Mãe afirma que perdeu guarda da filha ao inicia-la no candomblé
O ritual de iniciação é um dos momentos mais importantes do candomblé. É um rito de passagem que dura dias, que seria o tempo gestacional, onde a pessoa renasce como filho do orixá que o escolheu.
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Em Araçatuba (SP) Kate Belintani, manicure, viu o processo de iniciação de sua filha de 12 anos ser interrompido por membros da sua própria família. No dia 24 de julho durante o processo de iniciação a Polícia Militar invadiu o terreiro após receber uma denúncia de que a menina estaria sofrendo abuso sexual dentro do terreiro. Ela e a mãe foram à delegacia (o ritual foi interrompido) e no local foi realizado um exame de corpo de delito que não apontou nenhum sinal de abuso. No dia seguinte, parentes do lado materno da adolescente, tentaram mais uma vez interrompeu o ritual. O conselheiro tutelar Lindemberg Napoleão de Araújo Filho fez uma denúncia à promotoria, dizendo que o cabelo raspado da menor ( que faz parte do ritual de iniciação), seria fruto de lesão corporal. No dia 28 de julho, o Juiz de Direito da 2ª Vara das Execuções Criminais e Anexo da Infância e da Juventude do Foro de Araçatuba, Dr. Sérgio Ricardo Biella, expediu mandato de busca e apreensão transferindo a guarda da menor para a avó materna. Ele fixou uma multa diária de R$ 300, caso Kate, a mãe se recusasse ou escondesse a filha.
De acordo com Kate, o mandato é fruto da intolerância religiosa e em nenhum momento a polícia foi a sua casa para investigar as acusações de maus tratos e abuso. “Eu já tenho um advogado cuidando de tudo para mim. Pelo o que eu entendi o processo diz que houve maus tratos. Não sei de que natureza. Não fui ouvida. Ninguém do Conselho Tutelar veio na minha casa para ver a menina. Eles entraram com essa medida , não sei ao certo o que está escrito nos autos do processo, só sei que ela [advogada da família materna] conseguiu a guarda para minha mãe. Foi tudo feito às pressas sem ouvir ninguém. Simplesmente tiraram ela e ponto”, detalha a mãe da menor.
O Babalorisá Rogério Rogério Martins Guerra, responsável pela iniciação da menor explica que, Lindemberg, o conselheiro titular que coordenou a ação é conhecido pelo seu conservadorismo. “Quero processar esse conselheiro por invadir duas vezes o local, sem mandato e ser extremamente racista e intolerante. Quero que os conselheiros respondam por intolerância religiosa perseguição opressão e invasão de território sagrado de matriz africana . Não respeitando nosso espaço sagrado onde moram nossas divindades de candomblé”, disse o sacerdote.
Tivemos acesso á um áudio que seria de uma conselheira titular que afirma que a medida foi tomada pois havia precedentes onde ela disse “que o pessoal dessa religião oferece a vida de determinada criança em sacrifício”, disse a a conselheira que ao final, admitiu não poder confirmar a informação.
O que diz a justiça
O advogado Hédio Silva, conhecido pelo ativismo em defesa das religiões de matriz africana e que assumiu o caso, explica que a religião não seria motivo para que os pais perdessem a guarda da criança.
“A constituição garante aos pais o direto de definir a educação religiosa dos filhos. Os tratados internacionais atribuem essa definição prioritariamente aos pais e secundariamente ao Estado. Se os pais são da religião e optaram que a filha fosse iniciada essa é uma decisão soberana”, informa o advogado que destaca que o Estatuto da Criança e do Adolescente também reforça esse direito dos pais.
Hédio aconselha que quando se trata de crianças e adolescentes os pais façam uma declaração formal. “Os pais têm que fazer um comunicado, não um pedido, um comunicado ao conselho tutelar para evitar esse tipo de coisa”.
Ele ainda acredita, que algumas igrejas evangélicas estariam aparelhando os conselhos tutelares. Ele exemplifica com um caso que aconteceu em 2004. “Nessa caso a menina tinha 9 anos estava foi acompanhada pela mãe e na saída da menina, o conselho tutelar, que tinha uma narrativa extremamente preconceituosa em relação à religião , fez com que a polícia detivesse 40 pessoas e prendesse 5 em flagrante, inclusive a mãe da menina”, descreve Hédio referente a um caso que aconteceu na cidade de Registro.
“Há muito tempo que há um aparelhamento dos conselhos tutelares por facções religiosas é uma coisa lamentável”, acredita o advogado.
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