“Eu fui tão injustiçada que eu decidi buscar por justiça”, Zaira Castro fala sobre sua trajetória enquanto mulher negra e suas ambições enquanto mulher negra no direito.
No dia 11 de agosto é comemorado o dia do advogado, e inúmeros juristas negros fazem um excelente papel na luta contra o racismo institucional do Brasil e a doutora Zaira Castro é uma delas.
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A jurista teve seu primeiro contato com a área cedo, aos 8 anos de idade enfrentou o seu pai no tribunal e ali descobriu o que queria fazer de sua vida, se tornar uma advogada e lutar por justiça.
Muitos acontecimentos de sua infância e adolescência reverberaram nas suas escolhas de formação e hoje a advogada tem forte presença no ramo de Direito da Família e na luta contra a violência doméstica. Zaira tem ainda participações em diversos coletivos, e na companhia de outras juristas luta pelo espaço e reconhecimento de mulheres e negras na advocacia.
Em conversa com o Mundo Negro, a jurista contou um pouco de sua trajetória no direito, relembrou onde já esteve e onde pretende chegar nessa caminhada por um país mais justo para as mulheres e sem racismo.
MUNDO NEGRO
Nos conte um pouco sobre sua trajetória na área, motivação para a escolha do direito e sua área de atuação?
ZAÍRA CASTRO
Eu tinha oito anos de idade, o meu pai não me registrou de fato, e a gente foi parar na justiça, por uma decisão minha. Estávamos eu minha mãe e ele, que diante daquilo tudo dizia que não era meu pai e eu lembro que a juíza pediu para eu sair da sala e eu fiquei no corredor, mas escutava a discussão deles. E no final a juíza me chamou e conversou comigo, ela disse que era uma menina muito inteligente e perguntou o que eu queria fazer e eu lembro que naquele momento eu disse que queria cursar direito e ela olhou para mim e disse “Então estude! Para que amanhã você possa mostrar ao seu pai onde você conseguiu chegar” Para amanhã você estar aqui sentada nesse lugar”.
Na minha família eu fui a primeira a ter uma graduação e apesar do meu pai não ter me assumido, isso me motivou a ser alguém melhor. Cresci vendo minha mãe sofrer, uma mulher, negra, e solteira criando eu e minhas irmãs com muita dificuldade, eu olhava e não queria passar por aquilo. E essa história dos meus oito anos de idade diante de uma juíza dentro de um fórum diante dos meus pais é o que me conduz a história do direito, tanto que eu atuo em muitos casos de família. Tá aí o princípio de tudo foi a partir daí que começou minha história com direito, quando criança eu sofria tanto racismo, tanta coisa, tanto preconceito… Eu acho que durante toda minha vida eu fui tão injustiçada que eu decidi buscar por justiça e minha história é um pouco disso.
MUNDO NEGRO
Quando falamos sobre juristas negras, já imaginamos que seja uma grande dificuldade ocupar esse espaço majoritariamente masculino e branco, como foi para você as primeiras experiências, enquanto mulher negra advogando?
ZAIRA CASTRO
Como jurista Negra as primeiras experiências no âmbito do jurídico, foram muito complicadas principalmente nas questões da delegacia de atendimento à mulher, porque eu normalmente era barrada, não era tratada como advogada. Então passei a ter que andar com a carteira da OAB na mão para não ser questionada, se eu era advogada ou não. Era chegar no fórum e ter que ficar mostrando a carteira, perguntavam se eu realmente era a advogada do processo. Porque, por mais arrumada que eu estivesse, pela questão do racismo eu sempre era questionada. Num primeiro momento foi muito complicado lidar com isso, a área do direito é elitista as leis foram criadas para os brancos, eu acho que de início a lei ela é até um pouco racista, é um sistema muito complicado pra lidar.
MUNDO NEGRO
Nos conte sobre seus planos na sua carreira, sua colaboração no coletivo Minissaia e no coletivo Abayomi – Juristas negras pode nos contar um pouco sobre a finalidade desses projetos, e a importância da existência deles?
ZAIRA CASTRO
Acaba que na área a fica gente muito sozinha né, sofre a solidão… Por isso que muitas agora estão se unindo e participando de coletivo de juristas negras para unir forças, nesse enfrentamento.
Na grande São Paulo foi feito uma pesquisa nos grandes escritórios e só 1% dos advogados contratados nesses escritórios são negros. Daí você tira como é o âmbito do jurídico, quantos advogados negros, bem estruturados nós vemos? Juízes, promotores e procuradores? Então é uma área que a gente tem que estar enfrentando, deliberando, atuando, lidando e indo de encontro até com a própria LEI enfrentando e questionando isso.
O coletivo minissaia tem como objetivo reunir influenciadores digitais para dar oportunidade de mostrar o quanto mulheres são protagonistas, críticas sociais e mulheres de personalidade marcante. Então essas são algumas da motivação do coletivo, ele propõe o empoderamento feminino, dá visibilidade as formadoras de opinião quanto à ativismo social, produção de ideias geração de conteúdo, luta e todo o enfrentamento de violencia contra a mulher, gordofobia, transfobia, e o racismo. O projeto foi idealizado por Rodrigo Almeida justamente para reunir influenciadoras e para movimentar mesmo, dar voz e ocupar espaços.
