José Padilha, o problema não é sobre sua cor, é a cultura.
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Quando falamos sobre a diversidade no entretenimento logo surge aquela pergunta aparentemente despretensiosa e ocasionalmente ingênua: Faz diferença um diretor de pele negra ou branca para contar essa história?
Esse é o ponto de partida de José Padilha para rebater as críticas que caíram sobre o diretor, anunciado para encabeçar uma série que contará a história da Marielle Franco. Padilha escreveu na Folha “os linchadores reduziram tudo a cor da minha pele”. Vamos conversar mais sobre isso?
Padilha essa afirmação te coloca exatamente no extremo oposto da discussão sobre representatividade e respeito com a experiência da vida negra. Acredito, realmente, que você ainda possa refletir muito sobre o trabalho de ativistas negros como a Marielle Franco. Creio que seja possível que você e toda sua equipe se esforce para caminhar em direção ao respeito que os movimentos negros exigem pelos seus expoentes. Veja bem, nunca foi sobre sua cor. Nunca foi sobre a cor de quem está contando essa ou aquela história, é sobre a cultura.
Quando Malcolm voltou de sua viagem a Meca, Al Hajj Malik Al-Shabazz, realmente interpretou de forma diferente sua luta, mas você omite, propositalmente, que um dos maiores líderes dos movimentos negros americanos concluiu que o status de homem branco não estava condicionada apenas a cor da pele, mas a seus comportamentos: “Comecei a me dar conta de que ‘homem branco’, como a expressão é comumente usada, significa cor da pele apenas secundariamente; primariamente descreve atitudes e ações”.
Ações que aproximam ou o afastam da convivência, não apenas física, mas espiritual e contextual. Todavia, suas atitudes com o texto buscam confrontar aqueles que a Marielle representava. Você citou Malcolm-X e parafraseou King, como uma forma de se aproximar dos seus sonhos, mas, como a maior parte das pessoas brancas brasileiras, gosta de ficar na primeira página do discurso. Quero pontuar isso adiante, por hora vamos falar sobre essa diferença cultural.
Quando um jornalista perguntou se o filme Fences (Um Limite Entre Nós) precisava mesmo de um diretor negro, o ator Denzel Washington foi enfático em devolver com a resposta “Não é cor, é cultura”.
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“Martin Scorsese provavelmente poderia ter feito um bom trabalho com a Lista de Schindler. Mas existem diferenças culturais. Eu sei, todos sabemos o que é quando um pente quente bate em sua cabeça em uma manhã de domingo, como isso cheira. Essa é uma diferença cultural, não apenas uma diferença de cores. ”
Você é um profissional experiente, sabe que a conexão cultural cria proximidade com o povo. Fez isso dirigindo Narcos. Agora é questionável a sua conexão com a cultura negra, da qual Marielle Franco era defensora, militante e representante. Seu conhecimento sobre milícias não o torna um notório conhecedor sobre a experiência de vida negra, a menos que você acredite que a vida negra se resuma ao crime – o que seria uma expressão terrível de preconceito.
Utilizar Luther King como forma de atacar a consciência de quem criticou sua escolha é uma nova demonstração do discurso raso sobre a luta pelos direitos civis do povo afro americano. A maior parte das pessoas brancas que comete um deslize, tenta utilizar trecho desse mesmo discurso como uma indulgência e você tentou se respaldar da mesma maneira com o jargão “sonho que meus filhos, um dia, viverão em uma nação onde não sejam julgados pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter.”
Entende que estamos falando de uma realidade onde o “Julgamento” para pessoas negras significa esfolamento, estupro e morte? E que isso, nem de longe se compara com a vida de um homem branco e rico que recebeu críticas na Internet de um grupo de ativistas não violentos? Entende que King e seus familiares fugiam de leis como a de Lynch, um juíz de paz do condado de Bedford que levantou seu destacamento miliciano e promoveu uma caçada tão sangrenta contra pretos que acabou sendo imortalizado na prática de “linchamento”? Que ironia, aliás, usar uma palavra racista contra essas críticas.
Seu texto na Folha de São Paulo reforça a ideia de que grupos privilegiados raramente desistem voluntariamente de seus privilégios. Aqui te trago uma outra surpresa: essa frase é uma expressão de um dos discursos de Luther King, junto com outra que reforça nossa conversa sobre cultura, escrita em uma carta no presídio de Birmingham:
“Suponho que deveria ter percebido que poucos membros da raça opressora podem entender os gemidos profundos e os anseios apaixonados da raça oprimida, e ainda menos têm a visão de que a injustiça deve ser erradicada por uma ação forte, persistente e determinada” – M. L. King ( Leia a carta na íntegra aqui – https://kinginstitute.stanford.edu/king-papers/documents/letter-birmingham-jail)
Antes de ousar falar sobre como “O pensamento de Martin Luther King é incompatível com o julgamento de pessoas com base na sua cor”, reflita um pouco mais sobre seu lugar nessa conversa. Busque entender mais os anseios apaixonados de quem o critica. Talvez, um dia, você perceba que essa discussão nunca foi por conta da sua cor, nem a cor da Marielle, mas sobre a cultura e a experiência de vida negra, que você demonstra não ter afinidade alguma.
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