Em um movimento contrário aos fluxos migratórios históricos, negros americanos estão redescobrindo o continente africano como um novo lar em meio a um contexto marcado por desafios socioeconômicos e uma luta contínua contra o racismo sistêmico nos Estados Unidos. O movimento tem sido chamado de Blaxit e promove a repatriação de afro-americanos dos Estados Unidos para países africanos.
Segundo uma reportagem publicada pelo jornal The New York Times, impulsionados pela crescente conscientização sobre o racismo estrutural e os eventos desencadeados pela morte de George Floyd, os negros americanos, que representam 14% da população dos EUA, estão buscando ativamente um refúgio longe das tensões raciais que permeiam a sociedade americana. Para muitos, África representa mais do que simplesmente uma fuga geográfica. Morar no continente significa um retorno às origens, uma tentativa de reconectar-se com uma identidade que foi diluída pela diáspora e pelo colonialismo.
Notícias Relacionadas
Racismo obstétrico: ativista cobra respostas sobre mortes na Maternidade Albert Sabin, em Salvador
Rotas Negras: novo programa do governo federal ganha investimento para promover o afroturismo
Jes’ka Washington é um exemplo desses migrantes. Vivendo agora em uma casa espaçosa em Ruanda, ela descreve sua mudança como uma libertação emocional. “Uma das coisas de que eu queria me afastar por um tempinho era ser uma mulher negra”, afirmou em entrevista. Ela estava cansada de ter que ser forte “porque na América as mulheres negras deveriam ser fortes”, lembrou. “Eu só queria um espaço para ser eu porque serei negra todos os dias da semana”, afirmou ela, que trabalha online, dando aulas para alunos da Carolina do Sul, nos EUA. Além disso, Washington tirou um visto agrícola, e administra uma fazenda de coelhos próxima de Kigali, capital de Ruanda.
O custo de vida substancialmente mais baixo em países africanos é um atrativo significativo para muitos que lutam para sobreviver em meio a desigualdades econômicas nos Estados Unidos. A capacidade de construir uma vida estável e próspera em um ambiente onde o dinheiro pode render mais é uma perspectiva tentadora para aqueles que enfrentam dificuldades financeiras em seu país de origem.
No entanto, a motivação vai além do aspecto econômico. A busca por aceitação e pertencimento desempenha um papel fundamental nessa migração. África é vista como um espaço onde a identidade racial não é constantemente questionada ou contestada, onde ser negro não é uma desvantagem, mas sim uma fonte de orgulho e respeito.
“Acho que ainda estamos no estágio em que precisamos que mais pessoas venham. Precisamos que as pessoas venham fazer aposentadoria ativa aqui. Precisamos de investidores. Precisamos de talentos.”, contou Justin Ngoga, fundador da Impact Route, empresa de Ruanda que auxilia os expatriados através de serviços de relocalização ao comentar os impactos econômicos causados pela chegada dos afro-americanos.
Outro lado
Enquanto muitos negros americanos estão encontrando na África uma promessa de liberdade do racismo que enfrentam em seu país de origem, outros descobrem que a mudança não traz a resolução desejada. Adwoa Yeboah Asantewaa Davis, uma terapeuta que se mudou de Washington, para Accra, Gana, em 2020, alerta que escapar do racismo nos Estados Unidos não garante uma cura para o trauma persistente. Ela recomenda que quem queira curar feridas causadas pelo racismo deve procurar ajuda na terapia. Davis destaca que o choque cultural pode piorar a sensação de alienação, quando os negros americanos percebem que são considerados estrangeiros em um continente onde esperavam encontrar sua própria casa.
Além disso, preocupações como políticas anti-LGBTQ em alguns países africanos destacam que a África pode não ser uma utopia para todos.
Notícias Recentes
Racismo obstétrico: ativista cobra respostas sobre mortes na Maternidade Albert Sabin, em Salvador
Rotas Negras: novo programa do governo federal ganha investimento para promover o afroturismo