Não importa o quão seja difícil, coloque o seu peito para fora, mantenha a cabeça erguida.
– Tupac Shakur
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Na semana passada encontrei com um amigo de “milianos” no ônibus do bairro. Crescemos juntos na periferia da zona leste, e por conta da correria do dia a dia não trocávamos umas ideias com calma. Marcio era DJ quando mais jovem, hoje trabalha vendendo frutas nas ruas do centro da cidade. Nos anos 90, eu e dois dos seus irmãos – Marcão e Marcelo – tínhamos um grupo de samba que durou uns oito anos. Ambos morreram jovens, consequência do consumo excessivo de álcool e drogas. Não me recordo exatamente quais as idades da partida, mas com certeza não chegaram aos 30 anos. Sem dar muitos detalhes, Marcio disse que estava chateado, pois, a sua filha “entrou no caminho errado” e foi presa. Conversamos mais algumas coisas e na hora de cada um ir para o seu lado ele me disse “lembra do meu sobrinho, o filho da Ana?”, respondi “lembro!”, comentou “também está preso, faz uns dois anos”.
Após a nossa conversa fiquei bastante pensativo. Desde que acordei para a realidade do povo negro, a impressão é de que o sofrimento nunca terá ponto final. E não é para menos. Os testemunhos de amigos negros, as dificuldades na minha vida e da família, e o bombardeio de casos de racismo noticiados na imprensa e nas redes sociais, alimentam o pessimismo. Não à toa que os movimentos negros pontuam insistentemente que o racismo brasileiro é estrutural. Isso não significa surfar em um mero jogo de palavras, modismo ou uso irreflexivo do conceito, a despeito da banalização em curso. Afirmamos que esse racismo não é episódico, mas uma opressão arraigada nas relações sociais e em permanente reprodução e manutenção pelas instituições públicas e privadas, conformando a visão de mundo de brancos e negros. Com isso, o impacto direto na realidade concreta é proposital e inevitável diante da ordem estabelecida.
Durante a reflexão também rememorei o rolê no mês passado. Eu fui no samba da comunidade que acontece mensalmente no segundo sábado, pertinho da minha casa. O ambiente é de muita energia e descontração, a comunidade se diverte, troca ideia, dança, come e bebe, namora enquanto a roda de samba pega fogo ecoando clássicos de Candeia, Aniceto do Império, Jovelina, Clementina de Jesus e por aí vai. Fica lotado de pessoas. Sem confusão. Às vezes alguns se estranham, mas rapidinho o pessoal da organização desarticula a treta. Nesse dia encontrei com o Nego Beto, o homem estava emocionadíssimo e pagando cerveja para todo mundo. Camila, a sua filha mais velha, passou no vestibular da USP para cursar odontologia. Imagine a alegria dele “a brancaiada vai ter que engolir uma dentista preta” me disse. Eu rachei o bico e embarquei na mesma energia. Só quem é dos nossos sabe o sofrimento que antecede as conquistas.
Lembrar disso me trouxe certo conforto e deu um chega pra lá no pessimismo. Não que devamos negar a realidade dolorosa do racismo, mas é uma advertência para não esquecermos da existência de lutas individuais em paralelo às lutas coletivas. E conquistas acontecem aqui e acolá. Devemos celebrá-las mais e mais para inspirar outros negros que sentem a crueza do racismo e acham que a vida se encerra somente em dor e lágrimas. Tupac Shakur deu a ideia, ergamos a cabeça.
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