“Trazer mais possibilidade de identificação e fortalecimento da própria subjetividade”, esse é um dos propósitos do Ubuntu Yoga. Idealizado por Tati Cassiano, criado há um ano e três meses, durante a pandemia, o projeto surge para aproximar a população preta e periférica do Yoga, sendo uma alternativa de contribuição para o autocuidado e saúde mental. São mais de 40 mulheres ativas no grupo que participam de forma gratuita.
Nesta segunda-feira (21), comemora-se o Dia Internacional do Yoga, oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, diante do cenário caótico causado pela pandemia, em todo o mundo, o Yoga tem tido um papel fundamental na vida dos novos praticantes. A SEMrush realizou um levantamento onde mostra que a pesquisa pelo termo “Yoga” cresceu 50%, entre fevereiro e abril de 2020, nos mecanismos de busca. O termo “Meditação” cresceu 82% e a busca por tapetes de Yoga cresceu 735%, no mesmo período.
Não é apenas uma atividade corporal, o Yoga é capaz de alinhar o corpo e a mente, alivia as tensões e proporciona a cura. Além disso, aumenta a capacidade de concentração, combate estresse, ansiedade e possui ferramentas capazes de ajudar o praticante a lidar com traumas, isso foi comprovado cientificamente pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (EUA).
Quando essa realidade é trazida para a população preta, que diariamente lida com a violência e racismo, desde a época dos nossos antepassados escravizados, entendemos a importância de se entregar o Yoga, visto que, por meio dela, é possível encontrar um equilíbrio. Até hoje, mesmo com projetos como o Ubuntu Yoga, não é uma atividade completamente acessível ao povo preto. Priscila Mesquita, da página Kitandeira de Histórias, por exemplo, teve a oportunidade de aderir à prática por meio do projeto.
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“Eu, particularmente, conhecia só de ouvir falar. Achava que era algo muito distante para mim, não existia referência de yoginis pretas. Yoga, para mim, tem sido uma salvação diária, no meu psicológico, no meu físico, na minha força e no meu resgate à ancestralidade”, afirma.
Atualmente, 40 mulheres participam de forma gratuita da Ubuntu Yoga. As aulas são ministradas por Aline Inocêncio, instrutora de Hatha Yoga, Myrian Gomes, instrutora de Kundalini Yoga, Tayla Cândido e Tati Cassiano, instrutoras de Vinyasa Flow. Graças ao projeto, essas mulheres se permitiram a este abraço, em meio às suas vulnerabilidades, e buscam se fortalecer através da troca de afeto, saberes e vivências.
Cassandra Veloso, assim como Priscila, tinha uma ideia bem distante de aproximação do Yoga. Apesar de querer, não se sentia pertencente e nem representada. O tempo a fez perceber e ter maturidade, diante da busca pela conexão com as suas origens.
“Reconheci que o Yoga faz parte da minha ancestralidade. O projeto Ubuntu Yoga me ajudou a fazer essa conexão e avançar na compreensão de que eu sou porque nós somos, e que a herança preciosa de conhecimento, deixada pelos nossos antepassados, são poderosas ferramentas ancestrais. Fazer parte desse projeto me fez acreditar que sonhos se realizam e que existe uma força potente, criadora, criativa e inabalável quando mulheres pretas se unem”.
Uma das principais ações do projeto, foi a distribuição de mats para todas as participantes do grupo. Com o apoio da empresa Yogini, todas as mulheres envolvidas foram presenteadas com tapetes de Yoga, enviados para Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Manaus. Conversamos com Tati para conhecer um pouco mais do Ubuntu Yoga.
Como surgiu o projeto?
O Ubuntu Yoga nasceu no meu coração, em 2019, quando identifiquei a importância do Yoga na minha vida. Fui estimulada a compartilhar com outras mulheres negras pelas amigas Suellen, Suzana e Suzane Massena, com a ideia de criar um grupo de mulheres negras para praticar AcroYoga nos parques de São Paulo e orientá-las. Até então, minhas práticas de Yoga tinham sido em locais públicos em Salvador, em aulas abertas e gratuitas, promovidas por alguns grupos aos quais fiz parte, mas, quando cheguei em São Paulo, não tinham grupos abertos e fiquei sem praticar por muito tempo. Quando, junto com minhas amigas, tive a oportunidade de praticar e percebi o quanto me fazia falta essa prática.
Pouco tempo depois, me inscrevi na formação de 200hrs do Liquid Asana Vinyasa, oferecido pela norte-americana Micheline Berry, no estúdio YogaFlow, onde tive meu primeiro contato dentro de um estúdio, na Zona Sul de São Paulo. Observei que eu era a única preta, essa experiência me fez identificar o quanto essas práticas são distantes da minha realidade como mulher preta e periférica. O curso de formação é caro, longe e possuem espaços que nem sempre são acolhedores, eu nunca tinha visto prática de Yoga dentro da minha comunidade, todas as experiências que tive com a prática foram no centro ou em áreas onde pessoas com boas condições moravam.
