No dia 21 de novembro de 2024, às 9h da manhã, haverá uma audiência pública para decidir sobre o futuro do nome do hoje Hospital Nina Rodrigues, em São Luís, no Maranhão. Nesse ato aberto e público, todos os cidadãos poderão participar do julgamento, o “réu” é o médico legista Raimundo Nina Rodrigues, um dos principais nomes responsáveis por difundir teorias eugenistas, que colocam o negro como ser não evoluído, no país. Nasceu em 4 de dezembro de 1862, no mesmo estado do julgamento, na cidade de Vargem Grande. Seria só parcialmente verdade afirmar que o acusado é Nina Rodrigues, pois de fato, o que está em questão é o nome do hospital que atualmente leva o seu nome.
Homenagear, segundo o dicionário online Dicio, significa “demonstrar publicamente admiração e respeito por alguém”. Diante desta definição surgem algumas questões: será que pessoas com um passado controverso deveriam dar nome a ruas, avenidas, pontes, praças e edifícios? Quais sujeitos históricos merecem tal demonstração pública de admiração? Quem são os homens (maioria massiva) homenageados com estátuas que marcam a paisagem das grandes, médias e pequenas cidades pelo Brasil?
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O assunto não é novo e nem pouco debatido. Mas você já parou para pensar qual é o nome da maior ou mais conhecida avenida da cidade que você mora? Você sabe quem foi essa pessoa? Quem estamos honrando ao colocar certo nome num espaço? Este texto tem mais perguntas do que respostas. Porém, juntos e juntas chegaremos a algumas respostas e com sorte produziremos novas indagações.
Nos últimos anos, o debate sobre monumentos e suas homenagens controversas ganhou destaque na mídia e nos debates acadêmicos, sobretudo entre os historiadores.
O ponto inicial da retomado do assunto, ocorreu em 2020, com a mobilização internacional gerada pelo assassinato de George Floyd, das inúmeras manifestações populares em resposta ao ato racista, uma terminou com a derrubada da estátua de Edward Colston, na cidade de Bristol, na Inglaterra. Edward Colston foi um alto funcionário da empresa Royal African Company, que no século XVII traficou milhares de escravizados africanos para trabalharem nas colônias inglesas, no Caribe e nas Treze Colônias, conforme apresenta o historiador Jorge Amilcar Santana no livro Galeria de Racistas. Em 2021, no Brasil, na zona sul de São Paulo, a estátua do bandeirante Borba Gato foi incendiada. Nos dois casos citados os homenageados participaram da escravização de pessoas.
No caso de Nina Rodrigues, o autor do processo, o advogado Thiago Cruz, defende a “incompatibilidade da homenagem prestada a uma figura histórica que sustentava ideias racistas e eugenistas” como apresentada na ata da audiência inicial. Para que você, leitor e leitora formule sua acusação ou defesa, apresento alguns dados sobre a trajetória de Nina Rodrigues. Em 1882, ele começou o curso de Medicina na Bahia e fez parte dos seus estudos no Rio de Janeiro. Anos depois retornou para Salvador e em 1889 tornou-se professor na Faculdade de Medicina da Bahia, conforme consta no livro As Ilusões da Liberdade de Mariza Corrêa.
Nina Rodrigues fez parte de um grupo de cientistas que no final do século XIX e início do século XX formulava acerca das teorias raciais, sobretudo o darwinismo social e a eugenia no Brasil. Um dos livros mais famosos de Nina Rodrigues é O animismo fetichista dos negros baianos, de 1896 onde o autor descreveu práticas religiosas de candomblés de Salvador, algumas de suas frases fica explicita a adesão as ideias eugenistas, como, “incapacidade psíquica das raças inferiores para as elevadas abstrações do monoteísmo” (p.27); o dualismo dos negros é, pois, ainda o dualismo rudimentar dos selvagens (p.41); dos espíritos simples, incultos e supersticiosos como os dos negros (p.72); do fraco desenvolvimento intelectual dos negros africanos (p.90), são alguns exemplos.
Sabe aqueles estudos de medição de crânios? Nina Rodrigues também os fazia. Uma das teses defendidas por ele, dizia que a partir da análise da simetria dos crânios de brancos e negros era possível constatar que os “não brancos”, para usar as palavras dele, eram mais propícios as degenerações sociais, aos vícios e aos crimes. Por isso, era necessário criar o código penal brasileiro levando em consideração essas diferenças, tudo isso publicado em outro livro, As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil, de 1935.
Meu dever aqui foi apresentar o “réu” para que você possa tirar suas próprias conclusões. Talvez eu tenha mais um objetivo, questionar: quem realmente merece homenagem com seus nomes estampados em prédios, ruas e estátuas quando se fala da história do Brasil?
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