O racismo é uma agressão. Mesmo que a vítima tenha sido agredida ” só “verbalmente os danos físicos aparecem, algumas vezes de forma efetiva. Com uma forte crise de asma, que chegou a levá-la ao hospital, a empresária Marina Silva passou por um dos maiores constrangimentos da sua vida, quando foi a uma agência do banco Itaú Pesonnalité, na no bairro do Méier (RJ, no dia 12 de março.
A empresária Marina Silva
Por Silvia Nascimento
Ao entrar pela agência, que destinada à clientes “prime”, a empresária ouviu a segurança, pedir para que ela removesse o conteúdo que estava em sua bolsa, o que ela fez prontamente. Não satisfeita, a segurança pediu que ela mostrasse a bolsa vazia, para ter certeza de que não havia mais nenhum objeto “Foi muito estranho porque a agência é pequena e quando eu falava, só minha voz era ouvida no ambiente e todos olhavam para mim”, descreve a empresária. A revolta no entanto veio, quando ela constatou que os clientes que entram depois dela, mesmo carregando pertences em volume e quantidade maior, não foram revistados.
Ao questionar a atitude da segurança em selecionar quem passa pela revista, Marina ouviu que ela teve que passar pelo procedimento por nunca ter sido vista naquela agência. “A segurança só me pediu desculpas quando eu disse que era correntista, como se não-correntistas pudessem ser tratados daquela forma”, desabafou.
Crise asmática e BO
Abalada por ser a única a ser constrangida com a revista dentro da agência, Mariana teve uma forte crise asmática e foi parar no hospital. Orientada por advogados, a empresária pediu um laudo à médica que a atendeu.
Em seguida, ela ainda teve energia para fazer um boletim de ocorrência na 23ª Delegacia do Meier, onde foi orientada pelo delegado a registrar o ocorrido como constrangimento ilegal e não racismo. Com os seus advogados ela agora pretende processar o Itaú e não a segurança, por discriminação racial. O gerente da agência ligou pedindo desculpas, bem como o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC).
Ainda nesta semana, Marina irá participar de uma reunião na Comissão Nacional de Promoção da Igualdade da OAB. Ela ainda tem um projeto de ações coletivas para combater a discriminação em estabelecimentos bancários.
Termina no próximo domingo, 16, a “Semana do Macaco”, promovida pelo fundador da CUFA, Central Única das Favelas, Celso Athayde com o objetivo de diminuir os casos de racismo onde a vítima é comparada ao primata. Para eles, muitos negros são chamados de macacos, somente por ter a pele escura como chimpanzés e o “King Kong”. Como há macacos de outras cores, ele pede que seus amigos, via Facebook, troquem as fotos dos seus perfis pessoais por imagens de macacos brancos.
O cantor MV em sua página oficial do Facebook e a atriz Thalma de Freitas no seu perfil pessoal aderiram ao pedido que tem cara de campanha.
“Não, não é um campanha. Só ganhou repercussão porque saiu no jornal O Globo, mas tem dado resultado porque tenho visto brancos postando fotos de macacos que se parecem com eles”, explica Athayde em entrevista ao site Mundo Negro.
Macacos nas escola municipais
O fundador da CUFA ainda disse que solicitou ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes que aderisse à campanha juntamente com seus filhos, mudando suas fotos no Facebook, e ainda faça junto as escolas municipais, ações onde as crianças “levariam a foto de um macaco que mais se parece com elas para apresentar para os coleguinhas”.
O Mundo Negro tentou um contato com o prefeito do Rio de Janeiro, mas não teve uma resposta até o fechamento deste texto.
No dia 8 de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o Instituto Mulher Negra e Cia, que comanda a página de Facebook com o mesmo nome, promove o seu primeiro evento. A Expo Mulher Negra será realizado Centro Cultural Verde- Vila Madalena, na cidade de São Paulo a partir das 10:00 h. Os ingressos serão vendidos na porta do evento, as mulheres pagam R$30,00 e os homens R$ 35,00.
