Por Rodolfo Gomes e Victória Gianlourenço
Sérgio All nasceu na periferia de São Paulo, no bairro do Capão Redondo, na década de 70. Filho de um metalúrgico e uma diarista, dona Cleuza Aparecida. Seus pais não puderam terminar os estudos, mas sempre o incentivaram a estudar, pois entendiam que aquele era o único caminho possível para vencer. Com seis filhos, seus pais sempre trabalharam muito, ficando pouco tempo em casa, e essa ausência criou em Sérgio uma vontade de mudança, de fazer o possível para mudar aquela situação.
Durante a infância, vivenciou ditaduras, inflação, desemprego, falta de tecnologia, mas ele sempre buscou se informar pelo rádio, TV e jornais, meios aos quais tinha acesso na época. Desde os 6 anos almejava ser um homem de sucesso. Criado em lar cristão, aprendeu desde cedo a distinguir o certo do errado. E optou pelo caminho do certo. Sonhador, Sérgio se inspirava filmes, e seu sonho era trabalhar no mercado financeiro, de Nova York, assim como no filme Wall Street, estrelado por Charlie Sheen e Michael Douglas.
“Eu via o filme e falava pra minha mãe: eu quero trabalhar assim mãe, e ela sempre dizia, você vai”, contou. Enquanto os irmãos empinavam pipa, ele brincava de faz-de-conta na cama da sua mãe, simulando que ali era sua grande mesa de escritório. Estudou sempre em escola pública até o Ensino Médio, e desde muito cedo buscou empreender.
Foi o primeiro de sua família a ter uma empresa formal, e aos 16 anos foi trabalhar no Mappin (antiga loja de departamentos), como office boy. Vendo o mundo corporativo de dentro, sempre almejou novos cargos, durante os 8 anos que passou na companhia. Estudou desde cedo a questão do racismo, e enfrentou na pele o racismo corporativo, desde o seu primeiro emprego.
Sérgio sempre desafiou o status quo, e depois de enfrentar alguns conflitos com seu chefe, por causa de sua cor, foi mandado para trabalhar no arquivo morto, no subsolo. Lá embaixo, ele descobriu que os nãos seriam seu combustível para o sim. Ia trabalhar sempre de terno e gravata, começou a se relacionar com a diretoria, que nos elevadores o encontravam e estranhavam aquela figura: preto, jovem e de terno.
Após algum tempo trabalhando no subsolo, entendendo a desordem do local para armazenamento de arquivos e vendo oportunidades de melhorias, sugeriu uma mudança drástica no arquivo da loja. Ciente que enfrentaria resistência de seu superior imediato, levou a sugestão diretamente à diretoria, que aprovou como um piloto. Com o aval dos diretores, criou processos que facilitaram a busca pelos arquivos e aumentaram a produtividade da área jurídica.
Durante o teste, no qual pediram uma série de arquivos diferentes, surpreendeu ao encontrar forma rápida tudo que lhe havia sido pedido. Cientes da eficácia do que Sérgio havia proposto, fizeram com que o novo processo virasse modelo para todas as outras lojas. E assim começou sua escalada corporativa.
Foi convidado para cursar Direito, com apoio da empresa, mas agradeceu e recusou, entendendo que, apesar das oportunidades, aquela não era a sua vocação, e não era o trampolim que o levaria a realizar o sonho de sua mãe, que era terminar a construção de sua casa. Cursando Marketing Multinível, aprendeu muito sobre liderança e sobre aglutinar pessoas. Sérgio foi se desenvolvendo e se preparando para o que estava por vir.
“Aos 18 anos, perdi minha mãe, e contraí depressão, uma dor solitária, assim como o empreendedorismo, que persistiu por 2 anos”. Aquela que o tinha ensinado a desafiar a vida, agora faltava. Durante o processo de depressão, se tornou autodidata, e lendo livros sobre publicidade, achou ali sua vocação.
Optou por empreender na área de jogos eletrônicos e concluiu que poderia fazer disso um negócio. Antes da bolha da internet estourar, lançou o SOS Games, uma startup na qual aplicou toda a base do que aprendeu no marketing multinível. A startup desenvolveu um buscador de dicas de jogos, chamados também de “detonados”, que era alimentado por noites de jogos entre ele e os amigos.
O SOS Games ficou no ar por 5 anos, e acumulou mais de 50 mil dicas, com um público mensal de mais de 30.000 pessoas. O negócio decolou, e Sérgio, através de sua empresa, começou a representar grandes marcas, e a participar de feiras, como a Fenasoft, a maior feira do segmento.
