Texto: Rodrigo França
Nesta coluna, pessoas que inspiram pela coragem de existir e transformam passos comuns em revoluções.
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No coração do Rio de Janeiro, entre os morros e vielas do Complexo do Andaraí, nasceu uma voz que, aos poucos, vem moldando o futuro da música popular brasileira. HUD, filha de Aline Oliveira, cresceu sob os ritmos intensos da cidade e as canções de sua mãe, que, sem saber, foi sua primeira grande referência musical. Ainda menina, aprendeu a transformar o cotidiano em melodia, os desafios em acordes, a vida em arte.
HUD canta samba. Não qualquer samba, mas aquele que reverbera histórias de luta e reinvenção, que honra nomes como Dona Ivone Lara e Alcione, mulheres que moldaram os alicerces do gênero. E agora, com três anos de carreira profissional, HUD começa a ocupar o lugar que já lhe parece predestinado: a de ser a próxima sensação da música popular brasileira. Sua presença no palco não apenas canta, mas narra uma história – a de uma mulher negra retinta, trans, artista, cujos passos ecoam a caminhada de outras vozes, como Liniker e Majur, que desbravaram caminhos para que ela e tantas outras florescessem.
Mais do que uma intérprete, HUD é uma contadora de histórias. Sua trajetória é de um renascer constante, como ela mesma assume, enfrentando bloqueios internos, traumas e dores que, por muito tempo, tentaram silenciar sua voz. “Eu renasci, mais forte e capaz de resolver situações, capaz de lidar com meus problemas e tornar minha vida mais leve”, escreve com a força de quem venceu medos, olhando para o passado sem deixar que ele a impeça de seguir. HUD supera para existir. Não com leveza ingênua, mas com a firmeza de quem sabe que o amor-próprio é o caminho mais certo para a liberdade.
“Sou ela!”, afirma HUD, com uma voz que afugenta a transfobia e afirma a plenitude de ser quem é. Uma mulher trans feliz, negra, sambista, cuja identidade não é menor nem menos legítima. Suas palavras são um afrontamento à estrutura excludente que tenta apagar as múltiplas realidades das mulheres negras, mas também um abraço generoso a todas as pessoas que compartilham histórias de resistência.
HUD está em construção, como seus próprios projetos. Não há pressa, pois o que se constrói agora é alicerce, base para algo que transcende sua voz. Para HUD, ser inspiração não é apenas ser vista; é compartilhar experiências, observações, emoções. É fazer com que a vida de quem a escuta se transforme, nem que seja por uma única nota. Em suas palavras, há uma força que ultrapassa o individual, tornando-se coletiva, como se cada ouvinte carregasse consigo uma parte do Complexo do Andaraí, uma fração de sua infância, uma sombra de sua liberdade.
HUD canta sobre o que muitos não ousam dizer. Ela é, ao mesmo tempo, herdeira e renovadora do samba. Como as matriarcas que a inspiram, sua música é sagrada – mas com a irreverência de quem sabe que, para dialogar com o futuro, é preciso subverter as regras do presente.
HUD é o reflexo de uma geração que insiste em existir plenamente, mesmo diante dos desafios. Vozes como a dela nos lembram que renascer é um processo, que se vive uma, duas, infinitas vezes.
Uma estrela ascende.
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