PROGRAMAÇÃO
10:00 – Palestra : “A importância da Mulher na Matriz e Cultura Africana”
Palestrante: Prof Mestre Aderbal Ashogun Moreira
Participação do grupo de percussão feminino Abayomi
11:00 – Encontro de Jornalistas e Blogueiras Negras
10:00 ás 16:00h – Exposição de Arte- “ Ancestralidade da Pele “
10:00 ás 16:00 h- Exposição de Arte- “Olhar Negro”
10:00 ás 16:00 h – Feirinha de Produtos Variados
Também haverá oficina de auto-maquiagem e amarração de turbantes ministrados pela Boutique Krioula. Feijoada e shows musicais também fazem parte da programação.
Na semana passada o SBT mostrou cenas que fizeram e fazem parte da vida de muitas garotas negras, que por não se sentirem representadas na mídia e publicidade, decidem alisar o cabelo.
Após fazer uma escova para ir a uma festa de gala, Pata, a personagem negra da novela Chiquititas do SBT decide abrir mão dos seus belos e longos cachos naturais. Para prolongar o efeito da escova, a órfã chegou a ficar sem lavar o cabelo por vários dias.
A ajudante do orfanato e as amigas insistem que abrir mão dos cabelos cacheados seria bobagem. Algumas das meninas ainda chegam a dizer que gostariam de ter o cabelo da Pata.
Mesmo com o apelo das meninas, a jovem compra uma produto para alisamento e desmaia durante a aplicação. As amigas a socorrem e removem o pouco do produto que estava em seu cebelo
httpv://www.youtube.com/watch?v=YINhSPoVVsI
Poucos dias após o susto, Pata e suas amigas assistem a uma premiação musical pela TV onde a cantora Negra Li concorre como melhor cantora. Antes do início do evento, a artista fala sobre seus cabelos e diz. “Eu jamais alisaria meus cabelos, amo meus cachos”. Todos os amigos de Pata ficam encantados com a beleza da cantora e a órfã volta a amar os seus os seu longo cabelo crespo.
A novela Chiquititas é exibida de 2ª a 6ª pelo SBT as 20:30h
Difícil não desligar a TV ontem a noite (2 de março), após a exibição da 86ª edição do Oscar, principal evento da indústria cinematográfica, sem ter a mente invadida com aquele pensamento inquietante de como a relação dos afro-americanos com a mídia e o show business é bem sucedida e aqui não temos representatividade nem nas novelas. E não estou me referindo apenas aos prêmios conquistados pelo filme “12 anos de escravidão”, que levou a estatueta de melhor roteiro adaptado, melhor atriz coadjuvante (Lupita Nyong’o) e melhor filme.
Por Silvia Nascimento
O diretor dos “12 anos de escravidão” Steve McQueen celebra o Oscar de melhor filme
Já no começo no começo do evento, a apresentadora do evento Ellen DeGeneres, fez um comentário que deixou a entender que somente o racismo impediria “12 anos de escravidão de levar o Oscar de melhor filme. E logo em seguida, ela fez uma fala racialmente provocadora: “E agora por favor deem boas-vindas a nossa primeira apresentadora branca Anne Hathaway !”
Também pela primeira vez a “academia” tem um presidente negro. Apesar de não ter controle sobre os filmes que iriam concorrer ao prêmio. Cheryl Boone Isaacs, a mulher negra no comando do evento visto ontem a noite, certamente teve alguma influência. Inclusive quem anunciou o prêmio de melhor filme, foi o ator afro-americano Will Smith.
A presidente da Academia Cheryl Boone Isaacs
A revista americana Ebony selecionou alguma dos melhores “momentos negros do Oscar” e entre eles estão:
A atriz Kerry Washington
A belíssima e grávida Kerry Washington chamando ao palco Pharrell Williams que fez uma das mais empolgantes apresentações na noite.
O rapper Pharrell Williams
A humildade de John Ridley em seu discurso. Ele foi o segundo negro a levar o Oscar de melhor roteiro adaptado. “Eu posso ter sido apenas o segundo, mas eu sei que á muitas pessoas lá fora dos mais diferentes tipos, crenças e orientações que também têm histórias para contar”.
john Ridley Oscar 2014
A vitória e o belo discurso de Lupita Nyong’o ao receber a estatueta de melhor atriz coadjuvante pelo filme “12 anos de escravidão”.