Já Abayomi – Juristas negras é uma coletiva de afroempreendedorismo Social com o objetivo de combater de maneira estratégica o racismo estrutural. E ele oferta a capacitação, aperfeiçoamento, empoderamento e treinamento para criar condições efetivas de inclusão da população negra em espaço de poder, com foco em cargos nos orgãos que compõem o sistema de justiça. Sou parceira do Abayomi – Juristas negras que tem toda metodologia de estudo pra colocar mulheres negras em ascensão e em espaços de poder. A gente acredita no “eu sou porque nós somos” e caminhamos para ocupar esses espaços de poder e enfrentar o racismo estrutural.
E unindo todos esses coletivos que busquei uma advocacia mais afrocentrada, já que eu atuo nessa frente de combate ao racismo, violência contra a mulher, intolerância religiosa. Eu milito muito nessa questão de defesa e contra a injustiça, em parceria com o Dr. Fernando Santos e Dr. Luanda Rodrigues, a gente foca em ajudar os nossos, fazer uma advocacia com atuação na ocupação de espaço no jurídico, nos fortalecendo. Por que não é fácil sermos respeitados, normalmente confundem a gente com o cliente e não como o patrono advogado da causa, quando chega no fórum. Então temos buscado a erradicação do racismo estrutural.
MUNDO NEGRO
No ano de 2020 muito se falou sobre racismo e o movimento “black lives matter”, mas as campanhas não se estendem, e o antirracismo não é colocado em prática no dia a dia. Juridicamente falando o que têm sido feito hoje, para mudar essa realidade? Para evitar que corpos negros continuem sendo assassinados e marginalizados?
ZAIRA CASTRO
Infelizmente quando nós lidamos com um racismo estrutural, (que houve inclusive uma legislação que exterminavam os nossos) pra erradicar a desigualdade, o racismo e mudar essa realidade, além de toda a ocupação, vozes e luta, nós precisamos nos unir mais, de uma forma estratégica, e como diz a promotora Livia Vaz constranger a branquitude e para além disso, movimentar. Por isso a ideia de ocupar os espaços de poder, porque a gente entende que quem tem poder é aquele que caneta, então a gente só pode mudar esse país racista, se a gente estiver ocupando esses espaços. Apesar de sermos mais de 56% da população, a gente não consegue eleger governantes pretos, a gente não consegue ter em sua maioria, juízes, promotores, procuradores e advogados negros atuando bem estruturados com grandes escritórios. Para evitar que corpos negros continuem sendo assassinados e marginalizados, a gente precisa para além de ocupar esses espaços se unir de forma estratégica. Mesmo que todos os coletivos e militantes se unam de forma uníssona e estratégica a gente precisa de uma mudança parlamentar, políticas públicas e que os governantes possam ter um olhar e mudar isso, investir na educação e no sistema judiciário. Além dos espaços que já vem sendo ocupado na mídia, as vezes falta mais, é naquele momento e depois passa. precisamos de ações diárias e concretas, atos para além dos discursos, em geral, pra branquitude para os políticos, judiciário e parlamentários, serve para todos nós. Só vai existir mudança a partir da consciência individual, o mundo está passando por isso para se evoluir, como indivíduos precisamos ressignificar o que foi estruturado.
MUNDO NEGRO
Para falar sobre conquistas, no mês de junho você teve sua foto espalhada pelas ruas da Capital paulista, na campanha que mostra e incentiva o trabalho de mulheres pretas no combate ao racismo. Qual a importância desse trabalho em tempos como esse e como está sendo essa experiência? Tem gente nova chegando no seu perfil, como têm sido falar sobre racismo para esse público novo?
ZAIRA CASTRO
A campanha estar espalhada pelas ruas da capital paulista para mim, foi importante. É uma questão valorização, porque eu fui contratada para estar nesses painéis, eu estava enquanto profissional, jurista, mulher e negra. Eu como negra retinta, ser reconhecida na grande São Paulo para mim, foi de um afago inenarrável, reconhecimento que me trouxe muita gratidão. Me fez perceber que lutando a gente vence, eu escolhi o caminho do direito e amo esse caminho, se tiver que dar a minha vida e doar em prol dos nossos é o que farei e estou fazendo…
Eu tenho sido convidada para outros eventos, para dar entrevista, para participar de grandes palestras, tudo isso pra mim tem sido de grande valia, mostra que temos avançado um pouco.
Eu fiquei feliz, tem chegado pessoas novas no meu Instagram, mas eu ainda percebo que por se tratar de uma mulher negra retinta, não traz a quantidade que traria se fosse uma mulher branca ou se tivesse uma pele mais clara.
Nosso Brasil tem muito ainda que evoluir nesse paradigma de quebra de racismo, falar sobre racismo para as pessoas tem sido muito tranquilo, mas a questão não é o falar, é o praticar. Para mim não basta falar, quero que meus atos e minha vida propaguem o mundo, é o que busco, sempre falo com essência e com meu coração, busco por verdade e justiça, o reconhecimento tem sido bom, por meio desses painéis, mas poderia ser melhor, se não fosse o racismo.
Zaira Castro é bacharela em direito, advogada. Especialista em direito público. Conhecida publicamente como Jurista Negra pela atuação em causas antirracistas. Atua na área de direito de família desde a faculdade e já fez a diferença na vida de dezenas de mulheres vítimas de violência doméstica e segue fazendo, é um nome a ser homenageado no dia de hoje. Segundo a jurista, a luta antirracista não se vence sozinho, e a ocupação de pessoas negras nos espaços de poder é um caminho para isso, para além da sua formação a advogada se dedica em projetos com foco na capacitação de juristas negros no enfrentamento ao sistema racista do país.
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