
Em conversa animada com o saudoso Professor Eduardo de Oliveira, autor do Hino à Negritude, ele comentou que em dada ocasião, lá pelos idos da década de 1950, estava em campanha para ser candidato a vereador no Município de São Paulo. Então teve a brilhante ideia de fazer a rifa de um liquidificador, utensilio doméstico muito disputado na época. Em um baile da moçada, ele apresentou a seguinte ideia: cada pessoa que apresentasse o seu título de eleitor ganharia um número para concorrer ao liquidificador. Foi um alvoroço no baile. Porém, qual foi a grande surpresa? No baile, que deveria ter cerca de mil pessoas, quase ninguém tinha o título de eleitor. A maioria dos presentes era analfabeta e não tinha o direito de votar.
O direito ao voto dos analfabetos só foi conquistado em 1985. Há pouco mais 40 anos! Pouca gente sabe, mas durante o período de escravização, as pessoas negras foram proibidas de frequentar a escola. A Lei nº 1 de 14 de janeiro de 1837 soma-se a outras leis e portarias de províncias e de instituições de ensino, que deixaram demarcado de forma explícita o impedimento de pessoas negras de estudarem. As poucas escolas públicas criadas no início do século XIX foram proibidas aos homens negros e mulheres negras.
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Lei n. 1, de 1837, e o Decreto nº 15, de 1839, sobre Instrução Primária no Rio de Janeiro, o Artigo 3º da lei de 1837 dizia: “São prohibidos de frequentar as Escolas Publicas: 1º Todas as pessoas que padecerem de moléstias contagiosas. 2º Os escravos, e pretos ainda que sejão livres, ou libertos” [sic]. Ao longo do século XIX, o esforço de ensinar a ler e escrever coube às Irmandades de cor, aos Clubes Sociais Negros e às Organizações Negras, que criaram a imprensa negra e as iniciativas de professores negros como professor Pretextato, em 1856, no Rio de Janeiro e Antônio Cesarino, em 1860, na cidade de Campinas no estado de São Paulo . O Estado brasileiro se omitiu e proibiu que os negros pudessem frequentar escolas.
Os efeitos desta tragédia humana impactaram no acesso à educação e criaram obstáculos à participação política de homens e mulheres negras. A aprovação da Emenda Constitucional nº 25 de 1985 iniciou mudanças a esse cenário e, em seguida, a Constituição Federal de 1988 ampliou o direito ao voto de pessoas analfabetas. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um arcabouço reconhecendo a importância da educação para pessoas negras, em especial os Artigos 4º,5º, 205º,206º,208º,211º,212º, 212ºA, 213º e 214º. O resultado desses marcos institucionais, fruto da luta do movimento negro, é que hoje podemos formular políticas públicas de equidade para enfrentar as múltiplas desigualdades que ainda persistem em nosso sistema educacional.
O Ministério da Educação, no dia 14 de maio de 2024, lançou a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (PNEERQ) coordenada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi). O objetivo é fortalecer ações e programas educacionais sobre relações étnico-raciais e a educação escolar quilombola, com impacto em 5.570 municípios das 27 unidades federativas. Uma verdadeira revolução, como nunca foi realizado na história da educação brasileira. É a continuidade de um processo de reparação histórica, realizada pela luta do movimento negro ao longo do século XX e XXI contra a omissão e o racismo do Estado brasileiro.
Neste primeiro ano, houve adesão recorde à PNEERQ: de 97,3% das secretarias municipais e 100% das secretarias estaduais. Nos estados de Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro, houve a adesão de 100% dos municípios, reforçando o compromisso nacional com a implementação da política. Sua capilaridade é assegurada por uma rede nacional de governança, composta por mais de 1.500 agentes de articulação e formação distribuídos em todo o território nacional. Até 2027, a PNEERQ investirá R$ 1,5 bilhão em ações afirmativas para educação básica brasileira.
Para a secretária da Secadi, Zara Figueiredo, a PNEERQ, que completou um ano, é tida como a política mais estratégica do MEC para promover equidade racial na educação básica. “É a primeira vez que introduzimos um princípio de ação afirmativa na educação básica. Ela nasce da certeza de que existe uma dívida histórica com a população negra e quilombola, mas, também, do reconhecimento de todos os que vieram antes de nós e pavimentaram este caminho. Equidade racial e educação para as relações étnico-raciais dizem respeito à garantia do direito à educação, com um padrão de qualidade para essas populações”, ressalta.
Conhecendo o professor Eduardo de Oliveira, acredito que ele daria uma gargalhada bem gostosa de alegria com os resultados e o impacto do PNEERQ na vida de nossa gente, ele, que foi sempre otimista em relação à força do movimento negro no enfrentamento do racismo. Depois, eu o veria com o semblante sério, e com a voz animada nos convidaria a entoar os versos do Hino à Negritude:
“De um passado de heróico labor
Todos numa só voz
Bradam nossos avós
Viver é lutar com destemor
Para frente marchemos impávidos
Que a vitória nos há de sorrir
Cidadãs, cidadãos
Somos todos irmãos
Conquistando o melhor por vir
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez”
Em 28 de maio de 2014 foi promulgada a lei nº 12981 que dispõe do hino à Negritude de autoria do Professor Eduardo de Oliveira (1926-2012).
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