Lupita Nyong’o com seu Oscar de melhor atriz coadjuvante
Parte da comunidade negra afro-americana é contra a badalação da presença negra em eventos como este, que seriam superestimados e sem relevância. Eu discordo, para mim, a ausência de negros ou o não reconhecimento do seu trabalho seriam algo preocupante. Celebremos o reconhecimento da nossa beleza e talento.
Quando eu era criança, era comparado a Michael Jackson menino e Cirillo, de Carrossel (versão original).
Quando eu raspava a cabeça, era chamado de Cesar Sampaio e Juan, entre outros.
Quando estive com meu poderoso black, fui chamado de Thalles Roberto e Dante.
Agora, estou de nagô e sou Snoopy Dog, Xande de Pilares e Stevie Wonder (sem contar o clichê sem imaginação “predador”).
Já fui comparado a muitos outros artistas, esportistas e personagens. A ironia é que um colega, com quem conversei sobre o assunto, também já ouviu algumas dessas mesmas associações, sendo que não somos parecidos entre nós, muito menos todas as personalidades entre si. Aí, teve o lance da nova mulata dançarina negra Globeleza, Nayara Justino, associada ao personagem Zé Pequeno (Leandro Firmino da Hora) e estou respondendo até hoje nos comentários de lá a pessoas que acham natural a comparação.
Não é, é racismo naturalizado, é o que faz com que o descaso pelo ser humano preto permita a um entrevistador a “mera falta de atenção” de confundir Samuel L. Jackson com Laurence Fishburne, já sendo prevenido, pelo próprio Jackson, de que nem adianta comparar também a Morgan Freeman, pois são negros e famosos atores, mas não são iguais. Não foi distração, é o racismo que escorre nojento por essas brechas morais. Eles poderiam ter resolvido tudo com um monte de gargalhadas, mas pra nós, isso não é tão simples.
Não que vejamos racismo em tudo, como o mais sonso pode tentar meter (UIA!) na conversa pra desestabilizar a pauta, é porque não somos personagens, não somos estereótipos exóticos. Não é porque somos negros que somos parecidos, não é porque uma pessoa é branca que se vai chegar e comparar a todos daquele tipo. Quantas vezes você já viu uma pessoa branca de cabelos longos e lisos loiros ou pretos ser comparada a outra que não tem nada a ver, mas também possui esses traços? Nunca, não é? Quem diz que Xuxa e Adriane Galisteu são a cara de Carolina Dieckmann e quase gêmeas de Fernanda Lima e Eliana? Repare bem as comparações acima, são apenas um ou dois traços semelhantes, geralmente, cabelos e a cor da pele, mas você não vê isso fora dos grupos estigmatizados.
O negro precisa aturar isso e ficar quieto? Cabelos crespos, pele preta e – ZAZ! – todos iguais? Vai rolar aquela piada batida de ‘caminhão de japonês’, como se fossem também todos iguais por características próprias da etnia? Não, caras, não que não seja possível um negro se parecer com outro, lógico, mas é preciso analisar também esse lado, de que essas comparações quase sempre são baseadas apenas na cor da pele, formato de narizes e textura de cabelos. Não somos bonecos.
Recentemente, um rapaz, trabalhador, negro e de cabelo black foi preso sem chance de defesa, sem flagrante ou mandado. Apenas porque a vítima dizia ter sido assaltada por um homem negro, de cabelo black, bermuda e camiseta. Ele é filho de um militar reformado, o que já mata aquela lenda mentirosa de que o racismo acaba quando a condição socioeconômica é alta, está sem visitas ou defesa e nem estava vestido como a vítima descreveu. É isso que faz Nayara Justino ser a ‘feia’ que se parece com Zé Pequeno, é isso que faz qualquer babaca cantarolar o tema do carnaval global ao se deparar com uma mulher negra, é o que faz todo homem negro ser um bandido sujo e a mulher uma iguaria sexual da sociedade.