Entre suas descobertas, se questionou o motivo de não haver jogos para Mac, e pra sua surpresa, viu que esses jogos existiam, e só não eram divulgados. Procurou a Apple, e encontrou apoio para popularizar esses jogos, pra essa plataforma, e pouco tempo depois estava no palco de um grande evento para revendas, no Clube Pinheiros, sendo apresentado como o responsável para divulgação dos jogos na plataforma.
O networking foi algo que ele aprendeu muito cedo em sua jornada empreendedora, durante uma edição da Fenasoft. Ali, entendeu que precisava ir logo no primeiro dia, quando o board dos expositores visitava a feira, e distribuía muitos cartões de visita.“O mercado de entretenimento me projetou”, disse ele.
Como previsto, pouco tempo depois já estava em um evento da Apple na Amchan, onde teve a oportunidade de apresentar um novo jogo para a plataforma. Lá, conheceu muitas pessoas importantes. Pra atrair capital e crescer, ele trouxe outros profissionais para o board, como sócios, e com essa experiência aprendeu a duras penas sobre a importância de escolher as pessoas certas.
Depois de diversos desentendimentos e muita hostilidade por parte dos seus sócios, Sérgio vendeu sua participação na empresa e foi buscar novos horizontes. “Lembrava de minha mãe me dizendo que tudo que eu me dedicasse eu conseguiria sucesso, e foi assim”.
Ao sair de sua própria empresa, decidiu montar uma agência. Aglutinou pessoas, trouxe sócios certos, e consolidou a sua agência ao longo de 20 anos, que começou prestando serviços para o digital, fazendo sites, e foi adicionando divisões de trade marketing, eventos, até se tornar uma agência full service. Surfou vários segmentos, participou na construção de grandes shows, como U2, Linkin Park, entre outros grandes nomes.
Aprendeu sobre captação de patrocínios, e sempre que surgia uma nova demanda, Sérgio primeiro vendia, depois ia descobrir como entregar. E entregava com muita competência, na raça. Sempre teve clientes brancos, os pares e parceiros idem. Percebeu que seu maior desafio era não ser reconhecido como o dono da agência, pela sua cor.
Em diversas situações, encarou com um sorriso amarelo no rosto, quando enfrentava esses desafios raciais. Foi então que aprendeu a lidar, e passou a letrar os seus próximos sobre o tema. Lutava para conquistar clientes, que muitas vezes duvidavam de sua capacidade de entrega.
Quando jovem havia perdido seu irmão caçula, que foi assassinado. E agora, perdia seu irmão mais velho, seu braço direito na agência, para um infarto fulminante. Perdeu também seu pai. E lidando com suas perdas, não desistiu, e ganhou novas bases de sustentação. Conheceu a Fernanda Ribeiro, que presenciou as suas dores e perdas. Na ocasião, sua agência estava crescendo, e precisou de um empréstimo para modernizar os computadores e crescer. Durante entrevista presencial, ao verem a cor da sua pele, o banco negou o empréstimo, e esse foi o estopim para que Sérgio decidisse abrir um banco.
Utopia e motivo de chacota no início, ele sempre conduziu suas iniciativas pelo querer fazer. Desde cedo, em toda sua jornada, jogou pro universo, desejou, e conquistou os espaços que desejava. Pessoas viam no seu olho a vontade de querer fazer, e apostavam.
Pesquisou o mercado, aprendeu a fundo sobre a desbancarização do povo preto, buscou e consolidou números. Na época, Sérgio já conhecia a Fernanda há 15 anos, e dividiu o desafio com ela, que imediatamente aceitou construir em conjunto. Fernanda vem de um berço feminino. Sétima menina de uma grande família, contrariou as estatísticas desde o ventre, quando sua mãe, aos 43 anos engravidou, mesmo usando o DIU.
Com as irmãs já todas crescidas, nasceu numa família de adultos, na periferia de São Paulo. Em razão do estágio de vida em que estavam, seus pais já eram financeiramente saudáveis. Sua mãe trabalhava como assistente social, na área da saúde, e seu pai na área de aviação. Sempre teve acesso a educação de qualidade, em escolas particulares. E pra além de tudo isso, teve a oportunidade de conviver com pessoas diferentes.
“Quando nasci, minha família, de tão grande, precisava até de um organograma.” O encontro de família, os almoços de domingo, eram um grande laboratório. Com uma família repleta de diversidade, ela aprendeu a pensar sempre sob muitos pontos de vista. Sempre furou bolhas, em sua família diversa.
