Lições do Oscar para artistas fora do eixo

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Lições do Oscar para artistas fora do eixo
Fotos: Mike Coppola/Getty Images; Arturo Holmes/WireImage/Getty Images; Getty Images

Texto: Rodrigo França

O Oscar 2025 não trouxe surpresas para quem entende que premiações são menos sobre arte e mais sobre política. Como qualquer grande evento da indústria cultural, a cerimônia reflete os interesses e os dilemas de seu tempo, seja reforçando a ideologia dominante, seja tentando parecer progressista sem necessariamente romper estruturas. Este ano, Hollywood reafirmou aquilo que sempre foi: um espaço que flerta com a diversidade, mas nunca a abraça por completo. A atriz Hattie McDaniel (Melhor Atriz Coadjuvante em 1940 pelo filme E o Vento Levou) foi a primeira pessoa negra a ganhar um Oscar, mas enfrentou a segregação racial na cerimônia.

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A vitória de Mikey Madison na categoria de Melhor Atriz pelo filme Anora é simbólica. Uma jovem atriz, norte-americana, em um papel que representa uma certa ideia de feminilidade e protagonismo que a indústria está confortável em promover. Era previsível que Demi Moore, mesmo entregando um desempenho fabuloso em A Substância, ficasse de fora. Não apenas porque seu filme toca em questões existenciais que incomodam, mas porque seu discurso no Globo de Ouro sugeriu uma crítica ao sistema que Hollywood não estava disposta a endossar.

A questão não é apenas etarismo, embora ele pese. A questão é que prêmios são narrativas, e Hollywood, como qualquer indústria cultural, constrói e controla as histórias que deseja contar ao mundo. Neste momento, a inclusão radical não faz parte do enredo que o Oscar quer promover. Estamos na era Trump, onde a Casa Branca, poucos dias antes da premiação, publicou um documento justificando o novo decreto presidencial que ataca políticas de inclusão, chamando-as de “radicais” e “discriminatórias”. Isso reverbera na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que nunca esteve isolada da política norte-americana.

Cynthia Erivo, por Wicked, e Karla Sofía Gascón, por Emilia Pérez, não tinham espaço nesse cenário. Karla, além de ser latina e trans, carrega polêmicas recentes – e a Academia sabe o peso que isso tem para um público que, em grande parte, ainda vê premiações como um termômetro de valores morais e não apenas artísticos. Já Cynthia, uma atriz negra britânica em um musical de grande apelo popular, também não se encaixava na narrativa desejada. Afinal, quantas vezes Hollywood já validou a presença de artistas negros enquanto eles performam dentro dos limites aceitáveis – mas evita premiá-los quando passam a ser o centro da história?

Fernanda Torres é uma atriz respeitada, talentosíssima e com uma carreira impecável, mas para Hollywood ela sempre será uma latina – mesmo no Brasil sendo branca e fazendo parte de uma arte proeminente. E isso coloca um limite invisível – mas real – sobre onde ela pode chegar. A Academia já demonstrou, inúmeras vezes, que seu conceito de diversidade tem uma moldura bem delimitada: há espaço para discursos inclusivos, mas apenas na medida em que eles não desafiem o status quo.

E o que isso ensina para quem está fora dessa hegemonia?

Primeiro, que prêmios são sempre políticos. O Oscar não premia apenas os melhores filmes ou as melhores atuações. Ele premia aquilo que, dentro de um contexto específico, faz sentido para a indústria se apropriar e promover. No Brasil, não é diferente. Editais, festivais e premiações seguem suas próprias lógicas de exclusão e inclusão seletiva. Se esperamos que esses espaços sejam sempre progressistas e subversivos, corremos o risco de nos frustrar. Há reacionários em todas as esferas, prontos para manter as engrenagens do sistema funcionando exatamente como sempre funcionaram.

Segundo, que a validação internacional, embora desejável, não pode ser o único horizonte para artistas que não fazem parte do eixo hegemônico. Vencer na categoria de Melhor Filme Internacional já é, por si só, um grande feito – porque, para Hollywood, tudo o que está fora de seu próprio circuito não é considerado universal, mas um “exótico” ocasionalmente digno de reconhecimento. Quem se vê como centro do mundo não enxerga os outros como iguais, mas como uma variação, um apêndice, algo complementar. E reforço, no Brasil não é diferente. 

Por fim, a lição mais importante: façamos o nosso. Não romantizemos a casa dos outros. E, mais do que isso, não esperemos que o reconhecimento externo defina o nosso valor. Se há algo que o último Oscar nos ensina, é que o jogo continua sendo jogado com as mesmas regras – e que quem está fora do círculo precisa encontrar maneiras de existir e resistir sem depender de validações que, no fundo, nunca foram feitas para todos.

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