Jornalista Monique dos Anjos, criadora da página Contos Erógenos, fala sobre a diversidade de seus contos e destaca a importância de colocar diferentes corpos e perspectivas no centro de suas histórias
O Dia do Sexo é uma data comercialmente criada por uma marca de preservativos, mas que com o passar tem ganhado novos significados e gerado reflexões importantes sobre a sexualidade. Escritora, jornalista, consultora de comunicação antirracista e mãe de três filhos, Monique dos Anjos resolveu colocar a mulher negra no centro de seus contos eróticos, criando narrativas que mostram o despertar para o prazer sexual a partir das palavras, do respeito aos limites do corpo e do autoconhecimento.
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Criadora da página Contos Erógenos, ela nos contou que a ideia de criar uma página de contos voltadas para mulheres surgiu da paixão pela escrita e da experiência no jornalismo em escrever histórias do universo feminino. “Escrever sempre foi minha paixão. Além de ser algo que faço profissionalmente a escrita também é uma forma de terapia para mim, o jeito que eu encontro para colocar os pensamentos e, principalmente, sentimentos em ordem. Somado a isso tem o fato de eu trabalhar produzindo conteúdo sobre o universo feminino desde os tempos da universidade. Comecei como repórter de revistas femininas em 2005 e migrei para a internet em 2008 onde segui pesquisando questões de gênero. O que faltava para formar a base dos meus contos eróticos para mulheres era uma melhor compreensão das questões raciais. Tanto que ao decidir escrever esses textos não fui atrás de informações sobre sexualidade, mas sim de ancestralidade, sobre a vida da mulher negra e como ela é vista na sociedade”, conta.
“O ponto de virada, porém, foi um comentário racista e sexista que ouvi de um homem branco durante um curso que eu ministrava justamente sobre racismo. Ele falou sobre como podia elogiar mulheres perto da esposa contanto que essas mulheres fossem negras, foi algo difícil de digerir e só depois que eu tive um melhor entendimento do contexto é que me libertei do sentimento de constrangimento. Eu entendi que essa manifestação racista era algo bem comum na nossa sociedade que vê a mulher negra como propriedade. Estão sempre tentando ditar como devemos viver nossa sexualidade. Se por um lado somos tidas como hiperssexuais, num claro resquício dos tempos coloniais onde, não esqueçamos, éramos forçadas a satisfazer os colonizadores, por outro também vivemos a margem das relações afetivas. Tanto que somos o grupo que mais vive em celibato. Foi aí que veio a decisão: eu tenho o direito de viver e expressar minha sexualidade da forma que eu desejo, sem passar pelo julgamento ou determinação de outras pessoas e acredito que esse é um direito de todas nós”, continua a escritora.
Para além da expressão da própria sexualidade, Monique revela que as histórias que escreve em seus contos também ilustram desejos conhecidos de outras pessoas: “Eu costumo falar que eu escrevo os contos de uma forma muito natural e espontânea. Me perguntam quanto tempo eu levo para produzir e é um processo rápido porque o simples fato de eu ver uma troca de olhares na rua, de eu entrar num lugar, em uma adega e uma pessoa se aproximar e já imagino ‘Nossa, dali sairia um roteiro inteiro’. Então tudo e muito me inspira, e ao mesmo tempo eu consigo escrever enquanto tem Galinha Pintadinha tocando ali ao fundo. Aí você pergunta quanto disso traz da minha própria sexualidade. Eu acho que não dá para a gente determinar onde começa a minha história, as minhas intenções e onde vai a história das personagens. Até porque eu devo ter quase 30 contos publicados com muitos detalhes, com situações que às vezes envolvem trio, às vezes são duplas, às vezes ele e ela, ela e ela, ela ele e ele, ela ela e ele. Ou seja, tem uma série de combinações que na verdade são resultados de muito do que eu conheço. De coisas que eu já li, de texto da Audre Lorde, de texto de outras mulheres brasileiras, inclusive, que estão produzindo conteúdo erótico, de filmes. Já assisti a um filme que me inspirou e falei ‘nossa, vou criar uma outra cena, uma outra situação com esses personagens’. Então, é aí que está a representação da minha sexualidade, porque tudo passa de certa forma por coisas que me interessam. Eu não escreveria nada que para mim soa violento ou que passaria dos limites do que eu considero saudável. Mas ao mesmo tempo eu já brinquei com meu marido de mandar para ele um texto, meu primeiro leitor, eu falo: ‘O que você achou?’ E digo: ‘Não se atreva a reproduzir nada disso, tá? Isso tá no conto’. Até porque eu acho que seria muito injusto eu usar como mecanismo de expressar o que eu tenho como desejo inconsciente, escrever, publicar e para quê então isso chegasse a de fato acontecer. Então não são desejos reprimidos, mas eu acho que é a ilustração de desejos conhecidos e que também passam pelas entrevistas todas que eu já fiz com muitas mulheres sobre sexo. Então eu tenho bastante repertório, bastante conteúdo, desde conversa de bar com amigas que, imagina, agora vão descobrir que elas também são temas desses contos, até coisas que eu fiz profissionalmente”.
