Texto de Raio Gomes*
Quem ama o Carnaval, com certeza já está sentindo falta do clima de festa que tomaria conta do Brasil inteiro, e que estaria a todo vapor esta semana. Para reviver um pouco dessa energia, assisti o documentário Axé – Canto do Povo de um Lugar, disponível na Netflix.
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O filme, lançado em 2017, no catálogo da Netflix desde 2020, se propõe a contar a história do Axé Music, o ritmo que revolucionou a indústria musical na Bahia e no Brasil em meados dos anos 80. Grandes nomes como Carlinhos Brown, Caetano Veloso, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Geronimo e produtores da indústria rememoram acontecimentos desde o surgimento do ritmo até os dias atuais.
Logo no início da narrativa, já possível perceber que, mesmo em se tratando de um ritmo nascido na cidade mais negra fora da África, a sensibilidade para questões raciais não faz parte da análise da história do axé.
Trazida como o primeiro grande sucesso do axé, a música Fricote, de Luís Caldas, foi usada contra muitas meninas e mulheres negras para humilhar, desqualificar e taxar de feias e sujas toda “nega do cabelo duro”. A importância da música no crescimento do ritmo é inegável, mas será que podemos ainda seguir repercutindo esta letra sem trazer considerações ao centro do debate? Parece que sim.
Ao longo de toda a narrativa o racismo é um mero detalhe, que só é mencionado com mais contundência por pessoas negras entrevistadas pela produção. João Jorge, presidente do Olodum, e Marcionílio Prado, cantor e instrumentista de muitas bandas de axé, apresentam o racismo existente na negação da estética negra no Carnaval e a resistência oferecida pelo bloco afro Ilê Aiyê.
Mais adiante, Ninha (ex-Timbalada) fala sobre a total falta de reconhecimento ao berço dessa cultura: “Fez muita gente ficar rica foi essa cultura, e quem faz essa cultura tá pobre, tá lenhado! Sugaram a laranja e jogaram o bagaço fora”, lamenta, descrevendo com excelência um dos efeitos da chamada apropriação cultural. As coisas de preto são muito interessantes, valorosas e rentáveis, desde que tenham uma embalagem branca.
A presença negra e a genialidade de instrumentistas como o saudoso Neguinho do Samba, são o pilar da musicalidade trazida por grupos como o Olodum. Infelizmente, talento e pertencimento não bastam para transformar grandes artistas deste segmento em representantes maiores do ritmo.
Na indústria, cantoras brancas como Daniela Mercury (que tem a audácia de cantar que a cor dessa cidade é ela) e Ivete Sangalo sobrepujam grandes nomes como Margareth Menezes – que também aparece timidamente no longa. Seria este “apagamento” de um artista culpa da indústria musical?
Essa tese é corroborada por vários entrevistados do filme, inclusive com a citação, por exemplo, de produtores que teriam pago a rádios para que não tocassem mais músicas de certos artistas – para fazer suas carreiras despencarem.
Assistir ao documentário é vivenciar exatamente as contradições que se apresentam no maior cenário do Axé Music no mundo: o carnaval de Salvador. É ver o encantamento e magia perpetuado pelo trabalho de muitas mãos e mentes negras sustentar o brilho de artistas brancos/as e acabam por ser os grandes nomes do axé, que é preto até no nome.
*Raio Gomes
IG: @raiogomes
Raio Gomes é mulher de axé, jornalista e integrante da Irmandade Pretas Candangas /AMNB
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