“Um comício para gente preparada” com as pompas que isso exige. Mesa posta, comida servida por garçons, cadeiras macias e um ambiente fechado, privado, sem pastel ou coxinha da tia da barraca. Com oportunidade para que os convidados, na maioria homens brancos, pudessem falar e ser ouvidos pelo candidato.
A fala do candidato à presidência da república pelo PDT feita na tarde da última quarta-feira para empresários da indústria do Rio de Janeiro é uma clara demonstração de com quem e para quem Ciro Gomes fala. Ao dizer: “É um comício para gente preparada. Imagina eu explicar isso na favela?”, o candidato se refere a poucos porque é por quem ele se interessa, é com quem ele quer falar.
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No Twitter, Ciro ainda tentou justificar sua fala estereotipada “a um diretor da Firjan que chamou a palestra de “aula”, respondi, brincando, que era “um comício”. E completei: “imagine explicar na favela, seria pesado”. Usei o termo “gente preparada” no sentido técnico, nunca como menosprezo à sabedoria popular. Que amo e respeito”, escreveu.
E não é novidade que Ciro tem se posicionado mais à direita e mostrado seus ideais conservadores, que ignoram a necessidade de políticas públicas voltadas para negros, LGBTQIA+ e para mulheres. Durante entrevista para a CNN, em 2020, Ciro Gomes já havia declarado o que pensa sobre pautas identitárias: “Mulheres, negros, jovens e LGBTs são perseguidos e têm que se ser protegidos, mas a soma desses interesses identitários não representam o interesse nacional”.
Quando deu essa declaração, ele ignorou que nosso povo é formado em sua maioria por pessoas negras, que representam mais de 55% da população e por mulheres, que somam 51,8% de acordo com dados do PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2019.
O engenheiro-civil e colunista do Mundo Negro, Levi Kaique Ferreira lembrou que Ciro Gomes há tempos se coloca contra pautas progressistas: “É muito importante não esquecer de que o Ciro Gomes nos últimos anos tem falado muito contra o que ele chama de pauta identitária. Já houve declarações em que ele disse que ‘identitarismo de goela’ não leva nada, em que ele critica e chama a discussão de pautas identitárias como algo somente eleitoreiro. E esses posicionamentos dele contra pautas identitárias vão totalmente de acordo, totalmente na direção em que ele busca nutrir aproximação com o eleitorado do Bolsonaro e se afastar do Lula e de outros candidatos da esquerda. O Ciro Gomes tem criticado muito o que ele chama de identitarismo, inclusive tem uma declaração recente em que ele fala que pautas identitárias são políticas de papo furado. Então ele tem se colocado como esse cara que tá caminhando mais para o lado conservador e preconceituoso já faz um bom tempo”.
A declaração citada por Levi aconteceu durante uma entrevista para o jornal Valor Econômico, concedida em agosto. “E a expectativa do povão é cerveja e picanha. Ele vai botar um banqueiro na Economia, entregas as políticas de papo-furado – mulher, índio (sic) e negro – para o PT se divertir, a política e o Orçamento pro Centrão e vai passear no estrangeiro”.
Sobre o público presente no encontro com Ciro Gomes na Firjan, Levi Kaique é enfático ao afirmar as intenções do candidato à presidência com suas falas elitistas: “Quando ele chega e ele tá com um público que é um público de empresários e ele fala aquilo a gente não pode tratar somente como um erro na fala dele, é uma coisa que ele falou pensada para aquele público, porque aquele público vai bater palmas para isso. Aquele é um público que bate palmas para o Paulo Guedes falando que o Brasil está mil maravilhas, então com certeza é um público que vai adorar quando ele fala que dentro da comunidade, da favela, ninguém vai entender isso porque não tem gente preparada. O Ciro Gomes é uma pessoa que conhece e sabe que dentro da favela tem muitas pessoas preparadas para entender, discutir e debater. Pessoas que já debateram com ele em diversas situações. Então, o Ciro Gomes é um cara extremamente consciente do que ele está fazendo. Não tem nada que ele esteja falando ali que seja um equívoco ou alguma coisa. Ele está fazendo aquilo conscientemente para poder atrair esse novo eleitorado que ele está querendo atrair que é eleitor do Bolsonaro e no debate isso ficou claro de acordo com o posicionamento dele. Ele quer a todo custo se afastar do eleitorado do Lula porque ele sabe que já perdeu boa parte desse eleitorado devido ao que ele fez em 2018 e todas as declarações dele contra o Lula e na mente dele, na cabeça dele, os identitários estão com o Lula, a comunidade nesse sentido está com Lula e ele precisa atrair esse outro público, e ele tava ali falando para empresários que estavam querendo ouvir aquilo”, conclui.
Os posicionamentos de Ciro Gomes, ao subestimar as pessoas que moram na favela e se sentir confortável para dizer que elas não entenderiam seu plano econômico, não são só um discurso estratégico para ganhar novos eleitores, mas uma demonstração de com quais pessoas ele se identifica e quer proximidade.
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