O racismo desaparecerá quando não for mais lucrativo e psicologicamente útil. (Toni Morrison)
Por Ricardo Corrêa
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A Lei n° 12.711 (Lei de Cotas) − sancionada no dia 29 de agosto de 2012 − completará 10 anos. Ela estabeleceu regras para a implantação da política de cotas, resultando no ingresso de grupos marginalizados nas universidades e institutos técnicos federais e, consequentemente, na redução da desigualdade racial e social nesses espaços. Neste texto alerto para a necessidade de vigilância da população negra, visto que a qualquer momento a Lei de Cotas poderá ser submetida à revisão conforme o seu Art. 7º. A preocupação que devemos ter é com os possíveis retrocessos, já que nestes tempos de política reacionária muitos dos direitos da população estão sendo atacados. E, em se tratando de medidas que beneficiam a população negra, os racistas estão de prontidão para atrasar o nosso lado.
Compreendo que há muita coisa a ser melhorada no mecanismo de ingresso e permanência dos estudantes nas universidades e institutos federais, mas, a revisão da lei deve ser no sentido de aprimoramento e não o contrário. A Lei reserva 50% das vagas aos estudantes de escolas públicas e estabelece regras dentro desse grupo para os negros, indígenas, pessoas com baixa renda e deficientes; perceba que os brancos também são beneficiados, entretanto, a enxurrada de críticas mira somente os negros e os indígenas. Se não reconhecermos a existência do racismo nessas discordâncias, estaremos perdendo tempo justificando as políticas de ação afirmativa para quem não se preocupa com a justiça racial.
As cotas protagonizaram importante mudança na sociedade, pois potencializaram a autoestima das pessoas negras e ampliaram o campo de atuação profissional dos marginalizados, socialmente, de forma que não ficassem restritos a atividades de baixo status social. Além do mais, as áreas do conhecimento foram enriquecidas com a diversidade presente nos espaços de construção do conhecimento; são novos olhares fazendo ciência, rompendo com o padrão branco e rico. Hoje, há mulheres negras e homens negros arquitetos, cientistas, engenheiros, médicos, entre outras profissões que, tradicionalmente, eram exercidas por pessoas brancas. É bem verdade que o número de negros com essas formações é ainda pequeno, se compararmos com os brancos, mas o avanço está em construção. Também vemos negros se profissionalizando em cursos técnicos (automação industrial, administração, edificações, química etc.) e cursando o ensino médio − de qualidade reconhecida nacionalmente − nos cursos dos institutos federais.
Os racistas utilizam argumentos infundados e preconceituosos, muitos até refutados através de pesquisas, como “os cotistas não acompanharão intelectualmente os não-cotistas nas aulas”, “cotas são racismo reverso”, “haverá diminuição da qualidade dos cursos”, “cotas dividem a sociedade e criam ressentimentos”, entre outras. Mas as críticas recorrentes remetem à meritocracia. Eles defendem que o esforço individual é o suficiente para a ascensão social das pessoas, e que a responsabilidade pelo próprio destino está nas costas de cada um de nós. Em outras palavras, a pobreza e a miséria arruinando a maioria das famílias negras é ausência de esforço delas mesmas. Sob essa ótica, se os negros não têm arcabouço intelectual que possibilite disputar uma vaga na universidade pública com os brancos, é falta de esforço deles. Portanto, essas ideias demonstram que a defesa da meritocracia negligencia as questões históricas, biológicas e sociológicas que atravessam as pessoas individualmente e na relação com a sociedade, ademais, como comentou a doutora em psicologia Cida Bento “não existe meritocracia num país racista”.
Não somos ingênuos, sabemos que a sobrevivência do sistema capitalista depende das desigualdades sociais. Sendo assim, as conquistas dos negros na educação não garantem a inserção no mercado de trabalho, nem o salário igual aos brancos que exercem a mesma atividade profissional. Nesta sociedade o racismo desempenha o papel de arrimo na manutenção da desigualdade; ele consagra a exigência da desigualdade feita pelo capitalismo, diria a investigadora e abolicionista Ruth W. Gilmore. Todavia, com todas as limitações que o sistema produz, o caminho para a emancipação política e econômica dos negros exige, incondicionalmente, a defesa das ações afirmativas. Isto posto, defendamos a Lei de Cotas contra qualquer movimento que cheire a retrocesso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm>. Acesso em: 14 ago. 22
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