João Cândido, branquitude e cidadania

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João Cândido, branquitude e cidadania
Foto: Arquivo Nacional/Fundo Correio da Manhã

“A revolta nasceu dos próprios marinheiros para combater os maus-tratos e a má alimentação e acabar definitivamente com a chibata na Marinha.”, essas são as palavras de João Cândido sobre a Revolta da Chibata (1910).

A luta do povo negro é um processo histórico. Atravessou o Atlântico. Em solo, dinamizou-se nas matas e fazendas. Com o desenvolvimento da sociedade, o enfrentamento tem ocorrido em inúmeros espaços sociais. O fato é que a luta pela cidadania integral parece não ter mais fim, ainda não conseguimos acessar os direitos básicos garantidos na Constituição Federal de 1988. O racismo é um obstáculo intransponível até o momento. Nesse sentido, os negros são a população que vive massivamente na marginalização social, e não é por vontade própria. Nunca foi. No entanto, escapar desse lugar é complexo e inacessível coletivamente, apenas um úmero pequeno de pessoas negras conseguem.

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E, diante das dificuldades, procuramos nos organizar e agir dentro das instâncias responsáveis pelas políticas públicas. Contudo, o processo tem sido penoso e com muita resistência dos agentes a serviço das classes dominantes. A classe média é quem se coloca nessa condição em troca de uma camada dos privilégios; aliás, a branquitude é estruturada, atua em diferentes frentes, subjetiva e objetivamente. Se assim não fosse, os alicerces da opressão já teriam sido destruídos.

Independentemente dos desafios complexos, a luta negra persiste. Existem um arsenal de lições de resistência dos nossos antepassados. Esse material nos inspira a não sermos imobilizados pelo pessimismo e dureza da realidade. O autor das palavras, no início deste texto, é uma das fontes inspiradoras. Conhecido como Almirante Negro, liderou um dos mais
importantes levantes organizados em prol da dignidade humana.

O gaúcho João Cândido Felizberto nasceu no dia 24 de junho de 1880, em Encruzilhada do Sul. Por causa da Lei do Ventre Livre, não foi escravizado. Essa lei garantia a liberdade a todos os filhos de mulheres escravizadas nascidos após 1871. Porém, isso não lhe dava imunidade a outros modos de tratamento desumano. Nem a Lei Áurea. Nem a democracia brasileira. Desde a adolescência, João Cândido trilhou caminhos que o conduzisse a Marinha. Naquela época, nessa instituição, os castigos impostos ao subalternos eram cruéis, remetendo à práticas da escravidão. Formados por uma maioria negra, os marinheiros recebiam chibatadas como punição.

O tempo foi passando. Nada mudava na instituição com relação ao tratamento desumano. As dores sentidas pelos marujos. E a recorrente da violência em outros corpos se transformou em revolta coletiva. O sofrimento forjou uma subjetividade que não respeitaria limites para colocar fim aos castigos físicos. O silêncio diante das atrocidades estava com as horas contadas.

Em 22 de novembro, o Brasil entrou em pânico. Os marujos tomaram as embarcações e ameaçaram bombardear a capital do Brasil; naquela época, o Rio de Janeiro. A mensagem ao presidente marechal Hermes da Fonseca era clara “Pedimos a V. Exª. abolir a chibata e os demais bárbaros castigos pelo direito da nossa liberdade, a fim de que a Marinha brasileira seja uma Armada de cidadãos, e não uma fazenda de escravos que só têm dos seus senhores o direito de serem chicoteados.”

A crise se instalou no país até o dia 27 de novembro. As negociações se encerraram com promessas do governo em atender os pedidos dos revoltosos. No entanto, nada do que acordaram aconteceu. Os envolvidos no motim receberam punições como: expulsões, fuzilamentos, internações compulsórias, prisões etc. João Cândido, após ser submetido a intensas violências, foi expulso. A instituição nunca mais foi a mesma. O Almirante Negro morreu na pobreza, aos 89 anos. A sua história nos ensina o quanto a organização coletiva é fundamental para a luta contra a opressão. Devemos ter em mente que a branquitude não pode continuar sendo a definidora de quem merece ser cidadão integral.

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