Acreditamos que a plena participação da população negra na política é essencial para a democracia no Brasil, para a construção de uma sociedade mais justa, desenvolvida, ética e representativa.

Todos nós podemos e devemos pressionar os partidos políticos para que sejam éticos, democráticos, transparentes, diversos e inclusivos. Dessa forma, os parlamentares poderão aprovar legislações que tornem as políticas públicas antirracistas e inclusivas. As políticas de igualdade racial devem ser uma prática frequente em setores do governo, em empresas públicas e privadas. Além disso, é importante ampliar o fomento e incentivo aos setores de inovação e desenvolvimento.

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Precisamos e devemos compartilhar nossa vivência na política, sistematizá-la, interpretá-la e tirar desse ato todas as lições teóricas e práticas em consonância com a perspectiva exclusiva dos interesses da população negra e de sua respectiva visão de futuro.

Cuidar em organizar a nossa luta por nós mesmos é um imperativo da nossa sobrevivência como um povo. Devemos, por isso, ter muita cautela ao fazer alianças com forças políticas, sejam as ditas revolucionárias, reformistas, radicais, progressistas ou liberais. Toda e qualquer aliança deve obedecer a um interesse tático ou estratégico, e as pessoas negras precisam obrigatoriamente ter poder de decisão, a fim de não permitir que sejam manipuladas por interesses de causas alheias à sua própria.

“O Movimento Negro se fortalece a cada dia e hoje qualquer formulação, iniciativa ou atuação política que se queira honestamente comprometida com o povo brasileiro, deve por obrigação observar, respeitar e considerar a elaboração e o acúmulo histórico da resistência negra organizada”. A afirmação é do historiador negro Douglas Belchior.

Ao longo de nossa recente história do século XX e XXI soubemos elaborar um discurso, uma prática de enfrentamento e conquistas no Brasil, denunciando o mito da democracia racial, o racismo e as desigualdades raciais em nosso país. Elaboramos legislações, formulamos políticas públicas de direitos humanos, de saúde da população negra, educação e de acesso ao trabalho. Nesse percurso, as famílias elegeram a educação como uma das suas principais estratégias de superação e emancipação.

Hoje, temos uma história de lutas da qual nos orgulhamos e sabemos que a defesa pela educação pública de qualidade é imprescindível ao tempo presente e ao futuro. Para isso fomos até a mais alta corte brasileira, em defesa das ações afirmativas no ensino superior no Supremo Tribunal Federal, e vencemos um debate público que reflete uma história de luta histórica da nossa gente.
Precisamos de mobilização e de organização de pessoas negras, e de uma luta enérgica, sem pausa e sem descanso, contra as instituições que nos oprimem. Em especial, precisamos defender e promover os direitos das crianças negras, da juventude, das mulheres negras, dos religiosos de matriz africana, dos quilombolas, da população LGBTQIA+ e dos idosos deste país.

Com base na literatura e na prática em participar de campanhas políticas, registra-se algumas lições que poderão ser úteis para se entender a complexidade de se fazer política.

1- A trajetória política deve começar antes de seu ingresso na política formal. A história de sua militância nos movimentos sociais será muito importante. A entrada na política será mais uma etapa de sua vida para a difusão de suas ideias ou o momento oportuno para promover mudanças relevantes.

O educador Wesley Teixeira, candidato a vereador em 2020, no município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, dá um importante depoimento sobre como é ser um negro candidato: “Eu acho que o conjunto dos partidos são racistas. Hoje, não temos um partido negro no Brasil. Pelo contrário, os negros e negras se organizam através de seus movimentos, que é para justamente pressionar para que esses partidos melhorem. Quem dera, tivesse no Brasil um partido antirracista. Enquanto não existe esse partido antirracista, que eu adoraria construir, temos que tomar nossas decisões pautadas na conjuntura. Então, nós fomos procurar os melhores partidos para fazer essa disputa.”

2- O partido ao qual você decidir se filiar precisa não só ser alinhado com sua visão de mundo, mas também tem que estar disposto a ser mais conectado com a sociedade e a tratar a sua candidatura com seriedade. A maioria dos partidos não tem um programa claro e seus posicionamentos acabam variando muito não só no tempo, mas também de Estado a Estado, e muitas vezes de município a município.
Os multicanais de redes sociais têm sido um incremento a essa volatilidade de ideias. Lembrem-se que o tempo da internet e do que viraliza nas redes é diferente da nossa construção política e de visão de mundo.

