O ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, foi convidado do episódio da semana do Mano a Mano, podcast comandado pelo rapper e ativista Mano Brown. Durante sua participação no programa, chamou a atenção a falta de habilidade do petista em abordar de forma mais tranquila e consciente, tópicos que já deveriam ser considerados vencidos na chamada ala “progressista” da política.
É triste, mas é preciso dizer: mesmo com anos de participação da população negra engrossando as fileiras de sindicatos, partidos e movimentos totalmente identificados com a pauta trabalhista e de esquerda, os grandes nomes desses partidos e suas lideranças pouco ou nada se dispuseram a ouvir e aprender com estas participações, relegando a participação dos pretos e pretas dentro dos partidos a um número de filiação ou até algum prestígio interno que não passe da página dois.
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Questionado por Mano Brown sobre a participação de negras e negros na política, Lula recorreu ao argumento de época, que a gente tanto conhece. “Na minha época a política era branca, a cultura era branca, tudo era branco” e prosseguiu, atribuindo as mudanças que têm ocorrido a uma “evolução política dos negros” e a aquisição de uma “consciência de que não basta ser vítima”.
É de se lamentar profundamente que um grande nome da política nacional, que se orgulha de ter incluído a população negra nas políticas públicas e transformado a realidade da população negra em termos de acesso a educação e emprego, por exemplo, ainda recorra ao “mimimi”, para se referir às transformações que o povo negro tem operado no Brasil desde que aqui pisou.
Indo um pouco adiante, isso revela mais um viés da invisibilização da atuação de homens e mulheres negras integrantes dos movimentos negros que foram as mentes pensantes por trás das políticas de inclusão racial dos governos petistas, cujos louros só recaem sobre a figura de Lula, que abraça esse bônus sem nem pestanejar.
“Quando eu assumi a presidência eu tomei a decisão de colocar na educação básica o ensino da história africana. Porque eu queria, porque eu achava que o preconceito você não resolve colocando na Constituição que é crime inafiançável o preconceito”. Neste trecho da entrevista, Lula ignora completamente que a inclusão do Ensino de História e Cultura Africana e Afrobrasileira nas escolas, a então chamada Lei 10.639 não aconteceu por simples vontade do presidente. Mas pelo trabalho incansável de militantes históricos dos movimentos negros brasileiros, que elaboraram formações, políticas e articulações para que chegássemos a aprovação da Lei.
Na sua retórica, Lula ainda apresenta o PT como o “único partido que tem setoriais de negros, de mulheres, LGBT e que vai ter do direito dos animais”, o que qualquer pessoa que já tenha ouvido falar sobre as organizações de partidos políticos no Brasil sabe que não é verdade, nem no espectro da esquerda, nem da direita.
Mano Brown ainda tentou aprofundar o debate, trazendo a questão da tradição, família e propriedade, como pilares defendidos pela direita e esquecidos pela esquerda, como se isso não interessasse ao povo preto brasileiro. “Tem-se uma ideia de que o negro é o negro do carnaval, da bagunça, do samba, que o Brasil é feliz porque o negro é feliz. Mas na vida real não é bem assim”, alertou Brown, mas ainda não foi dessa vez que Lula conseguiu entrar neste aspecto da discussão.
Para ilustrar seu confuso pertencimento racial, Lula citou o pai que “era mais negão” , “mais moreno” do que ele. Além disso, citou as palavras do chanceler senegalês Cheikh Tidiane Gadio, que disse, em 2005, que Lula era o primeiro presidente negro do Brasil, pela importância que deu à relação do Brasil com países do continente africano.
No entanto, ao falar sobre as diferenças de oportunidade de trabalho entre negros e brancos, Lula citou a si mesmo como exemplo de um homem branco que teria mais oportunidades do que Brown, em uma seleção de emprego. Quando questionado diretamente sobre como ele se identifica racialmente, a resposta foi a pior possível. “Eu sou o Lula do jeito que eu sou. Eu sou preto, sou branco, sou qualquer coisa, eu sou um ser humano. Um ser humano que tem noção da minha irmandade com todos aqueles que pensam diferente de mim, que tem cores diferente de mim, religiões diferente de mim, que torce por times que massacram o meu Corinthians”.
Infelizmente, ainda estamos vivendo nos tempos das grandes concessões em nome de ter no poder alguém com quem seja possível estabelecer algum tipo de ponte em busca de sensibilidade para as nossas pautas. No entanto, mesmo depois de tantos anos e tantas referências pretas na política, Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Benedita da Silva, Leci Brandão, Marielle Franco e várias outras e outros parecem não convencer os representantes brancos de que outra política é possível, urgente e necessária.
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