
A inteligência artificial avança como um foguete. Mas a pergunta que precisamos fazer é: quem está na cabine de comando? E mais ainda — quem nem sequer foi convidada para o embarque? Enquanto o mundo celebra algoritmos que “pensam” por nós, mulheres negras seguem sendo ignoradas nos espaços que decidem o futuro da tecnologia. Estamos diante de uma revolução que corre o risco de repetir, em altíssima velocidade, as mesmas exclusões do passado.
Nas últimas semanas, dois estudos acenderam um alerta importante. Um deles, publicado em 2025 pelo Brookings Institute, revelou que sistemas de IA usados em processos seletivos nos Estados Unidos penalizam candidatos com nomes racializados — especialmente mulheres negras — favorecendo aqueles com nomes brancos e masculinos. Do outro lado do hemisfério, o relatório da PretaLab, iniciativa brasileira comandada por Sil Bahia, revelou que 35% dos profissionais de tecnologia entrevistados disseram não ter nenhuma pessoa negra em suas equipes; 65% relataram que menos de 20% do time é composto por mulheres. Traduzindo: o que está sendo vendido como inovação, muitas vezes, está sendo produzido num laboratório de exclusão.
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E quando a gente fala que o racismo é estrutural, não é figura de linguagem: ele agora também está no código. Está nas plataformas que não reconhecem nossos rostos, nas ferramentas que filtram nossos currículos, nas inteligências artificiais que insistem em não nos ver. A tecnologia, dizem, é neutra. Mas a história já nos ensinou: neutralidade, num mundo desigual, é conivência.
A boa notícia é que estamos longe de sermos apenas vítimas dessa engrenagem. Iniciativas como a PretaLab e a PrograMaria mostram que é possível — e urgente — reprogramar esse sistema a partir de outras lógicas. Não basta ensinar a programar. É preciso também hackear os imaginários, ocupar os bastidores, os conselhos, os editais, os algoritmos. É preciso que a presença de mulheres negras deixe de ser exceção para se tornar regra. Porque quando somos parte da criação, a tecnologia ganha outro ritmo, outro sotaque, outra visão de mundo.
Um exemplo potente dessa virada é o projeto Faces Negras Importam, do Banco do Brasil. Usando inteligência artificial, o projeto reconstrói visualmente personagens negras da nossa história — como Maria Felipa e Tereza de Benguela — que foram sistematicamente apagadas pela narrativa oficial. É IA sendo usada não para vigiar, excluir ou filtrar, mas para lembrar, recuperar e valorizar. Isso também é futuro. E é o tipo de inovação que queremos ver pulsando nos grandes centros de decisão.
Mas nenhuma iniciativa isolada dá conta se não houver mudança sistêmica. Políticas públicas precisam garantir acesso e permanência de mulheres negras nas áreas de ciência, tecnologia e engenharia. Empresas privadas precisam ir além da foto da diversidade no LinkedIn. Precisam revisar seus critérios, seus algoritmos, seus processos de promoção. Precisam entender que inovação sem interseccionalidade é apenas um salto tecnológico com o pé fincado na desigualdade.
Inteligência artificial não pode ser sinônimo de apagamento programado. O futuro não pode ser escrito em código binário, mas em pluralidade. E nisso, nós, mulheres negras, temos muito a ensinar — sobre memória, justiça, reinvenção e sobrevivência. Não queremos apenas que a IA nos veja. Queremos que ela nos reconheça. E, sobretudo, que nos respeite. O futuro da tecnologia precisa ser coletivo, plural e antirracista. Não queremos apenas consumir o que vem da inteligência artificial — queremos programar, regular, auditar e decidir. Queremos que o código reflita nossas histórias, nossos corpos e nossas narrativas. Porque inteligência de verdade só existe quando considera a dignidade de todos os sujeitos.
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