Trancistas ganham até R$ 6 mil por mês e formam novas gerações de cuidados ancestrais 

De uma ação de resistência a um gesto de afeto, o ato de trançar o cabelo possibilita oportunidades de fortalecimento financeiro para mulheres negras, com renda que pode variar entre R$ 4 mil a R$ 6 mil por mês, além de formar novas gerações de cuidados que se reconectam com esse saber ancestral, se tornando uma das tecnologias sociais mais importantes de serem lembradas no mês da Consciência Negra. 

Pamela Sousa, 33, moradora de São Paulo capital, aprendeu a trançar ainda criança, com 11 anos, os cabelos de amigos e parentes. Ela não sabe dizer ao certo como aprendeu o ofício, mas consegue perceber a importância da atividade na construção da autoestima e identidade racial. “No início eu fazia as tranças em mim mesma. Era meu momento de trabalhar a minha autoconfiança, amor próprio e aceitação diante o impacto direto com o racismo estrutural presente na sociedade”, conta.

As tranças, com origem na cultura africana, carregam uma bagagem ancestral muito forte. Foram utilizadas como ferramenta de sobrevivência durante o período da escravidão, e hoje em dia ainda continuam trazendo o significado de sobrevivência, mas, dessa vez, financeira, para 90% das mulheres negras de periferia, segundo levantamento de mercado feito pala Ginga Hair, primeira fábrica de fibras premium para cabelos 100% brasileira. No caso de Pamela, mãe de dois filhos, Isabela e Gael, a atividade foi essencial durante um período de sua vida.

“Percebi, realmente, a potência econômica da atividade de trancista quando casei. Senti uma forte necessidade de empreender para ajudar dentro de casa e vi que, na verdade, eu poderia ter uma carreira de sucesso fazendo penteados com fibras”, conta Pamela, que afirma já ter ganhado entre R$ 4 mil e R$ 6 mil por mês com os procedimentos. E os horários, quem fazia era ela: trabalhava até 12 horas, entre quatro a cinco dias por semana, a partir de agendamento prévio.

Atualmente, Pamela é consultora e responsável pelo desenvolvimento de produtos da Ginga Hair, e enxergou, no seu novo cargo, a possibilidade de fortalecimento da sua ancestralidade e do afroempreendedorismo através de produtos que facilitam o trabalho das trancistas, trazendo economia de tempo e custos para as profissionais da área. 

“Ser trancista é mais que uma profissão e a trança não traz somente beleza para suas clientes. Elas têm um papel importante tanto para a resistência e sobrevivência das nossas negritudes, quanto da nossa gente. Portanto, além de contribuir para a autoestima de mulheres pretas, homenageio meus ancestrais e ainda mostro a essas mulheres uma forte possibilidade de renda”, conta, acrescentando que se sente “muito honrada com isso”.

Passado entre gerações, trançar é um momento de troca de saberes, não só de técnica, mas de vida. E Isabela, filha de Pamela, apesar da pouca idade, já segue os passos da mãe. “É interessante como esse conhecimento é passado, porque a Isa, minha filha, de tanto me ver trançar, aprendeu. Já até vendeu o trabalho na escola”, conta Pâmela aos risos, mas reforçando que não aprovou a atitude e pediu que a filha devolvesse o dinheiro. “Mas é bom que ela já venha criando essa consciência empreendedora. Vejo que ela gosta e, quando tenho a oportunidade, ela me ajuda a finalizar as tranças que faço em mim”, continua Pamela, lembrando que o filho também gosta das tranças, mas de utilizá-las. “Se sente bonito”, diz.

Pamela faz parte dos 56% de pessoas negras ou pardas do país, segundo o IBGE, e que vêem no mês da Consciência Negra a importância das discussões e ações afirmativas para combater o racismo e a desigualdade social no país. A data é institucionalizada no dia 20 de novembro, e serve para gerar reflexões sobre parcela da população que ainda sofre com falta de desigualdade, oportunidades e acesso. 

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