O caos das escolas públicas foi um dos vários incômodos que senti assistindo à série Adolescência, sucesso de crítica e audiência exibido pela Netflix. Em especial no segundo episódio, que se passa quase inteiramente dentro de uma escola, é quase claustrofóbico observar tantos jovens em um ambiente cinza — no sentido real e também metafórico. A violência verbal parece naturalizada; há falta de comprometimento por parte de alguns professores, reflexo de baixos salários; o bullying acontece diante de alunos e coordenadores que nada fazem. E, após o assassinato de Katie, a rotina seguiu como se nada tivesse acontecido, revelando uma brutalidade já normalizada. O luto se fez presente apenas na figura de Jade (Fatima Bojang), melhor amiga da vítima.

“Ela era a única pessoa que me entendia.” Essa frase pode ter muitas leituras, mas sabemos que, além da misoginia — abordada de forma brilhante na série — o racismo e a xenofobia também são temas que aparecem nas relações dos jovens, inclusive em grupos online. Se uma das reflexões de Adolescência é sobre frustrações transformadas em violência, é urgente incluir as questões raciais nesses debates.
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Jade vem de um lar desestruturado, sem apoio da mãe, e sua cena final — o corpo jovem e negro, sozinho em meio a uma multidão — traduz outro tipo de adolescência: aquela em que nem os pais estão presentes, e o Estado falha de maneira sistemática.
Nos últimos anos, aumentaram os relatos de racismo no ambiente escolar, onde até mesmo grupos de WhatsApp e outros redes sociais, têm sido usados para humilhar estudantes negros.
No Brasil, tivemos o caso da aluna, filha de senegaleses, estudante do Colégio Franco-Brasileiro, que precisou mudar de escola após ser vítima de racismo. Em outro episódio doloroso, em 2024, um estudante negro e gay do colégio Bandeirantes tirou a própria vida após sofrer discriminação racial e social. A exposição constante a ambientes hostis, marcada por exclusões e violências simbólicas, pode impactar profundamente a saúde mental dos jovens.
A solidão dos alunos negros dentro das escolas também aparece na trajetória de Adam Bascombre (Amari Bacchus), filho do policial que investiga o caso ( Ashley Walters) . Ele falta frequentemente às aulas por conta da maneira como é tratado — inclusive na frente dos professores.
Um estudo publicado em 2021 no JAMA (Journal of the American Medical Association) revelou que, entre 1991 e 2019, a taxa de suicídio entre adolescentes negros nos Estados Unidos aumentou 79%, sendo o único grupo racial com crescimento significativo nesse período. Aqui no Brasil, um estudo realizado em 2023 pelo Ministério da Saúde apontou índice de suicídio entre adolescentes e jovens negros no Brasil é 45% maior do que entre brancos.
Se a série tem gerado um debate global sobre a violência de gênero desde a infância e alertado para os impactos emocionais sobre meninos, é igualmente necessário refletir sobre como meninos e meninas brancos interagem com pessoas racialmente diferentes. Não precisamos esperar por casos extremos: a violência que não deixa marcas visíveis já tem custado vidas.
O discurso de ódio tem crescido, com jovens sendo aliciados por ideologias extremistas, como o neonazismo. Os debates sobre diversidade parecem perder força em um mundo em que homens brancos tentam mais uma vez controlar os comportamentos sociais. Por isso, discutir a internet tóxica fazendo um recorte de raça entre os jovens — inclusive com crianças — se torna mais urgente do que nunca..
Os personagens de Adam e Jade não têm tanto tempo de tela por acaso. Eles representam uma adolescência que raramente é colocada no centro das discussões. E a pergunta permanece: quem está falando sobre esse tipo de adolescência?
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