É importante também observar suas práticas. Fique atento e avalie com muita clareza e determinação o quanto o partido leva sua candidatura a sério. Nas primeiras conversas você deve buscar saber o quanto o partido pretende apoiar sua candidatura, seja com recurso, seja com espaço, seja com visibilidade.
Temos exemplos de candidaturas recentes que denunciaram muitos partidos em que o racismo e a violência política são práticas recorrentes.
Um importante depoimento do historiador negro Douglas Belchior, quando se defrontou com a direção partidária, dá uma exata dimensão do que encontramos nos partidos políticos: ”(…) a violência política, a prática do boicote, do apagamento, do silenciamento, da desqualificação e do racismo institucional que sofri nesses anos de embate, sobretudo quando passei a questionar”.

3- Acompanhar todas as etapas de organização de uma eleição, desde a direção partidária de seu diretório, assim como a convenção do seu partido, é fundamental. É o momento de garantir seu nome na lista de candidatos, saber seu número com o qual você concorrerá. Na história, temos a figura de Abdias Nascimento que concorreu à eleição como vereador na cidade do Rio de Janeiro, na década de 1950, e deram a ele um número que não correspondia ao número com o qual o partido o havia registrado. Criaram diversos obstáculos para impedir a sua candidatura. Conclusão, elaborou todo o material gráfico com o número errado e, por fim, teve a campanha sabotada.

Abdias Nascimento. Foto: Reprodução.


4- Durante a campanha você deve se comunicar com clareza, simplicidade e objetividade, citando não só as razões pelas quais decidiu se candidatar, como também as bandeiras que vai defender, caso seja eleito ou eleita. A eleição é a oportunidade de você amplificar sua luta anterior.

5- É importante você buscar dados que reforcem seus argumentos na construção de narrativas políticas que embasarão sua campanha. Comunicar-se com a base e fazer com que as redes interajam com as suas ideias é um ponto forte nesses movimentos.

6- Faça um orçamento de sua campanha de forma que você não se endivide, ou que deixe despesas para pagar sem uma fonte de arrecadação. Lembre-se que uma campanha necessita de recursos para diferentes tipos de despesas: transporte, alimentação, confecção de material gráfico e digital, acesso à internet, programadores, designers, roupas e sapatos, e seja o mais detalhista possível. O partido deve disponibilizar uma parte dos recursos oriundos dos fundos partidários. Tenha em mão as projeções de custos de campanha e exija transparência. Este é o ponto onde a direção dos partidos políticos mostra a dimensão do racismo.

7- Há um ponto central na corrida eleitoral: o acesso aos Fundo Eleitoral e ao Fundo Partidário. As candidatas e os candidatos a cargos eletivos são financiados por doações de pessoas físicas, recursos próprios dos candidatos e por verbas públicas. As campanhas são majoritariamente financiadas com recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o chamado Fundo Partidário.

Os critérios de acesso ao Fundo Eleitoral devem prever a obrigação de aplicação do total recebido do Fundo de acordo com os seguintes percentuais:

  • Para as candidaturas femininas, o percentual corresponderá à proporção dessas candidaturas em relação à soma das candidaturas masculinas e femininas do partido, não podendo ser inferior a 30%;
  • Para as candidaturas de pessoas negras, o percentual corresponderá à proporção de:
    a) mulheres negras e não negras da sigla;
    b) homens negros e não negros da legenda.
  • Os percentuais de candidaturas femininas e de pessoas negras serão obtidos pela razão dessas candidaturas em relação ao total de candidaturas do partido em âmbito nacional.

Observem atentamente que os recursos são de verba pública para a participação dos candidatos no processo eleitoral. A ideia geral é a de que o financiamento de candidaturas negras seja equivalente ao número de candidatos negros no partido. E isto tem sido motivo de muitas denúncias de desvio de recursos no interior dos partidos. Quando não há transparência, temos uma grande possibilidade de fraudes no cadastramento dos candidatos negros.

8- É muito importante que você passe todo o tempo que puder com pessoas, gaste a sola de sapato, converse sobre suas propostas, pedindo doações, recrutando, formando e mobilizando voluntários, ou pedindo votos dos eleitores.

E, não se esqueça do lema do líder angolano Agostinho Neto: “A luta continua e a vitória é certa”.

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