Sua mãe sempre levou os filhos a campo, pra ver outras realidades. Fernanda conviveu com essas realidades, e buscava conhecer sempre mais. Já no dia a dia, em escola particular, convivia com outro extrato da sociedade, com famílias abastadas e de origem privilegiada.“Sempre sou a pessoa improvável nos lugares improváveis. E agora, não é diferente. Sou uma mulher, negra, retinta, jovem, no meio do mercado financeiro. Para além disso, gosto de balançar as estruturas, e promover o teste do pescoço, olhando pro lado em busca de pessoas como eu.”
Com DNA questionador, não convive em locais com tantos iguais. Ao contrário do esperado (sua mãe e irmãs todas trabalhavam na área da saúde), ela seguiu outro caminho, e inspirada pelo seu pai, que sempre a levava nas folgas ao aeroporto, para verem aviões chegando e partindo, na hora de escolher sua faculdade, escolheu Turismo.
Trabalhou como executiva em grandes companhias aéreas, onde construiu sua carreira corporativa. Entendeu que o quanto mais subia na escalada corporativa, menos negros encontrava pelo caminho. Trabalhando o triplo, por 18 horas diárias, sempre focou em entregar e ir além.
Fernanda tem muito orgulho de sua carreira, dos países que visitou, das pessoas com quem se conectou. Apesar de amar seu trabalho, enfrentava o racismo de muito perto, vindo de seu superior imediato. Com uma jornada de trabalho adoecedora, teve Síndrome de Burnout, desenvolveu um nódulo, descoberto em um atendimento médico que precisou se submeter, durante uma crise de ansiedade. Na ocasião entendeu que precisava mudar de carreira, e que aquele ciclo havia finalizado. Durante sua internação, seu chefe não parava de ligar para ela, afinal, ele precisava de informações para uma reunião importante.
Percebendo ser apenas mais um número, decidiu migrar sua carreira. Se programou financeiramente para um período de pausa, preparou sua sucessora, e saiu da companhia. Após sua saída, se dedicou por um ano a conhecer o novo, se conectar com o diverso. E nesse momento os destinos de trabalho de Fernanda e Sérgio se cruzaram, e criaram juntos a Afro Business, juntamente com Márcio, um amigo em comum, e terceiro fundador do negócio.
Desde o primeiro dia, a grande vocação era para atuar na área econômica, gerando trabalho e renda pra pessoas pretas. E assim surgiu um negócio de impacto, uma plataforma de cadastro, que em 3 meses já era finalista de uma premiação internacional, promovida pelo Google. Com um plano de comunicação sólido, saíram em uma matéria de mais de 5 minutos, no programa Pequenas Empresas, Grandes Negócios, e viram sua rede se encher de profissionais.
Começaram a conectar as pessoas entre si, e notaram que havia muita diferença entre os graus de maturidade dos negócios. Para além de conectar as pessoas, entenderam que precisavam capacitar e fomentar o empreendedorismo. “Nascemos com o DNA de não reinventar a roda“.
Segundo Fernanda, com diversas organizações pretas no mercado, atuando em diversas vertentes, optaram por focar na conexão dos empreendedores. E assim começou a atuação do Afro Business, gerando frutos para os participantes. Os empreendedores negros não estão em todos os setores da economia, limitando as conexões possíveis. Quando surgiu a ideia de inserir os empreendedores na cadeia de suprimentos de grandes empresas, e dentro desse ecossistema, surgiu a coragem de criar um banco, para atender a demanda do povo preto.
Tinha empreendedor que não tinha conta bancária, pois eram impedidos pelo sistema, sendo reprovados muitas vezes pelo recorte étnico, diante de gerentes de banco que não enxergavam potencial em seus negócios. O prazo de faturamento das empresas para seus fornecedores também era um problema, pois era longo demais, para empreendedores que não tinham caixa nem crédito. As instituições tradicionais negam crédito 4x mais para pessoas pretas.
O Conta Black nasce como uma conta digital, e traz pro empreendedor acesso a ferramentas financeiras, e trabalhar com outras camadas. “Desde o primeiro dia, entendemos que educação financeira precisava constar em nosso DNA. No Brasil, o sistema financeiro tem um mecanismo para manter as pessoas pretas endividadas. 70% dos adultos economicamente ativos e endividados são pretos, e o Conta Black veio para mudar esse cenário”.
Tão importante quanto o crédito, trazer a educação financeira pro povo preto se faz necessário, é preciso também educar para o não endividamento. Ao longo dos 6 anos do Conta Black, criamos cartão, microcrédito e conta digital. Somos hoje um hub de serviços financeiros, conectados a uma conta digital. Nossos pilares se baseiam em educação financeira: Benefícios, que representa entregar produtos e serviços que sejam adequados a realidade; Consumo, que orienta a forma como continuamos fomentando o black money; e Conta Digital”, finaliza Fernanda.