Quando questionada sobre como diferenciar o papel da mulher negra que fala sobre sexualidade do lugar de subserviência que a sociedade costuma nos colocar, a escritora explica que a palavra-chave é protagonismo: “Eu vou citar dois nomes que são a Grada Kilomba e Audre Lorde. A Audre Lorde porque fala muito de erotização como forma de poder. E ela reivindica que o erótico seja dissociado do pornográfico, porque para ela erótica é uma força vital que por conta de uma sociedade que é patriarcal e que é conservadora acabou sendo associada com o que era a pornografia ou que era indevido, quando na verdade é uma força de energia produtiva, criativa, que todo mundo deveria estimular. Então eu vejo nesse ângulo e principalmente falando da Grada Kilomba, que é uma pesquisadora que fala sobre silenciamento da mulher negra e como o conhecimento da mulher negra é desacreditado. Então as pessoas não se interessam pelo que a mulher negra tá falando ou desqualificam. Então eu estou aqui para justamente falar que o ponto de vista da mulher negra precisa, pode e deve ser passado por uma mulher negra. Então a diferença está no protagonismo, está no fato de que eu sou sujeito e sou autora, determinando como é que isso vai ser dito, de que forma isso vai ser expressado. Então eu diria que a palavra chave é protagonismo e é o fato de isso vir de mim, uma mulher negra”.
Mas afinal, mulheres negras querem falar sobre sexo?
“Mulheres negras não só querem falar sobre sexualidade, sobre bem-estar sexual, como elas precisam, elas merecem. Eu me peguei em algum momento da pandemia, porque foi no meio da pandemia ou logo antes que eu comecei a escrever os contos de fato e publicar, pensando ‘Poxa, será que eu não tô sendo leviana? As pessoas passando situação de extrema pobreza e insegurança alimentar e eu aqui falando sobre sexualidade, sobre sentir prazer’, mas aí eu pensei ‘agora até isso vai ser privado, vai ser tirado de nós o direito de sentir prazer?’ A gente já vive em um mundo que zela pela produtividade, pelo ganho, pela posse, pelo bem, pelo que você adquire, e com tantas limitações, aquilo que é inerente a nós, que é o sentir e sentir prazer vai ser cerceado? Não! Tem que ser explorado mesmo. Mulheres, especialmente as mulheres negras, precisam entrar em contato com a sexualidade porque é algo que é parte de nós e que ninguém mais vai fazer por nós. Parece meio óbvio, mas é porque na lista de afazeres que a gente tem, dupla jornada, trabalhos invisíveis e todos esses cargos que a mulher negra assume, pensar em prazer fica parecendo a última coisa que a gente quer colocar na lista. Mas a questão é isso, deveria ser uma prioridade, assim como é a manutenção da nossa saúde mental e a nossa saúde física, emocional, ou seja, cuidar da saúde sexual. Porque não deixa de ser uma forma de você se descobrir e de você se descolonizar, ou seja, de você olhar para o seu corpo, não da forma que te ensinaram, mas da forma como ele realmente é, da forma como você percebe”, acrescenta.
Monique dos Anjos defende a diversidade das mulheres em seus contos e sugere caminhos para que possamos buscar novas formas de erotismo, que fujam dos métodos heteronormativos e falocêntricos e que contribuam com uma vida sexual consciente: “Ainda que o streaming e ainda que a produção de audiovisual tenham aí suas pitadas novas de diversidade, a grande verdade é que a gente não se vê representado em contextos sexuais saudáveis. Isso vale tanto para a produção de contos eróticos quanto para a produção de filmes pornográficos, para histórias românticas. A gente não está. Então é óbvio que a gente não se imagina e não se coloca nessas situações. E é por isso que eu acho que mulheres precisam sim, não só falar sobre sexo, mas pesquisar, se informar e escrever. A gente vai levar anos para conseguir sobrepor a quantidade de produções que são racistas, heteronormativas, machistas, falocêntricas que a gente tem na internet hoje. Então, a gente precisa também fazer essas buscas quando a gente quer pensar em bem-estar sexual. Tem produções novas de mulheres. Escreve lá, ‘conto erótico para mulheres’, ‘escrito por mulheres’, ‘conto erótico feminista’, tem vários nomes, mas a única diferença entre tudo que já existe e o que a gente está fazendo hoje, o que eu estou fazendo hoje é colocar como centro da história, a perspectiva e o desejo de uma mulher, especialmente uma mulher negra. Os meus contos não falam só sobre mulheres negras, também tem mulheres que não são as novinhas, têm mulheres mães, têm mulheres mãe solo, mulheres casadas, gordas. Então é tudo de diversidade? Não, acho que é tudo que retrata o mundo. Tudo que eu vejo na sociedade e muito do que eu me identifico também”, finaliza.
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