Vinícius Romão, ator que esteve em Lado a Lado e está sendo vítima de uma prisão ilegal, apenas porque os
policiais que o abordaram acharam que ele era suspeito, por ser negro e usar cabelo black, como a tal vítima
descrevera. Agora, me diga, quantos brancos vão presos no lugar dos verdadeiros criminosos assim?
Somos tratados como estrangeiros e só somos lembrados enquanto brasileiros quando denunciamos isso, pois, vem aquela outra lenda de que ninguém pode se dizer negro se não nasceu na África (é, tem gente que acha mesmo que negro não é uma situação ideológica também, além da genética não precisar ser pura, como dificilmente tem no mundo todo).
Todo camburão tem um pouco de navio negreiro.
De geração em geração, todos no bairro já conhecem essa lição.
Essa história iniciada há mais de 500 anos, inclui a escravidão, um número incontável de mortes por opressão e negligência, a migração forçada, a apropriação de terras, a institucionalização do racismo e a destruição de culturas. Ela transformou a vida de milhões de africanos, árabes, asiáticos e europeus e configurou, efetivamente, a estrutura de poder mundial durante todo o século 20 e até hoje. ( Vron Ware)
George Washington Carver
As pirâmides do Egito
Sungbo’s Eredo
Carlos Eduardo Dias Machado*
Ao tratar da importância do conhecimento científico para a população brasileira devemos levar em consideração que os esforços a serem empreendidos para a ampliação do acesso dos negros aos ambientes de produção científica, hoje ocupado majoritariamente por brancos e amarelos, vão além da simples preparação para o atendimento das demandas materiais desse segmento no contexto da atual sociedade tecnológica.
Mais do que isso, atuação nesse campo do conhecimento impacta significativamente no imaginário e na autoimagem da população negra, na medida em que possibilita a seus membros identificarem-se e serem identificados como pessoas criativas, capazes de produzir conhecimentos considerados relevantes para a humanidade.
Para melhor compreensão do que estamos falando temos que trazer à tona o fato de que a exploração da escravidão da população originária da América e dos africanos, iniciada no século 15 pelos cristãos, construiu um sistema de privilégio aos homens e mulheres brancas no Brasil e no mundo. As bases do capitalismo ocidental utilizou o hard power o poder militar e o soft power, o poder de influenciar outros reinos e países por meios culturais e ideológicos, para a sua riqueza e supremacia mundial. A posição de poder dos brancos (material e simbólico) em nosso país tem este legado que é transmitido e ampliado através das gerações.
O imaginário sobre os asiáticos e o europeus são positivos e isto impacta em como eles se vêem e são vistos. A associação entre tais aspectos implícitos e inconscientes com conhecimento científico, tem uma relação direta com o fato de que o prestígio social adquirido pela ciência colocou as pessoas com “melhor desempenho” nessas áreas em uma condição social também privilegiada (meritocracia e networking), uma vez que o domínio da racionalidade científica em nossa sociedade ainda é sinônimo de superioridade intelectual, a despeito dos recentes avanços trazidos pela psicologia com o conceito das inteligências múltiplas, apresentado por Howard Gardner.
Não podemos deixar de mencionar a histórica participação da própria ciência ocidental na construção de estereótipos negativos em relação aos povos africanos e indígenas. As identidades e expectativas pessoais dos brancos foram moldadas por relações assimétricas de poder. Esta ideologia vinda da Europa (que então dominava o planeta) e Estados Unidos (então império emergente) no século XIX, municiou a elite intelectual branca brasileira com várias teses que defendiam a inferioridade física, moral e intelectual dos negros e indígenas, ampliando com isso, a hierarquia racial e a orientação de políticas governamentais como o incentivo à imigração de brancos de toda a Europa com objetivo de promover o branqueamento da população ─ a essa altura, a população negra e indígena do Brasil (maioria) foi considerada uma barreira ao ideal de progresso e civilização, pautado pelos parâmetros eurocêntricos seguidos pela classe dominante.
