As marcas brasileiras estão matando os nossos sonhos

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As marcas brasileiras estão matando os nossos sonhos
Foto: Reprodução/Freepik

A notícia do adiamento da Feira Preta para 2026 foi mais que um banho de água fria para qualquer empresário que trabalha com a comunidade negra, incluindo esta pessoa que escreve este texto. Foi uma prova concreta de como projetos afrocentrados foram usados pela publicidade durante a pandemia, na era pós-morte de George Floyd, e de como agora as marcas não se importam mais com a gente.

A edição de 2024 da Feira foi a maior e melhor de todas, ocupando uma área expressiva do Parque do Ibirapuera, um dos espaços mais bonitos da cidade mais rica da América Latina e movimentando cerca de R$14 milhões. Havia público, ativações, atividades culturais, uma área de empreendedorismo pulsante e uma cadeia incontável de pessoas beneficiadas financeiramente com o evento. Seria inimaginável que a Feira Preta não encontrasse apoio de marcas para a edição deste ano em São Paulo. E foi exatamente isso que aconteceu. A Feira será realizada apenas em Salvador, em novembro.

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Quando olhamos o recuo da diversidade e inclusão nos EUA, devemos levar em conta que, apesar de péssimo, a população negra lá é minoria. Nada justifica o retrocesso, mas, em termos numéricos, o Brasil tem mais da metade da população formada por pretos e pardos. Ou seja, o corte de investimentos e o enxugamento de áreas de diversidade dentro das empresas impactam a maior parte dos brasileiros.

Se, no final dos anos 90, a falta de investimento se dava por não sabermos o quanto somos, agora, em 2025, ela ocorre pela desimportância de pessoas negras em projetos estratégicos dentro das grandes agências de publicidade. O “They don’t care about us”, do clipe de Michael Jackson em Salvador, se faz presente novamente. Fomos usados para atender às tendências midiáticas globais durante a pandemia, quando a violência contra um homem negro americano se traduziu em uma curta primavera negra, com investimentos nunca antes vistos em projetos para a comunidade negra. Meta, Google e outras empresas criaram e apoiaram vários projetos de empoderamento negro em suas plataformas. O letramento racial era tema frequente em reuniões e eventos corporativos. Agora, essas instituições nem retornam os e-mails das mesmas pessoas que apoiaram antes. Uma violência simbólica que nos faz sentir usados e descartados.

E qual a solução para esse problema? Nos EUA, após o anúncio da redução dos programas de DEI, a Target, famosa rede de varejo, experimentou uma queda notável no tráfego de clientes. Em um período de quatro semanas encerrado em 9 de fevereiro, a empresa registrou uma diminuição de quase 5 milhões de visitas, de acordo com a Insider, enquanto a Costco, que manteve suas iniciativas de DEI, viu um aumento de aproximadamente 7,7 milhões de visitas no mesmo período. Esse movimento foi especialmente evidente entre famílias negras e hispânicas/latinas, que decidiram boicotar uma marca que não reconhece a importância de estratégias de diversidade em seus negócios.

Nosso país é tão irônico nesse sentido que os produtos voltados ao nosso público continuam em ascensão. As marcas de beleza só aumentam a gama de produtos para nossa pele e cabelo, ou seja, elas querem nosso dinheiro. Mas esse aporte financeiro, vindo das nossas compras, não retorna em ações de publicidade para mídias e influenciadores negros. Seus departamentos de DEI continuam sendo reduzidos e o adiamento da Feira Preta em São Paulo é uma das vítimas desse novo momento.

Não falta letramento racial. Inclusive, eu particularmente acho que a falta de conhecimento sobre racismo nunca foi o fator real para a ausência de investimentos em nossos projetos. Os letrados estão aí, ignorando nossa existência, matando empresas que investiram em recursos físicos e humanos, acreditando que a mudança viria para ficar. E o estrago tem como consequência o impacto na geração de empregos, pois sabemos que pequenos e médios empreendedores são os que mais contratam no Brasil.

Nosso consumo tem que ser consciente. Comprar dos nossos é de extrema importância. Entender se a marca que você consome regularmente tem ações de diversidade também precisa ser uma prática na hora de gastar seu dinheiro.

Abra sua geladeira e veja quais são as marcas que estão lá. Quais delas têm ações com enfoque racial dentro da sua agenda de ESG? Essas informações estão disponíveis na maioria dos sites de empresas, na parte institucional.

Quem não pensa em mim e na minha comunidade não merece meu dinheiro. Está na hora de expor e boicotar as marcas que estão matando os nossos sonhos.

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