Nos últimos anos, o mercado de entretenimento e cultura tem visto uma crescente e obstinada ascensão de artistas negros, que, após décadas de invisibilização, estão finalmente ocupando espaços de destaque. No entanto, mesmo com certo avanço, há um fenômeno que precisa ser analisado de forma crítica: a tentativa de protagonismo de agentes brancos no gerenciamento de carreiras negras. Muitas vezes, esses empresários se colocam como “salvadores da pátria”, assumindo o crédito pelo sucesso dessas carreiras e perpetuando uma narrativa de dependência, ao invés do reconhecimento de seus potenciais artísticos.
Ser um aliado na luta por equidade e representatividade não é se colocar à frente, mas sim atuar nos bastidores, sem tomar o lugar de destaque. Significa criar atalhos para os caminhos, apresentar ao mercado, lutar por direitos, batalhar por uma boa negociação, mas nunca reivindicar o mérito pelo sucesso alheio. Aliás, não existe sequer a possibilidade de meritocracia sobre corpos negros, essa parte eles deixam para os herdeiros e sucessores de artistas brancos já consolidados e privilegiados.
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Surpreendentemente temos sido impactados pelo comportamento de “complexo de salvador branco”, vindo de pessoas que, sem vergonha alguma, se colocam como as figuras centrais e principais responsáveis por aquele sucesso. O discurso recorrente de “eu descobri esse talento” ou “eu dei essa oportunidade” revela não só uma visão hierárquica das relações, mas também uma sutil imposição de uma dívida de gratidão. Há sempre uma sugestão de que, sem eles, o artista negro não teria chegado onde está, distorcendo a narrativa para que o foco esteja prioritariamente em sua influência, e não no talento da pessoa que está sob sua gestão. Isso cria uma dinâmica tóxica e abusiva, onde o artista está inserido e, muitas vezes, pressionado a manter uma postura de agradecimento eterno, ainda que não se percebam nesta situação.
Quando empresários brancos se colocam dessa forma, o que está em jogo não é apenas o protagonismo na gestão, mas a própria narrativa de artistas negros na indústria. Esse tipo de comportamento perpetua a ideia de que só se pode alcançar o sucesso se houver uma pessoa branca “descobrindo” ou “tomando a frente” de suas carreiras. Essa prática enfraquece toda uma luta histórica e tenta reforçar a ideia de que sempre será necessária a presença de uma figura branca para legitimar o sucesso. O problema não está no que acontece, mas em como acontece.
É importante lembrar que a descoberta de um talento é uma etapa comum na carreira de qualquer artista, independentemente da cor de sua pele. Portanto, quando essas ações são amplificadas de forma exagerada no caso de artistas negros, o que estamos vendo é a manutenção de uma estrutura de poder desigual. É um sutil retorno à mesma lógica colonial, onde a figura branca é colocada como “salvadora” de pessoas negras, ao invés de parceira de trabalho na caminhada.
Ser aliado é uma coisa, se colocar à frente é outra. Empresários brancos que atuam no gerenciamento de carreiras de artistas negros precisam entender essa distinção, caso contrário, continuarão perpetuando uma dinâmica de poder estruturalmente racista. Em 2023, escrevi um artigo para o POPLine Biz sobre a importância da liderança negra no mercado artístico. Reitero aqui meu respeito ao legado de outros agentes e empresários não-brancos da indústria que vieram antes de mim e aos parceiros da mesma geração, como por exemplo Evandro Fióti, Egnalda Côrtes, Ricardo Silvestre, Eliane Dias, Jorge Velloso e outros. O verdadeiro progresso só acontecerá quando as pessoas negras puderem de fato brilhar em seus próprios espaços, sem a constante sombra do “salvador branco” tomando o crédito por seu sucesso. Apenas assim daremos o primeiro passo para o para um mercado mais justo, e minimamente mais igualitário.
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