam os homens negros como o “negão”, animalizando-os, e em relações com mulheres mais frágeis que eles, na maioria das vezes, em relações interraciais. Esse fato se apresenta também em filmes de comédia como no filme “As branquelas”, onde o personagem Latrell Spencer, interpretado pelo ator Terry Crews, é posto como o homem negro com pênis avantajado, onde o tamanho do seu pênis desperta medo nas pessoas. 

A Música Popular Brasileira recorrentemente coloca o homem negro no lugar do indivíduo hiperssexualizado. Ela se expressa pelo “negão de tirar o chapéu” ou pelo “negão cheio de paixão”. Se você acha exagero o que eu estou trazendo aqui, releia as letras dessas músicas e de tantas outras. É importante dizer que as músicas retratam as nossas vivências sociais. Dessa forma, elas expressam os nossos cotidianos. O racismo, por meio da hiperssexualização desse indivíduo, está dado e, muitas vezes, normalizado. Espera-se do homem negro um “animal sexual”, como se ele pudesse, somente, ocupar esse lugar. 

Avançando para o final desse texto você pode estar se perguntando “então o homem negro não pode sensualizar?”; “o homem negro não pode ser admirado sexualmente?”. Obviamente sim, para ambas as perguntas, mas é importante dizer que ele não ocupa somente esses lugares, e essa agência deve ser dele. O corpo do homem negro não é público. Por outro lado, o tamanho do pênis não está ligado a raça (nenhum estudo prova isso), muito menos força e performance sexual. 

Grupos com homens negros podem ser espaços saudáveis e seguros para desmistificar essas “verdades” a que esses homens são submetidos ao longo da vida. Portanto, esses grupos precisam retratar a hiperssexualização dos corpos negros. Por outro lado, nas escolas, é necessário abordar o tema com os meninos, para que desde cedo eles tenham acesso a esses diálogos, e, assim, sintam-se seguros para performar outros modelos de masculinidades, distantes dessas armadilhas. 

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