Por: Ricardo Côrrea
No que se refere ao carnaval, Dona Ivone Lara cravou seu nome na história como a primeira mulher a integrar uma ala de compositores. A sambista carioca nasceu em 1921, e como bem sabemos a cultura machista era totalmente normalizada naqueles tempos, a maioria dos homens consideravam que “lugar de mulher era pilotando o fogão”. Também tinha o racismo seguindo a todo o vapor, pois a abolição da escravatura havia acontecido há um pouco mais de três décadas. Então, a relação entre o machismo e o racismo tornava os desafios das mulheres negras mais difíceis. Não que essa condição tenha mudado nos dias atuais, a tripla opressão (raça, gênero e classe) continua sendo determinante em suas vidas. E como Dona Ivone Lara estava consciente dessas questões, optou pela busca de estabilidade profissional/econômica, em vez de se dedicar de “corpo e alma” à música.
Notícias Relacionadas
Larissa Luz no AFROPUNK: Um espetáculo visceral de música e dança
Aliados ou Protagonistas? O perigo de brancos ‘salvadores’ no agenciamento de carreiras negras
Depois do falecimento do pai, a mãe de Dona Ivone Lara a colocou em um internato exclusivo para mulheres onde ficou até os dezessete anos; nesse período a sua mãe também veio a falecer. No internato estudou música erudita, e se destacou. Uma das suas professoras e admiradora foi Lucília Villa-Lobos, casada com maestro e compositor Heitor Villa-Lobos. No entanto, em casa o clima era diferente, Dona Ivone Lara respirava samba com amigos, parentes, comunidade “O samba estava muito presente na minha vida desde cedo, na casa dos meus tios, dos meus pais, e não era uma coisa malvista por eles, pelo contrário. Era apreciado, respeitado, e até incentivado.” Certo dia, Dona Ivone Lara foi atrás do primo Fuleiro, também compositor, para que apresentasse as suas músicas nas rodas de samba, mas sem mencionar a sua autoria (não esqueçamos do machismo da época). Ela até ficava satisfeita vendo a receptividade do povo com relação às musicas, mesmo que ninguém soubesse que eram escritas por ela. A artista continuava determinada na busca da estabilidade “Desde cedo aprendi que quem tinha que cuidar de mim era eu mesma.”
Dona Ivone Lara entrou de cabeça na área de enfermagem, e depois de formada foi contratada na instituição psiquiátrica Colônia Juliano Moreira; tempos depois estudou para assistente social, e entrou no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II onde se aposentou. Paralelo às atividades profissionais, tocava caquinho, cantava, envolvia-se no meio dos sambistas, nas atividades das escolas de samba, especificamente, a escola Prazer da Serrinha. Para participar do Carnaval, agendava as férias do trabalho nesse período.
O Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano foi fundado no dia 23 de março de 1947, nesse mesmo ano Dona Ivone Lara integrou oficialmente a ala de compositores. E, em 1965, assinou o samba enredo “Os cinco bailes da história do Rio” junto com os compositores Silas de Oliveira e Bacalhau. Um marco na história das escolas de samba. A escola de samba Império Serrano conquistou o vice-campeonato com o enredo, e dali em diante Dona Ivone Lara começou a ganhar notoriedade, entretanto, a dedicação integral no mundo da música aconteceu somente depois da aposentadoria, aos 56 anos. Após a belíssima carreira, faleceu em 2018.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BURNS, Mila. Nasci pra sonhar e cantar – Dona Ivone Lara: a mulher no samba. Rio de Janeiro: Record, 2009.
Notícias Recentes
Lançamento de “Aspino e o boi” leva memórias quilombolas à literatura infantil
Novembro Negro | Seis podcasts e videocasts apresentados por mulheres negras para acompanhar