“Casamento deixou de ser prioridade”, diz psicóloga de casais

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“Casamento deixou de ser prioridade”, diz psicóloga de casais
Foto: Reprodução

Maio é o “Mês das Noivas” e sempre tem muitas dicas sobre vestidos, penteados e maquiagens na internet. Mas será que o casamento ainda é um grande sonho a ser conquistado?

O MUNDO NEGRO conversou com a psicóloga Daniela Cardoso, 42, para entender como o casamento é visto entre as pessoas negras. Moradora da capital paulista, ela é voluntária do coletivo de psicólogas pretas Casa de Marias, onde realiza atendimento gratuitos para casais.

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Primeiro Daniela explica como funciona uma terapia de casal. “É um tratamento pra relação. É entender aquela relação é um corpo que você precisa cuidar. Não é um tratamento pra nenhuma das partes. É pensando nesse corpo em conjunto e entendendo que essa relação é com responsabilidade. E as demandas são variáveis. Evidente que no contexto pandêmico muitas questões ficaram um pouco mais tensas porque as pessoas passaram a conviver mais”.

No geral, é bem comum que os casais busquem um profissional quando já estão numa situação delicada. “Os casais chegam na terapia no momento de fragilidade emocional, quando alguns pactos, ora estabelecidos, não conseguem dar conta das demandas atuais. As pessoas chegam machucadas, se queixando muito do afeto que não recebe. Com dificuldade também de olhar pro afeto que não ofertam”.

Dos casais que a Daniela atende, cerca de 70% não são casados nem pelo cartório civil e nem por um ritual religioso. Desses, metade tem vontade de realizar uma cerimônia.

“Tem um um casal específico, por exemplo, um casal homoafetivo e interracial, que elas adiaram por conta da pandemia três vezes o ritual que o ritual religioso, mas teve um casamento no civil mas o visual. E é um desejo pra elas e já teve momentos onde o tema da sessão foram questões relacionadas a esse ritual, acertos e mal arranjados que geram conflitos na relação”, conta a psicóloga.

E completa: “tem esse desejo nos casais passar por esse ritual. Não dá pra dizer que isso está fora de moda. Isso tem a sua importância dentro dos casamentos”.

Entretanto, os casamentos deixaram de ser prioridade, segundo a psicóloga. “Percebo que isso demanda muita energia, não só energia financeira, mas uma energia pra poder fazer esse acordo. Quando você junta as escovas de dentes, cada um tem uma visão de como deve gastar o dinheiro. E aí que eu sinto que o casamento deixa de ser prioridade”.

“Você vai morar com uma pessoa, tem vários outros acordos que são necessários pra manter esse relacionamento. E há uma ideia muito romântica que morar junto é algo fácil. Construir intimidade é muito bom, mas dá trabalho. Então acho que essas contingências cotidianas eles acabam tomando esse lugar”, diz Daniela.

Outro ponto que também que influencia na decisão do casamento entre os casais que já moram juntos, segundo a psicóloga, é a falta de comunicação. “Às vezes o tempo de um, não é o tempo do outro. E os casais chegam com muita dificuldade de comunicação. As pessoas sentem coisas mas não compartilham. Ficam vivendo quase que uma relação paralela. Então isso toma proporções gigantescas e às vezes desastrosas pra relação”.

Foto: Arquivo pessoal

Representatividade na indústria do casamento

Além das dificuldades que podem haver nos relacionamentos, a falta de representatividade negra na indústria do casamento também é um ponto a ser questionado, de acordo com a psicóloga.

“Dificilmente você vai encontrar mulheres negras ilustrando esse editorial. E isso vai formando o nosso imaginário. Parece que o casamento não é feito para pessoas negras. Se você pesquisar no Google [a palavra] ‘noivas’, você não vai encontrar um número expressivo de noivas negras. Pra você encontrar, você tem que digitar a palavra ‘negra’. E aí, se a gente não se vê será que a gente cresce achando que aquilo é pra gente?”.

“As pessoas estão preparadas pra maquiar uma mulher de pele retinta sem deixá-la com a pele esbranquiçada e com a pele cinzenta numa foto? Quem vai tirar essa foto? Como vai fazer o tratamento dessa imagem? E o cabelo? Será que as pessoas com o cabelo crespo quatro C, existem penteados que representem essas mulheres? Não tem no mercado editorial e as pessoas não se veem representadas”

“Se elas não se veem representadas, será que no imaginário elas conseguem se enxergar nesse lugar? Porque aí elas conseguem sonhar, idealizar. O mundo não é feito só de idealizações, mas pra eu realizar, também tem que em algum momento idealizar. Aqui em São Paulo a gente sabe que tem a rua São Caetano [‘Rua das Noivas‘]. Mas quando eu saio de lá, e quanto que tem isso me representado?”

“Somos mulheres diversas. Mas fica parecendo que é só um determinado público que cabe. Isso a gente vem em vários outros lugares, vem em filmes, em novelas. Qual é a mocinha de um filme que é uma mocinha negra de pele retinta? Uma mocinha negra de pele retinta que seja gorda, uma mocinha negra de pele retinta que seja gorda e em um casamento homoafetivo? Elas não tem essa história pra contar”.

Foto: Mundo Negro

Solidão afetiva dos homens negros

Daniela Cardoso reforça como o racismo implica nas relações afetivas, especialmente entre os homens negros. “Crianças negras desde muito cedo sequer ninadas. Quais são as crianças que recebem o carinho das berçaristas? Qual criança que você acha que tem esse que te convoca essa comoção? Geralmente não é uma criança preta, não é uma criança super-requinta é uma criança branquinha”.

O racismo estrutural e a violência também implica nos homens negros e pobres de se imaginarem em uma relação. “Infelizmente eles encabeçam vários marcadores horríveis da nossa sociedade. Os homens pretos são a maioria dos usuários de substâncias químicas, de internações psiquiátricas, pessoas em situação de rua, então acho que tem uma questão primeiro de sobrevivência porque pra você se relacionar, precisa estar vivo, ficar saudável”.

Apesar dos inúmeros questionamentos em relação ao casamento, Daniela acredita fortemente na importância do amor na vida das pessoas, mas com as devidas críticas. “O amor ele é a outra faceta, ele ele é a face oposta ao mesmo fenômeno que o ódio. E o amor ele é o que combate o ódio. Mas sentir ódio também é importante. É importante que a gente entenda que reconhecer uma sociedade racista para pessoas pretas tem que ter espaço pra passar praticamente de raiva, até pra chegar no amor”.

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