O racismo branco apesar das inúmeras desqualificações sofridas, ainda hoje, influencia o imaginário social, e é praticado mesmo em ambientes em que se espera a predominância da racionalidade e a descrença em mitos como na escola e universidade. Desta forma, vale lembrar as declarações do então coordenador do curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Antônio Dantas em 2008:
O baixo QI dos baianos é hereditário e pode ser verificado por quem convive com pessoas nascidas na Bahia. (…) o berimbau é o tipo de instrumento do indivíduo quem tem poucos neurônios (…) Só sai aquele barulho, pu pu pu pu pu pu. Isso por acaso indica qualidade intelectual muito elevada? Não.
Sua fala tenta justificar o baixo rendimento do curso de medicina nas avaliações do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE do Ministério da Educação. Essa atitude discriminatória tem precedentes na própria história da Faculdade de Medicina, a qual no século 19, quando sediada no Terreiro de Jesus, Pelourinho, foi uma das grandes difusoras das teses pseudocientíficas que atentavam contra a imagem social dos negros e indígenas brasileiros. Raimundo Nina Rodrigues afirmava:
A Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo. Na trilogia do clima intertropical inóspito aos Brancos, que flagela grande extensão do país; do Negro que quase não se civiliza: do Português rotineiro e improgressista, duas circunstâncias conferem a segundo saliente preeminência: a mão forte contra o Branco, que lhe empresta o clima tropical, as vastas proporções do mestiçamento que, entregando o país aos Mestiços, acabará privando-o, por largo prazo pelo menos, da direção suprema da Raça Branca. E esta foi a garantia da civilização nos Estados Unidos.
O que pensar das declarações do prêmio Nobel de medicina e um dos pais da genética, James Watson, no Jornal The Sunday Times, em outubro de 2007:
Todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [dos negros] é igual à nossa, apesar de todos os testes dizerem que não. Pessoas que já lidaram com empregados negros não acreditam que isso [a igualdade de inteligência] seja verdade.
Esse retrospecto nos faz pensar também, como é complexo para as jovens estudantes negras e negros brasileiros terem bom desempenho nas escolas públicas e privadas onde impera a descrença em seu potencial e a expectativa do fracasso pesa como permanente suspeição contra eles. Local onde o ensino de ciências é extremamente eurocêntrico e cuja pseudoneutralidade da práxis pedagógica não contempla a análise crítica sobre a hegemonia branca da ciência, nem o papel da ciência ocidental na negação da racionalidade dos povos colonizados.
No entanto, nesses espaços, ao invés dessas reflexões, predomina um ensino mecanicista, que privilegia a mera resolução de exercícios, e que é entremeado por histórias triunfalistas das conquistas branca e masculina no campo da ciência. Com efeito, um estudante branco nunca tem vergonha de sua ascendência europeia quando ouvi a história apologética dos europeus, promovendo os avanços da ciência. Entretanto, para as estudantes negras e negros, índios e índias e mesmo as mulheres brancas, fica a seguinte pergunta: por que eles e não nós?
Essas questões emergem nas políticas educacionais desde a sua gênese em nosso país, devido à frequente “assepsia” feita no contar da história da ciência ocidental, que a torna “imune” em relação ao racismo branco e ao sexismo e que omite sua vinculação as propostas expansionistas do imperialismo europeu, o qual com seu caráter exclusivista condicionou à existência da genialidade de referências como Galileu e Newton a não existência de congêneres (Imothep, George Washington Carver e André Rebouças) entre as populações nativas e escravizadas, afetadas pelo colonialismo. Paulus Gerdes, por exemplo, considera que “as ‘histórias’ dominantes da matemática sugerem que (quase) não houve matemática fora da Europa, ‘esquecendo’ de que a colonização contribuiu para a omissão, estagnação e eliminação de tradições científicas nas Américas, África, Ásia e Oceania”.
Todo o conhecimento que recebemos nas escolas e universidades nos é ensinado que tem base greco-romana, como se antes de Grécia e Roma não tivessem existido outras civilizações. O método científico é considerado como a base da ciência moderna, utilizando os princípios da observação e da experimentação. Existe um engano ao afirmar e ensinar que a moderna ciência têm suas raízes na Grécia e Roma, como também é incorreto afirmar que o método científico iniciou-se na Europa com Roger Bacon (1219-1292), o filósofo inglês do século 13, Nicolau Copérnico (1473-1543) o astrônomo teuto-polonês do século 16, com o físico e matemático italiano Galileo Galilei (1564-1642) ou com o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), Descartes (1596-1650) ou Isaac Newton (1643-1727).
