Homem negro, que vendeu laranjas na feira, se forma em Harvard e comemora: “Podemos sonhar”

A trajetória do profissional André Menezes, de 34 anos, é uma história de superação, força e resistência. Recém formado como Mestre em Administração pela Universidade de Harvard, uma das maiores e mais importantes instituições de ensino do mundo, André diz que observa com orgulho suas conquistas. De origem humilde, natural de Guarulhos, em São Paulo, ele relata que aos 16 anos, enquanto morava no bairro Pimentas, região periférica da cidade, chegou a vender laranjas em feira livre para conseguir custear o curso de inglês. “Foram 4 anos estudando e trabalhando na feira. Naquela época eu tinha o sonho de fazer uma faculdade e poder quem sabe ter uma condição de vida melhor, para mim, pro meu pai, pro meu irmão e para mim mãe“, relata ele, que hoje, atua como Program Manager dentro do Nubank. “Parecia tudo tão distante daquela realidade dura, do destino e das estatísticas que perseguem e massacram tantos jovens pretos da periferia, onde eu nasci e cresci“.

André Menezes em sua formatura na Universidade de Harvard. Foto: Arquivo Pessoal.

Em entrevista ao MUNDO NEGRO, André Menezes conta um pouco sobre sua trajetória, dá dicas para as novas gerações, conta os desafios em torno de sua profissão, principalmente no mundo da tecnologia e a forma como ele se vê hoje ocupando um espaço de inspiração para outros profissionais e jovens negros. “Na minha juventude eu procurava referências pretas para me inspirar. Eu acredito que a minha trajetória e história possa servir para inspirar outros jovens negros. Se a minha história puder inspirar um jovem negro, eu já ficarei extremamente feliz. Além disso, eu acredito que nós podemos sim, ocupar esse lugar e qualquer outro que a gente sonhe em ocupar“.

Como pode-se imaginar, a trajetória do gerente de projetos não foi fácil. Para além do racismo, André relata que a falta de referências enquanto homem negro foi um grande obstáculo para a construção de seu currículo. A transição de Guarulhos para uma das universidades mais concorridas do mundo, nos Estados Unidos, veio repleta de desafios. “Um grande obstáculo foi a incapacidade de sonhar. A incapacidade de acreditar que poderia viver outra realidade, uma realidade mais próspera. E muito dessa incapacidade por falta de referências e representatividade“, diz ele. “Na minha juventude, me faltavam muitas referências pretas. Eu não enxergava pessoas pretas em posições de sucesso. Além disso, a minha condição financeira também foi outro grande entrave. Ainda muito cedo, aos 16 anos tive que trabalhar na feira livre vendendo laranjas para poder pagar meu curso de inglês. Eu levantava 04:30 da manhã para ir para feira, saia da feira por volta de 14hrs, chegava em casa e depois ia para escola. Essa rotina foi um grande desafio. Eu sempre soube que a educação seria a minha principal alavanca para mudar a minha situação“.

André Menezes em Harvard. Foto: Arquivo Pessoal.

André conta também que o fato de ter perdido sua mãe aos 21 anos de idade foi outro grande desafio em sua história. “Eu perdi a minha mãe muito cedo. Minha mãe sempre foi a minha conselheira e meu porto seguro. Perder ela tão cedo, foi muito triste e desafiador“, conta ele. “Eu também sofri muito preconceito e ceticismo. Durante várias entrevistas de emprego eu sentia isso. Quando comecei o meu mestrado em Harvard já fui perguntado em entrevistas, se realmente eu estava estudando em Harvard, ao ponto de eu ter que mostrar a minha application. Além disso, já ouvi coisas do tipo: ‘Mas como você toca cavaquinho e estuda em Harvard?'”.

O Mestre em Administração também dá dicas sobre os elementos fundamentais que o ajudaram dentro da sua carreira no mundo dos negócios. “Um conselho é tentar focar no inglês. No mundo de tecnologia o inglês é fundamental. A maioria das grandes empresas de tecnologia utilizam muito o inglês. Além do mais, existe uma grande gama de livros e artigos na área da tecnologia que são em inglês. Portanto, estudar inglês é essencial para progredir na carreira da tecnologia“, diz o profissional. “Outro conselho é pedir ajuda e ser grato. Durante a minha vida e carreira eu sempre pedi ajuda, nunca me preocupei em me mostrar vulnerável. Eu tive muitas pessoas que me ajudaram durante a minha carreira. Assim que conclui o meu mestrado eu fiz questão de entrar em contato com várias dessas pessoas e agradecer. Além disso é preciso ter objetivos. Denzel Washington certa vez disse em uma palestra, ‘dreams without goals are just dreams’; Sonhos sem objetivos são apenas sonhos. Ou seja, precisamos sonhar, mas também precisamos planejar e ter objetivos. Precisamos planejar cada passo, cada dia, cada mês e cada ano. De que maneira vamos conseguir atingir o sonho? O que precisamos fazer? Cada passo é importante e celebrar cada pequena vitória durante a trajetória é muito importante também“.

O poder da representatividade está na possibilidade de se ver possível. André finaliza a entrevista contando sobre a força dos sonhos em sua trajetória e a importância do Racionais MC como fonte inspiração. “Um outro grande motivador na minha vida foram e ainda são as músicas dos Racionais! Sempre quando me encontrava e querendo desistir , ouvia uma música dos Racionais, como por exemplo, ‘Capítulo 4 Versículo 3’ e isso me ajudava a lembrar de nunca desistir e acima de tudo me ajudava a lembrar de onde eu vim. Ainda hoje ouço os Racionais diariamente“, conta ele. “Eu acredito que a representatividade é crucial para ter aspirações e sonhar. Quando nós vemos outros negros em posições de sucesso, nós conseguimos nos ver lá também. Existe uma maior facilidade de sonhar e acreditar. Quando não temos representatividade, até sonhar é muito difícil, pois, nós não conseguimos nos ver naquela posição, parece que aquela posição não foi feita para nós”.

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