O teto de vidro invisível que me fez lutar pela minha comunidade

Ser colunista aqui do Mundo Negro, além de motivo de grande honra, é a oportunidade de mostrar ao mundo que ser negro não te faz inferior a nada nem ninguém. Trago aqui histórias, as quais no início da minha carreira não tive acesso, e sei da importância de tê-las para as próximas gerações que estão chegando, incluindo meu filho.

Ao longo de muitos anos, por estar entre os poucos negros a trabalhar com tecnologia, me perguntei o porquê de ser tão difícil ver o meu povo à frente do mercado de tecnologia no Brasil.

E quando realizamos essa pergunta para as pessoas, um grande ponto de interrogação surge em suas cabeças, principalmente porque  elas param para pensar e buscar quantas pessoas pretas existem em grandes corporações ou empreendendo, representando a tecnologia no Brasil.

Não preciso ir muito longe para dizer que é nítido que existem mais pessoas brancas do que pretas dentro do mercado de tecnologia no Brasil. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e da Comunicação – Brasscom, só 30% das pessoas que trabalham na área tech no Brasil são autodeclaradas pretas ou pardas. E esse número só se agrava quando pensamos no acesso da população negra ao universo das novas tecnologias no país. Um levantamento realizado pelo Potências Negras Tec mostra que 59% dos negros do nosso país não trabalham na área da tecnologia, mas tem interesse em atuar no setor.

Mas como as pessoas negras chegam ao topo, se não existe um fomento para este movimento? Lembro que meu primeiro contato com a tecnologia foi em casa, com um computador que meu pai comprou com muito sacrifício durante a minha adolescência. Nele, eu experimentei, revirei a máquina de ponta a ponta para aprender e entender mais sobre o mundo que estava à minha frente, mas ainda assim era apenas esse meu contato com a tecnologia.

Essa era a minha realidade há mais de 20 anos, entretanto, ela ainda é a mesma de milhares de brasileiros periféricos que sonham em trabalhar na área da tecnologia. E mesmo quando alcançamos o objetivo de atuar na área, esbarramos com outro andar do teto invisível. Segundo a pesquisa Pew Research, de 2018, realizada com pessoas que trabalham na área de STEAM, 60% dos profissionais negros relatam ter sofrido algum tipo de preconceito dentro do ambiente de trabalho.

Apesar de estar há tanto tempo imerso na área da tecnologia e inovação, percebo que a falta de fomento e incentivo para a população negra nos faz perder uma grande quantidade de talentos que poderiam contribuir com o desenvolvimento de novas ideias para a sociedade. E esse desperdício acontece em muitas outras áreas, como a própria publicidade, que enfrenta outra grande disparidade sobre a diferença salarial entre pessoas pretas e brancas. O estudo Sustentabilidade Racial: Dados e estatísticas sobre a população negra no Brasil mostra que os negros recebem metade da remuneração salarial de homem branco na área publicitária. Dessa forma, a sociedade cria uma barreira e dificulta ainda mais a possibilidade de encontrar e aproveitar esses talentos, perdidos todos os dias por falta de incentivo.

Muitas vezes me perguntam porque falo de um ‘teto de vidro preto’ dentro do mercado corporativo, principalmente na área em que atuo. Pode não ser evidente para quem vê de fora, mas existem linhas imaginárias que limitam o crescimento exponencial de uma pessoa preta, e elas só conseguem evidência quando reunimos fatos, como a falta de fomento à educação especializada, as diferenças salariais e as diferenças de cargos.

Mas, apesar disso, temos na contramão deste histórico uma grande quantidade de pessoas que buscam mudar este cenário a partir de iniciativas que insiram as pessoas pretas na área da tecnologia, como por exemplo, cursos gratuitos e trainees que se espalham pelo país para ajudar a transformar essa visão, e finalmente mostrar que este teto de vidro pode ser superado e que a nós, podemos sim subir para o próximo andar.

* Rodolfo Gomes é cofundador da PPTGO, Startup de Tecnologia com foco em apresentações de alto impacto e vídeos interativos.

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