Uma conversa com crianças, estudantes de uma escola pública, fez com que o ator, diretor e escritor Lázaro Ramos tivesse uma nova percepção sobre a importância dos livros para os mais jovens.
O sonhar, que parece ser algo que faz parte de toda infância, em um mundo sem muitas referências, se torna quase um privilégio. “Eu vi no olhar ou no jeito de responder de algumas das crianças, que elas não sabiam nem que tinham direito de sonhar. Não é que não tinha um sonho. Era sobre não saber se poderia se poderia desejar ou conquistar alguma coisa além desse mundinho que elas vivem”, descreve Ramos em uma entrevista exclusiva à nossa editora-chefe, a jornalista Silvia Nascimento.
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Lázaro brinda nossas famílias com dois novos livros: “O Pulo do Coelho” (Editora Carochinha) e “Edith e a Velha Sentada” (Editora Pallas). As duas obras falam sobre questões que serão uma mão na roda para pais, mães e adultos que querem oferecer uma alternativa às multitelas (TV/Celular/Tablets) às quais as crianças vivem imersas durante a pandemia, mas sem renunciar a temas que dizem respeito ao afeto, amor, autoconhecimento e até disciplina.
Sobre literatura dentro da sua casa, Lazinho diz que não há regras até por conta do ritmo de trabalho dele e parceira da vida e trabalho, a atriz Taís Araújo. “Desde cedo a gente colocou a coisa da leitura na casa da gente como prazer, e não como obrigação. A gente sempre trouxe muitos livros que eles se enxergassem e se vissem. Não adianta mandar ler se a gente não lê, então a gente fica com nosso livrinho debaixo do braço, eles veem o objeto na nossa mão. Eu fui fruto de uma concepção errada de que a gente só tinha que ler por obrigação”.
Nessa entrevista conversamos sobre seus livros, pandemia e a crianças do futuro.
Mundo Negro – “O Pulo do Coelho” fala sobre sonhos, frustrações, autonomia, sucesso, fracasso e resiliência. Foi uma obra pensada para essas crianças que estão crescendo em meio a pandemia?
Ele começou a ser escrito há quatro anos, mas quando chegou a pandemia, eu mudei algumas coisas no livro porque eu entendi que ele tinha utilidade para as famílias que estavam vivendo com suas crianças impossibilitadas de viverem como criança gosta, como todos nós gostamos de viver, com liberdade encontrando os amigos. É um livro que fala sobre um coelho que fica confinado numa cartola e que um dia ele resolve fugir para ter a liberdade e ele se torna mágico. É sobre autonomia, é sobre ele sonhar e desejar, que são temas estão muito na minha cabeça já há muito tempo. Eu acho que esse livro começou sabe quando? Eu sempre faço visitas a escolas para falar sobre meus livros e eu lembro de um dia eu fiquei muito impressionado quando cheguei numa escola pública lá em Salvador, e chegou aquele velho momento em que eu perguntei “O que vocês sonham em ser?”. Eu vi no olhar ou no jeito de responder de algumas das crianças, que elas não sabiam nem que tinham direito de sonhar. Não é que não tinha um sonho. Era sobre não saber se poderia se poderia desejar ou conquistar alguma coisa além desse mundinho que elas vivem. E isso me chamou atenção. Eu fiquei querendo muito falar sobre isso e o livro começou aí, desse dia do passeio na escola.
E a relação com a pandemia?
Eu percebi que o livro se encaixava muito bem para falar desse momento do confinamento, que é um assunto difícil para a gente falar com essas crianças e nós não temos todas as respostas. A gente perde a paciência com nossos filhos às vezes e a gente não sabe o que oferecer para eles sossegarem e para se entreterem. A gente não sabe explicar quando é que isso vai passar ou como lidar com isso. Foi em cima dessa vivência toda que eu adaptei o livro e acabei juntando os dois assuntos.
“A velha sentada” também voltou por isso, porque fala sobre uso equilibrado de tecnologia que é um assunto na casa de todo mundo. A criançada está o tempo todo na televisão ou no celular. Não tem uma amiga ou amigo que eu conheci que não esteja em algum momento gritando para o seu filho sair da frente de alguma tela. Aí pensei que eu tenho esses dois livros que podem contribuir para esses assuntos e outros como autoestima, autonomia e autoconhecimento, por conta da história da menina que entra na própria cabeça.
Falando sobre “Edith e a Velha Sentada”, a questão do que é emoção e o que é sentimento é bem confusa até para nós, adultos. Para você, de que forma os livros podem contribuir para o autoconhecimento das crianças? Nessa fase pandêmica muitas estão fazendo terapia pela primeira vez e falar sobre si é difícil. Os personagens podem ajudar?
Exato tanto pela identificação dos personagens quanto pelo tema. Esse livro é um pouco fruto de uma percepção de que tinha até meus 26, 27 anos de idade . Eu não sabia que eu podia falar e pensar sobre autocuidado. Eu não sabia que eu podia ter dúvida. Eu não sabia que eu podia chorar, eu não sabia que eu podia pedir ajuda. Eu vivia com aquela velha mensagem de que “você tem que dar certo, você tem que ser superior a todo mundo”. Eu vim saber isso com 27 anos de idade. Ninguém nunca conversou sobre esses assuntos comigo, nem de forma séria, nem de forma lúdica.
O livro veio para tapar esse buraquinho também, para gente pensar isso e ir se cuidando, se alimentando, criando parcerias e aprendendo a lidar com as frustrações. Os dois livros têm isso na verdade. Tem uma frase no “Pulo do coelho” que eu quero até fazer um quadro para botar no meu escritório e diz assim: “não existe sucesso nem para fracasso que seja eterno”. É uma frase que ela traz algo de realidade, mas ela também é um estímulo para saber quando a gente receber alguns nãos, e a vida vai dar um monte de não para gente, a gente não pode desistir. Tem caminhos e a gente vai encontrando e vai mantendo a nossa sede de vitória, de vencer, de lutar e de construir aquilo que a gente sonha deseja.
Você acredita que as crianças do futuro, as pós pandemia, serão melhores do que nós fomos?
Acho que as nossas crianças vão ter sequelas desse período, no jeito de se relacionar, de criar, na maneira de se relacionar com o outro e com a rua. E essa mudança, eu acho, que só virá se nós adultos, como somos o espelho para eles, tivermos consciência e revermos o nosso comportamento. Passa por tudo, passa por votar melhor, por um líder melhor. Nessa nova era, desse período pós pandemia, a gente vai ter que reconstruir tudo. Vamos ter que reconstruir as cidades, as profissões e as relações. A mensagem que a gente vai passar para as nossas crianças passa também por uma por uma consciência de como a gente lida com o meio ambiente. Não há como a gente não falar sobre isso. Não há como a gente não pensar mais sobre isso. Eu tenho me obrigado muito a pensar sobre isso porque eu entendi que a função das cidades mudou e vai mudar, o jeito se reunir mudou e vai mudar, o jeito da gente lidar com o que a gente come, com o que a gente planta vai mudar. A gente vai ter que ter essa consciência. A mudança deles vai acontecer, se nós também fizemos um esforço para isso. Porque afinal de contas nós somos espelho.
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