Texto: Rodrigo Fança
Nesta coluna, cada texto será um retrato literário de vidas que ultrapassam molduras e inspiram pelo simples ato de existir com coragem e propósito. Um convite a conhecer histórias que transformam passos comuns em revoluções, revelando que, ao enxergar o outro, encontramos reflexos de nós mesmos.
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VALÉRIA MONÃ é feita de chão e de asas. Filha da Baixada Fluminense – RJ, onde o concreto das ruas se encontra com o vento das histórias ancestrais, ela carrega nos pés o pó das batalhas e nas mãos o gesto de quem transforma. É filha de Wanda Ferreira, a ancestral estilista afro que desenhou mais do que roupas: traçou caminhos, afirmou identidades e bordou resistência. Foi Wanda quem a ensinou a ser mulher negra da base, porque é no chão que se finca raiz e se ergue o que é eterno.
Ainda menina, Valéria viu sua mãe criar o grupo Mosca, desafiando o tempo e as circunstâncias. Riu do ímpeto de Wanda desejando dançar e ouviu dela o desafio: “Você não dança”. E foi ali, aos 18 anos, que Valéria começou a escrever com o corpo a história que hoje reverbera em palcos, escolas e terreiros. A dança, para ela, nunca foi apenas arte; foi arma, foi reza, foi casa.
No terreiro de axé, encontrou não só um marco civilizatório, mas a bússola que orienta seus passos. Ali, sob o olhar cuidadoso de Omolu e o sopro incansável de Iansã, aprendeu que movimento é herança e futuro, e que a cultura negra é, antes de tudo, um ato de sobrevivência e criação.
Sua vida pulsa no encontro com os jovens do CIEP 175, José Lins do Rego, onde atua como animadora cultural. Ali, entre risos e passos, encontra sentido e renovação. “Estar com esses estudantes faz sentido à minha vida”, ela diz, e quem a ouve sabe que essa não é uma frase vazia. É ali, na base, onde os sonhos ainda são matéria-prima, que Valéria exerce sua potência transformadora.
A Companhia dos Comuns é sua extensão coletiva, o lugar onde a dança e o teatro se encontram para gritar contra o apagamento. Em peças teatrais como Contos Negreiros do Brasil e Oboró: Masculinidades Negras, Valéria dá corpo a narrativas negras que desafiam o silêncio imposto pela história. E foi com Oboró que ela recebeu o prêmio APTR de Melhor Direção de Movimento, reafirmando que seu gesto é mais do que técnica: é ancestralidade e invenção.
No cinema, brilhou em Cafundó, premiada como Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Cinema de Goiânia, e no teatro, levou o prêmio de Melhor Atriz no Festival Tamoio. Mas para Valéria, prêmios não são o objetivo final. São apenas marcos no caminho de uma vida que busca incessantemente o encontro com o que é verdadeiro. Inspirada pela mestra Carmen Luz, multiartista que faz da arte um território de luta, Valéria moldou sua visão: ser corpo é ser história, e o palco é onde essa história ganha voz e força.
Seus filhos, Ayinde Bakari e Akanni, e sua irmã Vânia Ferreira são seu eixo, sua razão, sua fonte de energia. É neles que encontra a força para continuar sonhando, porque, para Valéria, sonhar é saber o que é sonho. E ela sonha grande, com os pés no chão e o espírito no infinito.
Valéria Monã não dança para ser vista; dança para existir. É o movimento que diz o indizível, que carrega as dores e as alegrias de um povo que nunca deixou de sonhar, mesmo quando tudo dizia para desistir. Ela é corpo, palavra, resistência e amor. Um convite constante para lembrar que a arte, assim como a vida, só faz sentido quando nos move.
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