Por Shenia Karlsson
Estamos finalizando Julho de 2023, e tem sido muito especial assistir a todas as mobilizações em torno deste mês tão especial para as mulheres negras latinas e caribenhas pelo o mundo afora. São eventos, fóruns de discussão, programas, podcasts, congressos, tantas opções de aquilombamento, confesso que fica difícil acompanhar tudo que têm sido oferecido. Quantos ebós de trocas, quanta energia circulante. Adupé irmãs!
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Não poderia ser menos do que isso, no entanto, todas essas mulheres negras que encabeçam essas iniciativas são as mesmas mulheres que lideram ações ao longo do ano, que estão no famoso front das lutas feministas antirracistas e interseccionais. São mulheres envolvidas com suas comunidades, seus coletivos, seus grupos, suas instituições, a lista é extensa. Na linguagem do senso comum são “mulheres guerreiras”para suprir a romantização da sobrecarga sobre nossos corpos pretos.
Este artigo é praticamente uma denúncia no sentido de chamar a atenção para pensarmos juntos sobre a saúde mental dessas mulheres, das ativistas, das militantes, das políticas, das líderes, das agentes de transformação, mulheres negras que lideram a luta antirracista para o avanço das pautas coletivas em prol de uma sociedade mais equânime e justa.
Sabem aquela história “quem cuida de quem cuida”? Pois bem, pega a visão! As mulheres negras ocupantes da linha de frente das lutas sociais – seja em qual espaço essa mulher ocupe pois há muito trabalho a ser feito, estão mais suscetíveis a ataques, ameaças, assédios, silenciamentos, homofobia, racismo, sexismo, perseguições,violências físicas e até assassinatos. Aliás, será que estamos próximos de saber quem matou Marielle Franco? Espero que sim.
São mulheres negras em situação de vulnerabilidade constante, isso gera estresse extremo, medo muitas vezes sintomas de ansiedade e depressão, sentimento de impotência e desesperança. Mas também são mulheres de potência, desbravadoras, corajosas e de muito valor. Para ser mulher preta tem que ter disposição, malandro! Essas mulheres sentem que têm de lutar contra um sistema estático, inflexível e perverso, estrutura essa que aponta de todas as formas que elas não deveriam estar lá, ocupando espaços e denunciando as injustiças sociais.
A instituição Pew Research Center apontou em sua pesquisa que mais de 50% dos ativistas entrevistados envolvidos com causas climáticas, violência armada e racismo, relatam adoecimento mental e os transtornos mais recorrentes são ansiedade e depressão. Com o aumento do ativismo ao redor do mundo também houve o comprometimento da saúde mental deste grupo em específico. São pessoas comprometidas com as transformações e que colocam sua saúde mental em jogo em detrimento de causas coletivas, profundamente envolvidas com o que acreditam ser o mais justo. Pessoas com propósito.
Outro fator indubitavelmente importante é que, ativistas antirracistas geralmente são pessoas mais conscientes, com uma visão de mundo para além do senso comum, possuem o conhecimento sobre as engrenagens das injustiças sociais, aprofundam seus estudos e constroem um discurso de enfrentamento que incomoda muito. Todo esse conhecimento angariado muda a forma de se localizar no mundo enquanto sujeito e causa uma profunda dor. A consciência é um caminho sem volta.
E quando se trata de ativistas negras? A ladeira é mais íngreme, minha gente. Também é de conhecimento de todos que mulheres negras estão mais suscetíveis a ataques, são corpos em que a violência é simplesmente legitimada. Um corpo que pode ser violado, um corpo que pode ser matado, um corpo que pode ser dizimado. Corpos em que o silenciamento foi imposto, vozes historicamente caladas, mulheres com destinos e lugares sociais subalternizados. Imagine uma mulher negra articulada? Como assim? E se for mulher preta e trans? Favelada? Indígena? Imperdoável!
Mas a pergunta que não quer calar : como mulheres negras ativistas podem amenizar os efeitos negativos da luta e manter uma saúde mental preservada? Como psicóloga clínica, atendo um extenso público de mulheres negras pelo mundo afora e muitas delas são mulheres que ocupam posições estratégicas, o que requer cuidado dobrado. O primeiro elemento que avalio é o objetivo de tornar-se uma ativista, e essa questão fará toda a diferença. Muitas ativistas incorporam a luta em suas vidas para sanar questões pessoais, familiares e relacionais. Decerto reconheço a importância do ativismo na construção de sentido e pertencimento, mas, as idealizações devem ser evitadas.
O segundo elemento é a capacidade de não se perder o objetivo e não romantizar o ativismo. São atividades que demandam às vezes racionalidade e frieza. As emoções devem ser utilizadas de forma assertiva para não sucumbir diante de situações de extremo, para tanto é preciso conhecer suas próprias emoções e como elas podem circular de forma mais perspicaz. Lembramos que muitas ativistas chegam adoecidas, e se não houver um acompanhamento psicoterapêutico pessoal a probabilidade de aprofundar seu adoecimento é bem grande.
Outro fator é se a ativista em questão tende a cuidar de todos e menos de si, traço muito recorrente de mulheres negras, afinal fomos socializadas para isso. Trata-se de uma atividade que exige muita dedicação, tempo e escolhas. Você, ativista, possui a capacidade de fazer boas escolhas? Sabe diferenciar o que é seu e o que é do outro? Consegue manter-se em pé diante situações dolorosas? Escolhe as batalhas que valem a pena ou gasta energia com lutas sem importância? Possui estratégias de enfrentamento contra o racismo? Como anda seu repertório de enfrentamento? As ativistas já são pessoas que possuem uma profunda empatia pela dor alheia e muitas vezes esquecem de si.
Tem um vídeo de uma ativista latino americana em que a mensagem é direta: “Não podemos fazer qualquer luta com corpos adoecidos”, devemos cuidar da saúde mental, emocional, física, da felicidade, da satisfação, do desejo , do prazer, todos esses são alimentos fundamentais que garantem a nutrição objetiva e subjetiva para que continuemos nossos enfrentamentos. Este artigo é uma homenagem a todas as mulheres negras latinas americanas e caribenhas, mulheres negras africanas e européias, mulheres negras que fazem a diferença e prestam um serviço à sociedade em geral. Vocês são maravilhosas e merecem todo o cuidado do mundo.
Shenia Karlsson é Psicóloga Clínica, Ativista da Saúde Mental, Especialista em Psicologia & Diversidade, Colunista, Escritora, Empresária, Consultora em D&I, Palestrante e Apresentadora.
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