Revolucionária e política, Dona Beatriz Kimpa Vita combateu a escravidão e buscou continuamente a valorização de seu povo por meio da sua fé
O Google Brasil nos convidou para contar histórias pretas ancestrais. A partir do tema “Oralidade ancestral para Consciência Negra em 2021” abrimos nosso espaço para apresentar a interessante trajetória de Kimpa Vita. Quanto mais a gente busca, mais a gente se encontra, e a busca pela ancestralidade é um sinal de novos tempos, de novas e significativas descobertas.
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Reconhecida como um dos nomes revolucionários mais importantes do Congo, Dona Beatriz Kimpa Vita usou a religião como ferramenta política de seu tempo, defendeu e lutou pela preservação de seu povo e ensinou que, ao contrário do que os colonizadores diziam, o céu também pertencia aos africanos. Quebrando paradigmas impostos pela comunidade europeia, Kimpa Vita se firmou, ao longo do tempo, como uma das maiores lideranças africanas da história.
A vida e a missão da profetisa
De maneira global, para compreender um pouco da trajetória de Dona Beatriz, é necessário analisar o contexto histórico, político e social em que ela estava inserida. Voltando centenas de anos na história, em meados de 1660 o reino do Congo vivia uma imensa instabilidade política. Segundo a obra ‘Catolização e poder no tempo do tráfico: o reino do Congo da conversão coroada ao movimento antoniano, séculos XV-XVIII’, dos pesquisadores Ronaldo Vainfas e Marina de Mello e Souza, no final dos anos seiscentos o Congo vivia um ambiente de fragmentação, crise e guerras internas constantes entre a corte portuguesa e os congoleses.
Nesse cenário de crise e guerra civil, em 1684 nasce Beatriz Kimpa Vita. Desde muito cedo Beatriz foi considerada especial, ela era inteligente e manifestava sua espiritualidade através de visões. Assim, durante sua juventude, Beatriz passou a ser treinada para ser uma nganga marinda, ou seja, uma pessoa que consulta o mundo sobrenatural para resolver problemas dentro da sua comunidade.
Com o passar do tempo e com forte apego em sua espiritualidade, Beatriz declarou ter ressuscitado como Santo Antônio, possuindo, dessa forma, um relacionamento especial com Deus. Com a figura de Santo Antônio sendo sua maior representação, Kimpa Vita pregava às multidões do reino congolês com uma visão própria do catolicismo, firmando suas bases religiosas na história e na própria geografia do Congo. Tal movimento passou a ser conhecido como ‘antonianismo’ e as pregações da profeta vinham carregadas de conotação política. De acordo com essa visão, Jesus era negro e congolês, além disso, os santos ligados à religião eram africanos. Uma série de alterações ao cristianismo europeu foram feitas, Dona Beatriz divulgou ao povo novas versões da ‘Ave Maria’ e da ‘Salve Rainha’, com tons mais relevantes para o pensamento do Congo. Levando mensagens para multidões, a profetisa declarava que o céu também pertencia aos africanos e que no reino divino brancos e pretos se encontravam em alegria.
Embora o movimento antoniano reconhecesse a autoridade papal, era tido como hostil aos missionários europeus. Criticando a colonização portuguesa e o cenário de crise, Kimpa Vita preconizava a reunificação do reino e o bem do povo congolês. Chegando a se envolver em batalhas perigosas – e políticas da época – por busca de territórios, ao longo dos anos, a líder religiosa passou a atrair uma enorme quantidade de seguidores, aliados e fiéis. Influenciando dezenas de comunidades, Kimpa Vita e seus seguidores eram vistos como uma verdadeira ameaça aos interesses portugueses no Congo. Em 1706, Dona Beatriz Kimpa Vita foi capturada pelo rei europeu D. Pedro II. Julgada pelos monges do catolicismo europeu, a profetisa foi acusada de heresia e acabou sendo queimada viva.
O legado ao longo da história
Kimpa Vita foi uma das primeiras mulheres africanas registradas a lutar contra o imperialismo europeu na era colonial. Seu conhecimento e compreensão da espiritualidade congolesa, história, cultura e cristianismo permitiu-lhe ver como a religião europeia estava sendo usada de forma opressora no Congo. O movimento profético do antonianismo sobreviveu à morte de Kimpa. Após 1706, utilizando as próprias bases da religião, seus seguidores continuaram a acreditar e a difundir as mensagens de unificação e espiritualidade. O movimento antoniano, iniciado por Kimpa, sobreviveu a ela. O rei do Congo, Pedro IV, utilizou-o para unificar e renovar seu reino. O ensino antoniano seguiu vivo através das artes e da cultura daquele período. Muitas obras históricas datadas da época mostram Jesus como um congolês, revelando, dessa forma, o enraizamento do cristianismo em sua forma africana, mesmo que ele já tivesse sido observado em momentos anteriores da história. Alguns estudiosos também vêem o atual kimbanguismo, prática religiosa de grande força no Congo, como sucessor do antonianismo.
Texto: Arthur Anthunes Ribeiro
Referências
Biografias de Mulheres Africanas. Beatriz Kimpa Vita (1684-1706). <https://www.ufrgs.br/africanas/beatriz-kimpa-vita-1684-1706/>, acessado em 20 de Novembro de 2021;
FILESI, Teobaldo. Nazionalismo e religião no Congo all’inizio del 1700: la seta degli antoniani. Roma: Istittuto Italiano per l’Africa, 1972.
RICH, Jeremy. “Dona Beatriz Kimpa Vita”. In: AKYEAMPONG, Emmanuel K .; GATES JR., Henry Louis (dir). Dicionário de biografia africana. Oxford University Press, 2012, v. 3, p. 381-383.
THORTON, John. O Santo Antônio kongolês: Dona Beatriz Kimpa Vita e o movimento antônio, 1684-1706. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
VAINFAS, Ronaldo; SOUZA, Marina de Mello e. Catolização e poder no tempo do tráfico: o reino do Congo da conversão coroada ao movimento antoniano. Tempo (UFF), n. 6, pág. 1998: https://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg6-7.pdf, , acessado em 20 de Novembro de 2021.
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