Todas as culturas que desenvolveram grandes construções ou monumentos, domesticaram as plantas, forjaram metais de qualquer composição, desenvolveram diversos tipos de tintas ou corantes, construíram barcos ou navios, compreenderam a astronomia, criaram formas de se tratar doenças, etc., todas estas culturas usaram o método científico.
Nenhum povo ou cultura criou o método científico, isto é uma atribuição humana. Defender que existe somente um método de desenvolvimento científico é deseducador.
Antes de considerar as Grandes Pirâmides do Egito (a única das sete maravilhas do mundo antigo de pé), Sungbo Eredo (a maior construção do mundo) na Nigéria, a grande Muralha da China, a Matemática e os Calendários Maia e Asteca, os templos da Índia, a astronomia dos babilônios, as construções olmecas, como honestamente podemos dizer que apenas os europeus desenvolveram o método científico? Vamos lembrar que a primeira civilização que se tem notícia é a dos Sumérios de c. 3.500 anos a. C., posteriormente temos o Egito (c. 3200 a. C) o Vale do Indo (c. 2500 a.C.) e a Grécia Micênica surge a cerca de 1300 anos antes de Cristo.
O argumento da separação da ciência do mito e do cosmos espiritual surgiu na Grécia e continuou-se a desenvolver na Europa. Este argumento cultural da visão de mundo europeia é de pouca espiritualidade conectada com o universo de outras culturas.
Este argumento é baseado racialmente, já que outras culturas produziram grandes avanços para a ciência. O método científico é a via de acesso ao método humano de desenvolver tecnologia? O cérebro humano foi e sempre será capaz de atingir o processo científico. Nós não teríamos construído a civilização, as artes e as ciências, sem o processo científico. É bom lembrar que os europeus estavam atrasados em comparação com outras civilizações do mundo antigo em relação ao seu desenvolvimento.
O historiador Teophile Obenga traduziu o papiro de Ahmes (ou Rhind) que continha cálculos matemáticos, descobriu que o método científico é de 1650 a. C. Ahmes detalha a solução de 85 problemas de aritmética, frações, cálculo de áreas, volumes, progressões, repartições proporcionais, regra de três simples, equações lineares, trigonometria básica e geometria. Em outras palavras os africanos tiveram a compreensão do método científico e documentaram suas experiências neste papiro, demonstrando que utilizavam o método científico mais de 1000 anos antes dos gregos irem para o Vale do Nilo, aprenderem o conhecimento científico egípcio e 3500 anos antes de Francis Bacon nascer.
A evidência mais antiga do mundo de antiguidade da matemática vem da caverna de Blombos, na África do Sul e possui 100 mil anos de idade, demonstrando que o homo sapiens que evoluiu na África tinha pensamento complexo e abstrato. Os outros artefatos matemáticos mais antigos também tem origem africana. Pelas evidências materiais, ciência e espiritualidade não contradiz uma a outra. Foi através dos missionários e viajantes no século 18 e 19 explorando e conhecendo o interior do continente africano com motivações comerciais, militares, religiosas, geográficas e científicas, que tiveram contatos com a diversidade científica africana, mas por motivos racistas e geopolíticos de dominação, desqualificaram e ocultaram o quanto puderam estes conhecimentos.
Como uma das consequências desse predomínio do eurocentrismo no ensino da ciência temos a falta de identificação dos estudantes negros com as áreas de ciência e tecnologia. Os estudantes negros brasileiros tendem a não escolher cursos ligados à ciência e tecnologia por pelo menos dois motivos: primeiro, reconhecem de forma pragmática as fragilidades de sua principal fonte de educação formal, a escola pública, cujo ensino de ciências não é satisfatório e, segundo, a falta de um ambiente familiar e social com tradição acadêmica, somado a uma ausência de políticas de popularização da ciência voltadas à conquista desse público, torna as carreiras científicas um objetivo distante para esses estudantes, os quais não conseguem se perceber como futuros cientistas a contribuir para o avanço da sociedade. Para muitos deles, a conquista do ensino fundamental e médio já é um triunfo suficiente.
