Karol Conká e as camadas da negritude

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Karol Conká e as camadas da negritude
Foto: Reprodução

Karol Conká se envolveu nesta sexta (29/01) em um barulho tremendo. A cantora, em conversa com Sarah e Thaís, falava sobre a participante Juliette e seu jeito de falar e de ser, atribuindo suas características ao fato de ser paraibana. A internet não demorou nem um minuto para contestar a atitude e acusá-la de xenofobia. Sobre isso, eu apenas posso dizer que acho, sinceramente, que quem sofreu – e sofre – opressão por um tipo de preconceito – e é consciente disso, como Karol é – tem a responsabilidade moral e social de acolher quem sofre do mesmo mal, ainda que de “ramificações” diferentes.

Digo, porque a própria rapper já externou experiências degradantes por ser preta em tempos de escola e, no próprio BBB21 já expôs uma abordagem deselegante – pra dizer o mínimo – de um certo “cantor cancelado” que a teria questionado se ela era homem ou mulher, alegando que ela seria desse “povo esquisito”. Não demorou, também, para deduzirem tratar-se de Nego do Borel, mas a questão aqui não é essa. O perfil de Karol já até tratou de se manifestar, dando aquela amenizada de que as palavras foram colocadas de forma equivocada – a cantora ainda comparou o jeito “expansivo/nordestino” de Juliette ao seu próprio “recatado/curitibano”, e ainda usou o termo ‘educação’ no papo. Pediram desculpas pelo mal jeito e garantiram que a própria se desculpará ao final de sua jornada no reality.

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Mas eu trouxe essa questão por um outro motivo. Vejamos: Karol sofre racismo, de forma estranha, sofreu transfobia (do tal cantor cancelado), Nego Di já se assumiu preconceituoso em várias temáticas, mas quando se tornou líder, fez uma reunião VIP com convidados quase todos negros (Viih Tube era o Everett Ross em Wakanda, Rá!), Lucas Penteado já deu o que falar num misto de síndrome de Cirillo com autoestima preta minada pelo racismo estrutural e por aí vai… O que quero dizer é que a grande quantidade per capita de negros num reality tende a isso mesmo. Aproveitemos para desmistificar a ideia de que, militantes ou não, todo negro só tem um ou dois papéis na sociedade.

Somos assim mesmo em sociedade e o BBB acaba servindo de uma espécie de microcosmo do Brasil. Tem o negro que milita, tem o que traz seu discurso pela causa, mas não se envolve com política, tem o que defende o seu, mas aponta o do outro e tudo bem. Não tudo bem de manifestar preconceitos, mas tudo bem, somos de todo tipo. Também fazemos parte da sociedade. Não sejamos apenas o rótulo do certinho de punho cerrado e erguido, nem o estereótipo de alienado que só quer festa e dinheiro. Não somos apenas atletas ou artistas, também somos jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, etc e, mesmo com essas diferenças, não vamos acertar sempre. Também temos minúcias, não somos personagens.

Por isso, acho muito importante dar essa cara a tapa. Ver Karol, dona de discursos contundentes contra racismo e machismo  falar uma frase infeliz de traços preconceituosos, ver Di admitindo seus defeitos de construção social e tentando melhorar em atitudes, entender o lado de Lucas que tem lá suas razões de vida pra agir como agiu e vamos à luta. Esses episódios do ainda recente Big Brother Brasil 21 estão enriquecendo muito as chances de debates sobre essa diversidade entre os negros. Conversemos, debatamos sobre, vai ser benéfico pra nós, sair da bolha da causa e mostrarmos que temos camadas, que somos – perdão pelo clichê – todos humanos.

Então, é isso: Negros também erram, negros podem comportar coisas boas e ruins e tudo está aí, pra que mudemos o que precisa, que ratifiquemos o que já foi construído. Só não vale dizer coisas como “ah, o negro não tem o direito de errar porque o julgamento é mais pesado” e nem “ah, essx pretx falando besteira, tinha que ser”. O nome disso é evolução. Seria cobrar demais a perfeição de um grupo que até “recentes” 133 anos atrás ainda era escravizado de forma oficial e aceita pela sociedade dominante. O negro não pode comportar mais esse peso. Estamos aí pra dar a cara a tapa e crescer, também, enquanto cidadãos. Somos tridimensionais também.

É como diz a canção de Moacyr Luz: Estranhou o quê, preto pode ter o mesmo que você.

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