Nesta quarta-feira (31), dia do aniversário do Golpe de 1964, o Brasil relembra um pouco mais da sua história e e reforça o “Ditadura nunca mais”, movimento para lembrar que a ditadura instaurada há pouco mais de 50 anos no Brasil não foi bom para o país seja no sentido político, social ou econômico. Milhares de fotos e depoimentos de militantes da época são trazidos à tona para relembrar a dor daquele momento.
Contudo, em meio a tantas lembranças e respeito por aqueles que lutavam e protegiam a democracia, muitas conquistas são mostradas por apenas um tom de pele, o jovem de classe média e branco que lutava a pedido de sua liberdade.
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Onde estavam e o que aconteciam com os defensores democráticos pretos que ali estavam? E por qual motivo não estão estampados em camisas e cartazes que relembram essa época? O que não é mencionado, mas é um fato verídico, é a repressão nas lideranças negras e ao seu movimento político. Consta, nos documentos analisados, a morte em média de 41 lideranças pretas em questões de meses. Algumas famílias revelam que seus filhos saiam e apanhavam apenas por estarem com black power, outras que eles estão desaparecidos até hoje.
O primeiro marco de espionagem do movimento negro aconteceu em 7 de Fevereiro de 1975, com um documento enviado pelo Exército brasileiro ao Serviço Nacional de Informações (SNI) ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) com a notícia de um grupo de jovens negros no Rio de Janeiro com “nível intelectual acima da média” que tinham o objetivo de “criar clima de luta racial entre brancos e pretos”.
Em agosto de 1978, um documento da Polícia Federal do Rio Grande do Sul mostra como os órgãos de investigação da ditadura tiveram preocupação. “Esses movimentos revelam o incremento das tentativas subversivas de exploração de antagonismos raciais em nosso país, merecendo uma observação acurada das infiltrações no movimento ‘black’, tendo em vista que, se porventura houver incitação de ódio ou racismo entre o povo, caberá a Lei de Segurança Nacional”, dizia num trecho.
Os documentos apontam para a inspiração do movimento negro brasileiro para as lutas pelos direitos civis nos EUA e pela libertação dos países no continente africano, tudo isso enquanto lutavam ainda pela sua liberdade e pelo fim da ditadura de seu país. Enquanto pessoas brancas estavam lutando pelo Brasil, os negros na mesma época tinha uma luta muito maior, eles pediam pela democracia brasileira, lembravam dos países africanos e dos direitos civis dos EUA, algo que não é falado até hoje.
Thula Pires, uma das intelectuais que insistiu para que Comissões da Verdade incluíssem a questão racial, usa o termo “colorirmos nossa memória” para relembrar a violência policial que caiu sobre a população nesse período em diversas formas diferentes, umas delas a crueldade relatada em documentos do DOPS que constam para a população.
Uma das violências causadas para o povo preto que foi lembrada no dia de hoje pela pesquisadora e doutorando em direito Natália Neris em seu twitter, foi a relatada pelo grupo de lideranças de favelas da época, conhecidos como “Xavante”;
“(…) teve uma época que eu lembro muito bem, que a gente saindo do baile tinha aquela polícia naval que fazia ronda e a gente saiu e eles foram atrás da gente, entendeu? Correram, saíram atrás da gente, pegou o nosso grupo, que a gente saía daqui da Rocinha e ia dançar lá para aqueles lados (…) eu tinha um cabelo que era um black grande, e os caras cortaram nosso cabelo, deixaram a gente careca.” O mesmo grupo de líderes ainda lembrou que nesta noite não dormiram em casa.
“Cortou nosso cabelo e deu um banho na gente de água gelada. E ficamos lá até a tarde do outro dia. Foi numa sexta feira, aí quando foi no sábado a tarde eles liberaram a gente.”
Em 1979 ainda foi criado o grupo Movimento Negro Unificado (MNU) que lutavam para que torturas psicológicas e físicas – como a mostrada acima – não fossem mais realizadas em pessoas pretas apenas por usarem black power.
De origem baiana o grupo começou a ser notado por militares, que até infiltraram pessoas dentro das reuniões. “O método utilizado foi a infiltração em entidades dedicadas ao estudo da cultura negra, por meio de palestras em reuniões e simpósios”, informou.
A investigação espiã deixou clara uma preocupação específica com a Bahia, que estaria liderando o movimento com a temática negra no país. Da espionagem saíram nomes de líderes que deveriam ser acompanhados. Muitos deles viriam a ser presos numa tentativa de enfraquecer o movimento.
A repressão, infiltração e guerra com lideranças negras causaram a morte e o desaparecimento de nomes importantes na política brasileira, como Carlos Marighella, Helenira Rezende de Souza, Osvaldo Orlando da Costa, conhecido como “Osvaldão”, entre outros.
É questionável notar que todas as lideranças pretas do período não são vistas em estudos didáticos e muito menos lembradas por internautas que clamam pela democracia. O movimento negro que lutou e teve seus cabelos cortados, banhos frios levados, trancafiados noite a fora ou ainda estão desaparecidos, não são vistos nem na memória de seu próprio povo e nem nas aulas de história.
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