Por fim, avalio que a reversão desse quadro de exclusão perpassa pela luta do aumento de qualidade da educação básica e a adoção de políticas afirmativas que, por exemplo, concebam projetos de popularização da ciência que levem em consideração as especificidades do público afrodescendente, maioria da população. Em tais projetos, caberia, por exemplo, a exposição da matriz civilizatória dos povos africanos e afrodescendentes para a ciência e tecnologia, ao invés de privilegiar uma “história única” que coloca a ciência em geral como um atributo essencialmente branco, desconsiderando o fato de que, assim como a humanidade, as primeiras civilizações, os primeiros passos da ciência, foram dados no continente africano, ou seja, no Egito e não na Grécia, conforme atestou o próprio “pai da História”, o grego Heródoto, que ao visitar o Egito antigo nos legou duas informações que contrariam os eurocêntricos: os egípcios tiveram a primazia da ciência e eles eram negros. Nesse sentido cito o grande historiador burkinabe, Joseph Ki-Zerbo, “não vejo por que razão os primeiros humanos que inventaram a posição ereta, a palavra, a arte, a religião, o fogo, os primeiros utensílios, os primeiros habitat, as primeiras culturas, deviam ficar fora da história!”
Saliento que, o que está posto não é a dúvida quanto ao papel estratégico ou o valor das contribuições da ciência e tecnologia, mas sim, os danos sociais do emprego do privilégio branco e do sexismo, enquanto instrumentos de interdição à ampliação do número de pessoas a atuarem nessas áreas. Para países como o Brasil 6ª economia mundial que pleiteia se constituir em uma nação competitiva em termos de produção científica e tecnológica, não cabe o desperdício de talentos das mulheres e homens negros em função da manutenção de uma quase que exclusividade de brancos e amarelos na gestão e produção da ciência e tecnologia brasileira.
*Mestre em História pela Universidade de São Paulo; Alumni do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford, Professor de cursos de formação de docentes, Professor da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e escritor do livro Negras e Negros Inventores, Cientistas e Nobéis (no prelo).
Referências
ALMEIDA, Manoel de Campos. A MAIS ANTIGA MANIFESTAÇÃO DE ATIVIDADE MATEMÁTICA. In: Revista Educação em Movimento. Vol. IV, nº 11, Maio-Agosto 2005. Curitiba, Champagnat, 2005.
PASSONI, Irma Rossetto. Cidadania em C&T: uma mudança de paradigma. Revista Parcerias Estratégicas, n. 20 (Seminários Temáticos para a 3a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação), Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, Brasília, junho de 2005.
RODRIGUES, Raimundo Nina. Africanos no Brasil. (1932) São Paulo: Madras, 2008.
WARE, Vron. (org.) Branquidade: identidade branca e multiculturalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
*Mestre em História pela Universidade de São Paulo; Alumni do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford, Professor de cursos de formação de docentes, Professor da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e escritor do livro Negras e Negros Inventores, Cientistas e Nobéis (no prelo).
Jeans é sempre o clássico de todas as temporadas com diversas lavagens, cortes e texturas que deixa mais moderna e democrática e faz combinar com qualquer peça das mias básicas até as sofisticadas agradando todos os estilos.
pesquisa “Mortes violentas na cidade de São Paulo em 2011” apresenta um panorama das causas e perfil das vítimas de agressões, acidentes de trânsito, intervenções policiais e eventos de intenção não determinada.
Entre os dados observados, chama atenção que o homicídio é a principal causa de morte não natural de negros, enquanto os acidentes de trânsito provocam a maioria das mortes não naturais entre a população branca.
O estudo é baseado nas informações mais recentes divulgadas pela Secretaria Municipal de Saúde.
Cansado da ausência das lendas africanas na literatura, jovem autor negro cria uma mitologia fictícia para falar sobre os grandes desafios da vida (clique nas fotos abaixo para ampliar).