Tati entendeu a necessidade do Yoga em sua vida quando viu as dificuldades de se manter em outra cidade, ela é natural de Salvador, do bairro de Pernambués. Em São Paulo, saia de casa às 5h30 da manhã, pegava dois ônibus e metrô para chegar às 8h no curso. Na mesma época, trabalhava como hostess em um restaurante, durante a noite e o curso durava o dia inteiro, até às 18h, corria para o restaurante, onde trabalhava até às 3h e chegava em casa às 4h.
Se olharmos com atenção para as mulheres pretas e periféricas, vamos perceber um padrão na falta de autocuidado. São mulheres que saem de casa às 5h para trabalhar, às vezes, sem hora para voltar. São vistas como aquelas que cuidam, mas, quem cuida delas? Se preocupam com a casa, filhos, trabalho, educação, segurança, mas, não priorizam a si mesmas. A saúde mental ainda é um tabu, estereotipada e taxada ainda como frescura.
O intuito de Tati é conscientizar, adentrar esses locais e mostrar a essas mulheres que sim, é possível praticar Yoga e viver. Não é sobre flexibilidade, é sobre viver bem, é sobre cuidar de si e olhar para dentro. Um dos propósitos do Ubuntu Yoga é tornar a prática acessível a essas pessoas, para que elas sejam capazes de lidar com as demandas internas e melhorar seu dia-a-dia e bem-estar.
Quando você percebeu que era possível incluir o Ubuntu Yoga na rotina de pessoas pretas?
Quanto mais eu me aprofundava nos estudos, aprendia o quanto a prática do Yoga poderia ser benéfica para as pessoas que são expostas a situações traumáticas e opressoras por promover o equilíbrio do sistema hormonal graças às posturas de Yoga que estimulam a liberação de hormônios responsáveis pelo bem-estar. Num debate de justiça social, trazido pela professora Micheline no curso, foi feito um exercício em grupo de listar por quais lentes sociais nos enxergamos e enxergamos o mundo onde tive a oportunidade de trazer a tona o que eu, como mulher negra, tenho que lidar como: objetificação do meu corpo, meritocracia, racismo e muitas das pessoas que estavam ali, naquele espaço, não fazia ideia do que eu estava falando, mas, foi ali, naquele instante, onde decidi que faria um projeto que levasse Yoga para as comunidades e pessoas que precisam dessa ferramenta para ter qualidade de vida.
Em 2020, no início da pandemia, devido às orientações da OMS, na contenção do avanço da contaminação pelo novo coronavírus, a necessidade se transformou em urgência. A falta de trabalho e o afogamento por tantas notícias negativas, em um cenário sem perspectiva, fez com eu fosse impulsionada, diante vários relatos de ansiedade, insônia, síndrome do pânico, os quais chegavam até a mim, criei um grupo no whatsapp para acolher essas mulheres. Convidei Tayla Cândido, Aline Inocêncio e Myrian Gomes. Aline entrou com a intenção de fazer as aulas e acabou se tornando uma das facilitadoras, promovendo práticas para o grupo também.
Diante dos padrões relacionados a Yoga, no Brasil e no mundo, qual o diferencial do seu projeto e o que tem oferecido de importante a população preta?
A inclusão de corpos plurais, através de uma abordagem que reconhece que todos os corpos têm a sua potência e memória e que honra o histórico de vida de cada um desses corpos. O respeito pela subjetividade de cada indivíduo, respeitando suas filosofias de vida e crença pessoal. Valorizamos a cultura e filosofia africana, fazendo ligações com essas filosofias a partir do olhar afrodiáspora e reconhecemos a origem do Yoga ser na Africa. Apesar de todas as facilitadoras oferecerem aulas de Yoga indiano.
O que vocês almejam no futuro?
Promover aulas abertas e gratuitas em comunidade, praça ou parques, nas cidades de São Paulo e Salvador, pelo menos uma vez ao mês. Oferecer aulas com valores acessíveis. Se tornar uma escola que ofereça formação de Yoga por um valor mais acessível ou gratuito.
Fazer Yoga não exige muito espaço ou ferramentas, é uma boa forma de relaxamento, cumprindo as necessidades de um exercício caseiro. O Ubuntu Yoga funciona como um espaço de acolhimento e rede de apoio, que visa promover transformação pessoal e coletiva, além de ressaltar a importância do aquilombamento, mostra o quão desafiador é viver em uma pandemia, sendo um corpo preto.
Um dos maiores impulsos do projeto, é o desejo de que todas as mulheres se priorizem, reconheçam a própria potência e possam assumir a narrativa de suas vidas, tendo consciência de que são suficientes e merecedoras de afeto. Para ajudar e saber mais, entre em contato através do e-mail: contato@ubuntuyogabrasil.com ou acesse o site: https://www.ubuntuyogabrasil.com.
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