O autor e sua obra
Lançamento do livro
Capa do livro
“Este livro não é mais um épico fantasioso com Orixás”, esclarece Fábio Kabral ator e dublador que cursou Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Ele decidiu aprofundar o seu conhecimento sobre lendas africanas e criar sua própria mitologia, no entanto, o aspecto lendário é apenas um pano de fundo que dá cores e texturas aos dilemas causados e sofridos pelo ser humano quando ele passa para fase adulta. Resultado de muito estudo e pesquisa, o livro tem uma leve influência da vasta e rica coleção de lendas do continente africano, mas não só de lá . O primeiro personagem do livro foi escrito em 2003, mas só agora em 2014 o livro foi lançado oficialmente, num grande evento realizando na cidade de São Paulo
Mundo Negro – Você estudou profundamente a cultura africana antes de escrever. O seu livro é uma obra ficcional?
Fábio Kabral – Meu livro é ficcional. É um universo sem nome cujos povos e sociedades foram inspirados principalmente nas antigas lendas e histórias dos grupos lunda e tchokwe, de Angola com umas pitadas aqui e ali de outros povos do continente. Além de outras influências.
Apesar da questão das mitologia e lendas africanas, a obra não tem a ver com religião, sobre tudo o Candomblé.
A grande verdade, é que o ambiente, a mitologia não passam de pano de fundo, de passam de mero detalhe. O núcleo da história são os dramas individuais dos personagens, suas fúrias e ojerizas internas, suas dificuldades de lidar consigo próprios e com o ambiente hostil ao seu redor.
O que te levou a escrever a obra? Sempre gostei de gibis, games, RPGs e literatura fantástica. E até hoje nunca vi representação pertinente dos povos do continente, nunca vi histórias fantásticas cujas sociedades e costumes sejam inspirados nos imaginários de África. Isso sempre me incomodou e me incomoda até hoje. Além disso, sempre gostei de criar mundos e escrever histórias, sempre fui fascinado na criação de novas realidades; assim, uni essas duas questões que me são mais pertinentes e dei início aos livros.
httpv://www.youtube.com/watch?v=Xl22ELzKwQw
Eu via uma foto sua, acredito que tirada durante as passeatas de novembro, mês da consciência negra, onde você carregava um pôster que falava sobre os brancos se apropriarem da estética e religião afro. Branco não tem legitimidade para falar sobre religiões de matriz africana?
O problema não é a pessoa branca na nossa religião, usando dreads e etc. O problema é a apropriação das culturas africanas e indígenas ou quaisquer outras culturas tradicionais, com as quais lucram como se fosse criação deles, sem o devido crédito e respeito. Nas religiões de matriz africana temos sacerdotes de todas as etnias, que são muito respeitados e que tratam a ancestralidade africana com todo o respeito que ela merece.
Afinal, sobre o que é o “Ritos de Passagem”? Quanto tempo você levou para escrevê-lo?
Ritos de Passagem é só o início dos trabalhos. Ritos de Passagem é sobre a jornada de superação em meio a um turbilhão de cobranças, expectativas e normas de conduta. Ritos de Passagem é sobre o desafio de encarar a si próprio e se tornar uma pessoa adulta – de uma forma ou de outra. Ritos de Passagem é uma história de ficção fantástica inspirada nas antigas lendas de África. A primeira personagem da história eu criei por volta de 2003; desde então, venho desenvolvendo os personagem e elaborando as primeiras partes dos conjuntos de histórias desse universo sem nome.
Você contou com a ajuda de outras pessoas? Recebo ajuda de várias pessoas, no que diz respeito aos aspectos mais práticos de publicação e divulgação; a elaboração dos personagens, das histórias e do universo sem nome é por minha conta mesmo.
Quem quiser adquirir o livro, o que tem que fazer? Por enquanto, quem quiser adquirir o livro Ritos de Passagem, deve contatar diretamente a GIOSTRI EDITORA, por meio de seu site (http://www.giostrieditora.com.br/), página no facebook (https://www.facebook.com/giostrieditora), e-mail e telefone.